25/11/2024

Indústria tem apoio do governo para interromper fornecimento ao Carrefour

Indústria tem apoio do governo para interromper fornecimento ao Carrefour

Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro. Foto Lula Marques - Agência Brasil

 

Carlos Fávaro disse que não pediu para setor suspender entregas ao grupo, mas parabenizou pela decisão dos frigoríficos

O ministro da AgriculturaCarlos Fávaro, disse neste sábado, 23, ao Estadão/Broadcast Político, que a indústria da carne tem o apoio do governo para interromper o fornecimento de carne ao Grupo Carrefour no Brasil. Ele negou que o ministério tenha feito um pedido explícito para o produto deixar de ser entregue à rede de supermercados francesa, mas afirmou ter parabenizado o setor pela decisão.

A reação dos frigoríficos brasileiros ocorreu após o CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, ter divulgado na quarta-feira, 20, comunicado nas suas redes sociais no qual afirma que a varejista se comprometeu a não vender em lojas da França carnes do Mercosul. “Aqui não é colônia francesa”, criticou Fávaro.

“Só dois países no mundo não tem gripe aviária no seu plantel comercial, e o Brasil é um deles. A França, por exemplo, tem gripe aviária no seu plantel comercial. As indústrias daqui tomaram a atitude bonita de não fornecer, porque se eu não posso fornecer para lá, não forneço para cá também. Eles têm o apoio do governo, do Ministério da Agricultura. Essa é a situação, mas não foi um pedido do Ministério da Agricultura para que eles parassem de fornecer”, declarou.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, cerca de 50 caminhões com carga de carne para o Grupo Carrefour Brasil tiveram entregas suspensas até o início da tarde deste sábado. As informações são de que a rede - que engloba os hipermercados Carrefour, Atacadão e Sam’s Club - tem estoques e, portanto, não ficará desabastecida de forma imediata. Os estoques, porém, devem durar até o início da próxima semana.

“Há 40 anos o Brasil vende carne para a União Europeia. A França, 0,5% do volume de proteína animal brasileira. Estão achando (Carrefour) que eles são a última bolacha do pacote? Eles só têm de nos respeitar, aqui não é colônia francesa. E hoje o Brasil tem um portfólio de mercados abertos para o mundo todo, e com muita garantia de qualidade”, afirmou o ministro da Agricultura.

Lideranças do agronegócio estão indignadas com a decisão do Carrefour de boicotar a carne do Mercosul. Parlamentares do setor já começaram a planejar outros tipos de retaliação. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), diretor de Política Agrícola e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), vocaliza essa insatisfação. Ele vai apresentar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um requerimento para instalar uma comissão externa da Casa com o objetivo de “colocar o dedo na ferida” da empresa.

Na justificativa para criar a comissão, Moreira diz que é preciso avaliar a conduta e as denúncias contra o Carrefour no Brasil. O deputado afirma que há antecedentes “graves” da rede de supermercados francesa no País ligados a violações raciais, ambientais e trabalhistas.

A carta do CEO do Carrefour foi endereçada ao presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas (FNSEA) francesa, Arnaud Rousseau, e, segundo ele, a decisão de não vender mais carne do Mercosul nos supermercados da rede na França foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que protestam contra a proposta de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o bloco econômico sul-americano (Estadão, 24/11/24)

Boicote ao Carrefour:Interrupção de fornecimento de carne atinge 150 lojas  

Cerca de 50 caminhões deixaram de fazer entregas às redes do grupo, como Carrefour, Atacadão e Sam’s Club; o Carrefour Brasil negou desabastecimento, mas não se manifestou sobre a suspensão das entregas.

Frigoríficos brasileiros pararam de fornecer carnes ao Grupo Carrefour Brasil após a decisão da empresa na França de não vender mais o produto do Mercosul. A interrupção no fornecimento já atinge 150 lojas da rede no Brasil e a estimativa do mercado é de que em até três dias haja desabastecimento total dos supermercados do grupo já que se trata de mercadoria resfriada e/ou congelada. Procurado, o Carrefour Brasil negou desabastecimento, mas não se manifestou sobre a suspensão das entregas.

Fontes ligadas ao grupo ouvidas pelo Estadão/Broadcast afirmaram que cerca de 50 caminhões com carne para as redes do grupo - que engloba os hipermercados Carrefour, Atacadão e Sam’s Club - tiveram entregas suspensas até o início da tarde deste sábado, 23. Fontes da indústria disseram à reportagem que em 30% a 40% das gôndolas do Grupo Carrefour já se percebe desabastecimento do produto.

Entre os frigoríficos que aderiram à interrupção estão a JBSMarfrig e Masterboi. Somente a Friboi, marca de carnes bovinas da JBS, responde por 80% do volume fornecido ao grupo de origem francesa, sendo que na rede Atacadão o fornecimento da marca é de 100%. Procuradas, a JBS e a Marfrig não comentaram o assunto.

O movimento ocorre após o presidente global do grupo Carrefour, Alexandre Bompard, informar nesta semana de que não comprará carnes do Mercosul na França. Segundo ele, a medida foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que são contrários à proposta de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul.

Segundo dados do site especializado Farmneews, a França comprou de janeiro a outubro deste ano menos de 40 toneladas de carne bovina in natura do Brasil - isso equivale a 0,002% do total embarcado pelo País no período, de 1,41 milhão de toneladas. O receio do Brasil, no entanto, não está associado à quantidade, mas o efeito que a iniciativa pode ter na imagem do produto, abrindo caminho para atitudes parecidas em outro países europeus e prejudicando o produtor local.

“Paramos completamente de entregar ao Carrefour”, diz diretor da Minerva  

Ação integra retaliação da cadeia de carnes à multinacional francesa, após declaração de que marca não compraria mais o produto do Mercosul

Uma das principais indústrias de carnes bovina e de aves do país, a Minerva suspendeu o fornecimento dos produtos à rede Carrefour. A informação foi confirmada ao Agro Estadão pelo diretor institucional da Minerva, João Sampaio. “Paramos completamente de entregar ao Carrefour e isso é uma coisa clara. Se não mudar a postura, não tem fornecimento”, explica Sampaio, referindo-se à declaração do CEO da marca, Alexandre Bompard.

O executivo da Minerva conta que os grandes frigoríficos [BRF e JBS, por exemplo] estão juntos nessa iniciativa de não fornecer carnes bovina, suína e aves à empresa e aguardam uma retratação da marca francesa. Ele avalia que a frase do CEO é de “lacrador, de quem quer falar uma coisa e fazer outra”. De acordo com Sampaio, a Minerva não recebeu nenhum comunicado oficial do Carrefour que informasse a interrupção do comércio.

“A gente precisa deixar de ter hipocrisia. Essa fala do Carrefour – assim como foi da Danone  – é uma fala hipócrita. A gente tem que ser mais maduro, mais inteligente e agir de uma maneira mais consciente”, avalia Sampaio. Na opinião do executivo, o prejuízo à imagem do Brasil é gigante, já que outros clientes do Brasil nas Américas e na Ásia podem considerar a fala polêmica. “O europeu quer qualidade? Então o Brasil não tem qualidade […] Por isso, a gente precisa reagir à altura e contestar isso e dizer: vamos respeitar o Brasil”, comenta.

Apesar do desgaste à imagem, Sampaio lembra que a qualidade do produto brasileiro e o respeito às regras ambientais e de sanidade são superiores aos da Europa. “Eu não tenho medo de nenhuma vistoria de qualquer empresa, agricultor ou entidade governamental que venha fiscalizar a nossa produção. Não existem problemas”, completa.

A reportagem procurou novamente o Carrefour, mas ainda não teve resposta. BRF e JBS não estão comentando o assunto (Estadão, 25/11/24)

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Apoio do governo a medidas duras

A decisão de suspender o fornecimento de carnes para o Carrefour no Brasil foi endossada pelo governo. O ministro da AgriculturaCarlos Fávaro, afirmou que não pediu que os produtores cortassem o fornecimento, mas disse que parabenizou o setor pela medida. “Aqui não é colônia francesa”, criticou Fávaro. “As indústrias daqui tomaram a atitude bonita de não fornecer, porque se eu não posso fornecer para lá, não forneço para cá também. Eles têm o apoio do governo, do Ministério da Agricultura.”

Segundo interlocutores, diante da interrupção de fornecimento ao Carrefour, a diretoria do grupo pediu ao presidente da Friboi, Renato Costa, a retomada das entregas.

Costa, conforme relataram fontes à reportagem, condicionou a retomada a uma retratação do grupo em nível global. A principal queixa da indústria é que, além do boicote, a qualidade e a sanidade da carne brasileira foram questionadas. Uma outra fonte classifica a represália dos frigoríficos brasileiros como “ações individuais de algumas empresas”.

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), defendeu que o setor de proteínas pare de fornecer carnes ao Carrefour e demais marcas do grupo no Brasil.

A posição de Lupion foi endossada por seis entidades do agronegócio, que em carta afirmaram que se o grupo Carrefour “entende que o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês - que não é diferente do espanhol, belga, árabe, turco, italiano -, se não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, sugerindo suspensão no fornecimento local.

A ex-senadora e ex-ministra da Agricultura Katia Abreu afirmou neste sábado em sua conta no X (antigo Twitter) que frigoríficos brasileiros teriam deixado de entregar carne ao Carrefour. “Medida foi tomada pelas principais indústrias do Brasil, em resposta à declaração do CEO global do grupo, que afirmou que a rede não mais venderia proteína oriunda do Mercosul na França”, disse Katia, que complementou a fala com “viva o Brasil” (Estadão, 24/11/24)

‘Duvido que o Carrefour não compre carne do Mercosul se acordo for fechado’

Resistência de agricultores franceses para evitar o fechamento do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul é o pano de fundo da polêmica envolvendo a rede varejista.

Foto Wilton Junior Estadão

Entrevista com Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil

O boicote do Carrefour à carne do Mercosul seria mais uma ação de marketing do que uma medida concreta capaz de afetar as exportações brasileiras, segundo o experiente observador das relações comerciais internacionais Welber Barral. Ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e PhD em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), o consultor acredita que essa manifestação terá pouco efeito prático no curto prazo e pode ser esquecida no futuro.

Por meio de comunicado, o CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, se comprometeu a não vender mais carnes procedentes do Mercosul. A decisão teria vindo, segundo ele, após ouvir o “desânimo e a indignação” de agricultores franceses, que são contra a proposta de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. “Se o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul for fechado, eu duvido que o Carrefour não compre dos países daqui. Em dois anos, ninguém mais vai se lembrar dessa declaração dele”, afirmou Barral, ao Estadão.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

O que está por trás desse episódio envolvendo o boicote à compra de carnes do Mercosul pelo Carrefour na França?

Existe uma chance não muito grande de o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul ser fechado ou, ao menos, avançar ainda este ano. Essa é a expectativa, pelo menos, dos países do Mercosul. E existe uma resistência dos agricultores franceses a que isso aconteça.

Mas por que o Carrefour acabou entrando nessa briga?

No meu ponto de vista, essa é uma ação publicitária do Carrefour, para agradar ao cliente na França. Se o acordo comercial não é fechado com o Mercosul, ele já não iria fazer as compras de carne mesmo. Mas, como disse antes que não faria as compras, vai agradar ao público na França. Mas, se o acordo for fechado, eu duvido que ele não compre dos países daqui. Em dois anos, ninguém mais vai se lembrar dessa declaração dele.

Não. Mesmo que o acordo avance, precisará, para ser aprovado, passar pelos congressos dos países e pelo Parlamento Europeu, o que vai levar de três a cinco anos. Na melhor das hipóteses, ele é assinado este ano, e depois tem de cumprir toda essa tramitação. Até lá, muita coisa vai acontecer.

Essa resistência, no entanto, pode prejudicar as exportações do Brasil pelo bloco europeu, com mais países seguindo o exemplo do Carrefour?

Hoje, as vendas do Mercosul para a Europa são muito pequenas, até porque os limites de cotas não permitem mais negócios. O acordo vai ampliar o limite das cotas. Agora, não haverá nenhum impacto.

A resistência ao acordo vem principalmente da França. Por que é tão difícil para os políticos franceses desagradarem aos agricultores do país?

A França é o maior país agrícola da Europa, e a sua agricultura é muito subsidiada. Ela não tem competitividade para concorrer contra a produção do Mercosul.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, declarou que os produtores brasileiro deveriam, em represália, deixar de vender carnes para o Carrefour no Brasil. Isso pode acontecer?

O ministro está fazendo o que tem de fazer, que é defender o Brasil. Mas esse tipo de retaliação é muito difícil. É muito complexo coordenar isso com milhares de produtores. E seria até inconstitucional se o governo proibisse o Carrefour de comprar carne brasileira (Estadão, 24/11/24)