23/06/2021

Inglaterra inicia julgamento sobre oligopólio da Cutrale no Brasil

Inglaterra inicia julgamento sobre oligopólio da Cutrale no Brasil

COLHEITA LARANJAS Paulo WhitakerReuters

Após duas décadas de embates no Brasil, começou ontem (21) na Inglaterra uma audiência de três dias sobre a acusação de formação de cartel no setor de laranja e suco, que levou a um oligopólio no setor. A ação judicial movida por 1,5 mil produtores independentes brasileiros é contra o empresário José Luis Cutrale, seu filho José Luis Cutrale Jr. e a empresa de sua família, a Sucocítrico Cutrale.

Os requerentes buscam indenizações relacionadas às ações que teriam sido a base para formação de um cartel e reduzido artificialmente os volumes de laranja comprados, suprimindo os preços de compra da fruta e impondo custos adicionais aos agricultores independentes. Com isso, os produtores menores alegam que foram forçados a cessarem o cultivo de laranja. Neste primeiro momento, porém, a Justiça britânica apenas verificará se o processo pode ocorrer sob sua jurisdição, sem que o mérito do caso seja ainda apreciado.

Depois de anos de tentativas no Brasil por uma recompensa que considera justa, a defesa dos produtores decidiu acionar a High Court of Justice de Londres. A escolha pela Inglaterra se dá porque Cutrale mora na capital britânica e uma parte da administração da companhia também é conduzida no Reino Unido.

No início de 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) encerrou o que era a mais longa investigação em curso no órgão. Iniciada em 1999, o órgão antitruste entendeu que foram cumpridos os termos de compromisso de cessação de condutas anticompetitivas assinados em 2016 e arquivou as acusações contra a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (Abecitrus), as empresas Cutrale, Citrovita, Coinbra, Fischer, Cargill, Bascitrus e 10 pessoas físicas. Na ocasião, o Cade arquivou ainda, por falta de provas, a investigação contra as empresas Frutax Agrícola e Montecitrus e também contra 11 pessoas físicas.

A conclusão do Conselho durante o processo foi a de que houve formação de cartel entre 1999 e 2006 no setor, com combinação de preços para a compra da laranja e divisão de mercado. No acordo assinado, os investigados reconheceram a prática e se comprometeram a interromper práticas anticoncorrenciais, além de pagarem multas que, juntas, somaram mais de R$ 300 milhões na época.

“Essas pessoas tiveram perdas de enormes proporções, de bilhões de reais e não houve ressarcimento para esses produtores”, disse ao Broadcast Tom Goodhead, sócio do escritório de advocacia internacional PGMBM, que representa o grupo de autores, composto por 1.525 produtores de laranja brasileiros independentes, 22 pessoas jurídicas no negócio de cultivo de laranja e uma fundação de caridade, todos apontados como vítimas do cartel. Para ele, as multas foram uma penalidade administrativa às empresas e não tinham como objetivo compensar os produtores. Muitos deles, de acordo com o advogado, tiveram que se retirar do mercado por causa da grande verticalização do setor. “O impacto socioeconômico foi muito grande”, considerou.

Procurada, a Cutrale preferiu não se pronunciar. "A Cutrale agradece pelo e-mail e pela consulta, e informa que não comenta ações em andamento, portanto não tendo declarações a fazer neste momento", informou.

Outros casos 

Esta não é a primeira vez que o PGMBM tenta transferir casos do Brasil para o Reino Unido. Outro processo, que tem sido acompanhado de perto pelo Broadcast é o da tragédia de Mariana. O juiz avaliou que a Inglaterra não seria o local adequado para a ação - escolhida por ser sede da BHP, uma das controladoras da Samarco, que administrava a barragem -, mas o escritório recorreu ao Tribunal de Apelação e agora aguarda também uma resposta.

Na avaliação de Goodhead, a decisão da Justiça britânica sobre o caso da jurisdição do processo dos cítricos deve ser revelada em aproximadamente um mês. O escritório, que reúne parcerias de advogados do Brasil e da Inglaterra, entre outros países, também tem ações coletivas contra outras grandes empresas, como Braskem e Volkswagen (Broadcast, 22/6/21)