Inovação porá agronegócio em xeque – Por Ronaldo Lemos
Legenda: Nova versão do Impossible Burger 2.0, feito à base de plantas e que tem gosto e cheiro de carne bovina
Insumos que tornam o agro brasileiro competitivo podem se tornar irrelevantes.
Na semana passada teve panelaço em várias cidades do país para protestar contra a crise internacional gerada pelo visível aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia.
O agronegócio brasileiro —como era de esperar— foi rápido em se juntar ao coro de panelas. Uma política ambiental eficaz é requisito hoje para assegurar mercados globais para os produtos brasileiros.
Especialmente porque a possibilidade de sanções é real e a agropecuária brasileira corre o risco de boicote, o que abalaria um dos poucos setores em que o país é de fato competitivo.
No entanto, para além da destruição da Amazônia, o agronegócio deveria ampliar seu rol de preocupações. Pouca gente no país já notou, mas a agroindústria tornou-se a bola da vez em torno de pesquisa e desenvolvimento em inovação. É provável que todos os fundamentos que fazem um país ser competitivo no setor agrícola venham a ser abalados definitivamente nos próximos anos.
Estão surgindo modelos de produção de alimentos que prescindem de terras extensas, de clima adequado e até mesmo de sol e água abundantes.
Em outras palavras, os insumos que tornam os fundamentos do agronegócio brasileiro competitivo podem se tornar irrelevantes por causa do avanço tecnológico. E, quando isso acontecer, vamos chorar ainda mais a tolice de permitir que vastas áreas da Amazônia tenham sido derrubadas.
Para visualizar o terremoto de inovação agrária que vem por aí, basta analisar o crescente volume de capital de risco (venture capital) que está se direcionando ao setor.
Em 2010, os investimentos em AgTech (tecnologia agrícola) eram praticamente inexistentes. Nos anos seguintes a situação mudou, com um crescimento vertiginoso. Em 2017 e 2018, o volume de capital de risco empregado em AgTech ficou próximo de US$ 2 bilhões (R$ 8,2 bilhões). Há um verdadeiro boom de startups agropecuáriasprometendo revolucionar o setor.
Há apostas nos mais diversos modelos. Por exemplo, fazendas verticais cultivadas no perímetro urbano com iluminação artificial, revolucionando a ideia de "farm to table". Cultivos hidropônicos que reduzem drasticamente a quantidade de água e solo necessários para alcançar volumes significativos de produção.
Aplicação de tecnologia genética —como a técnica Crispr— para produzir novos tipos de cultivares mais eficientes. Inovação em produtos, que é um dos campos mais promissores, como a criação de carnes vegetais que equivalem em sabor ao original e até ovos veganos. Sem contar os experimentos de cultivo de proteína animal em laboratório, sem a necessidade de abate de animais.
É claro que empresários agrícolas tradicionais podem ler sobre isso e dizer que é "ficção científica" e que "nunca será possível substituir a tríade terra, água e sol". A história recente está cheia de previsões desse tipo.
Em 1995, o engenheiro Robert Metcalfe —um dos maiores especialistas em redes à época— disse que "a internet vai crescer como estrela supernova neste ano e em 1996 implodirá catastroficamente". O agro brasileiro hoje tem essa mesma confiança. Acha que está em berço esplêndido e que os fundamentos do seu sucesso são estáveis.
Se há uma lição que devemos aprender com o avanço tecnológico, é não tomar nenhuma vantagem competitiva como natural.
READER
Já era Achar que preservar a Amazônia é coisa de ecochato
Já é Agronegócio brasileiro como um dos mais competitivos do planeta
Já vem Competição dura com agricultura verde de outros países e as AgTechs (Ronaldo Lemos é advogado a diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; Folha de S.Paulo, 26/8/19)