31/07/2019

Interferência no Coaf pode dificultar entrada do Brasil na OCDE

Interferência no Coaf pode dificultar entrada do Brasil na OCDE

Para diplomata, decisão de Dias Toffoli pode ser vista como retrocesso no combate à lavagem de dinheiro.

A decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, de suspender investigações que usem dados detalhados dos órgãos de controle, como o Coaf, pode dificultar as negociações para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Foi o que afirmou o representante do Brasil junto à organização, o embaixador Carlos Márcio Cozendey, na manhã desta terça-feira (30).

O Brasil é um dos integrantes do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro), grupo criado há 30 anos por países-membros da OCDE e que reúne uma série de recomendações para o combate à lavagem de dinheiro. Para dar início ao processo de acessão à OCDE, o país deve se adequar às suas normativas.

Segundo Cozendey, há parâmetros que norteiam a atuação de órgãos como o Coaf ao redor do mundo. "Se isso for modificado, nós teremos dificuldades", disse a jornalistas no Rio de Janeiro, em evento sobre as perspectivas de entrada do país na OCDE.

 

O embaixador afirma que o Brasil já foi avaliado nas condições atuais e que está em conformidade com as recomendações da área. "Se houver mudança, o Gafi vai examinar e se manifestar e a gente vai saber se é um problema (...) Vai depender do que mudar."

Questionado se é interessante para as negociações que coordena que a atuação dos órgãos de controle permaneça como está, Cozendey respondeu: "Sem dúvida".

Neste mês, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL), Toffoli determinou a suspensão das investigações que usem este tipo de dados sem autorização judicial. A decisão tem potencial de afetar desde casos de corrupção e lavagem, como os da Lava Jato, até os de tráfico de drogas. A questão ainda será julgada pelos demais ministros do tribunal. 

Em junho, o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, colocou em mesa uma proposta relativa ao pacote de países que solicitaram a entrada na organização —entre eles, o Brasil. Os membros estão negociando as condições, mas não há previsão para uma resposta sobre a possibilidade de acessão dessas nações. 

Nesta fase, a discussão é, ainda, sobre quais países serão considerados candidatos. Depois do início do processo de acessão, são necessários de 3 a 5 anos, em média, para que um país passe a integrar a OCDE. Para isso, é preciso adequar-se aos seus 253 instrumentos.

 

O Brasil já se adequou a 77 dessas normativas —há dois anos eram apenas 37— e pediu para que mais 60 sejam reconhecidas. 

Questionado se a credibilidade do governo e mudanças na legislação relativa ao meio ambiente podem afetar as negociações, Cozendey respondeu que a entrada na OCDE é uma agenda central da atual administração. "A mensagem que recebo do governo é que o processo é central e organizador do conjunto de reformas", disse.

O embaixador afirmou que seu papel é alertar caso alguma mudança distancie o país das recomendações da OCDE.

Conhecida como "clube dos países ricos", a OCDE é formada por 36 membros, a maioria países desenvolvidos. A organização determina boas práticas de políticas públicas, necessárias para o ingresso no grupo.

Com o cargo oficial de delegado do Brasil junto a Organizações Internacionais Econômicas em Paris, entre elas a OCDE, Cozendey foi enviado à França há cerca de um ano e meio para tentar acelerar a possível entrada do Brasil no grupo.

Ao final de maio, o governo norte-americano manifestou apoio oficial ao ingresso do Brasil na OCDE, marcando uma mudança de posicionamento em relação aos últimos anos. O endosso veio após reunião entre os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, em março. 

Em troca do apoio norte-americano, Bolsonaro concordou que o Brasil abra mão do status de nação em desenvolvimento na OMC (Organização Mundial do Comércio), o que garantia tratamento diferenciado nas tratativas do organismo. Assim, o país passa a negociar em condições de igualdade com as nações mais ricas (Folha de S.Paulo, 31/7/19)