Interferência no Coaf pode dificultar entrada do Brasil na OCDE
Para diplomata, decisão de Dias Toffoli pode ser vista como retrocesso no combate à lavagem de dinheiro.
A decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, de suspender investigações que usem dados detalhados dos órgãos de controle, como o Coaf, pode dificultar as negociações para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Foi o que afirmou o representante do Brasil junto à organização, o embaixador Carlos Márcio Cozendey, na manhã desta terça-feira (30).
O Brasil é um dos integrantes do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro), grupo criado há 30 anos por países-membros da OCDE e que reúne uma série de recomendações para o combate à lavagem de dinheiro. Para dar início ao processo de acessão à OCDE, o país deve se adequar às suas normativas.
Segundo Cozendey, há parâmetros que norteiam a atuação de órgãos como o Coaf ao redor do mundo. "Se isso for modificado, nós teremos dificuldades", disse a jornalistas no Rio de Janeiro, em evento sobre as perspectivas de entrada do país na OCDE.
O embaixador afirma que o Brasil já foi avaliado nas condições atuais e que está em conformidade com as recomendações da área. "Se houver mudança, o Gafi vai examinar e se manifestar e a gente vai saber se é um problema (...) Vai depender do que mudar."
Questionado se é interessante para as negociações que coordena que a atuação dos órgãos de controle permaneça como está, Cozendey respondeu: "Sem dúvida".
Neste mês, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL), Toffoli determinou a suspensão das investigações que usem este tipo de dados sem autorização judicial. A decisão tem potencial de afetar desde casos de corrupção e lavagem, como os da Lava Jato, até os de tráfico de drogas. A questão ainda será julgada pelos demais ministros do tribunal.
Em junho, o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, colocou em mesa uma proposta relativa ao pacote de países que solicitaram a entrada na organização —entre eles, o Brasil. Os membros estão negociando as condições, mas não há previsão para uma resposta sobre a possibilidade de acessão dessas nações.
Nesta fase, a discussão é, ainda, sobre quais países serão considerados candidatos. Depois do início do processo de acessão, são necessários de 3 a 5 anos, em média, para que um país passe a integrar a OCDE. Para isso, é preciso adequar-se aos seus 253 instrumentos.
O Brasil já se adequou a 77 dessas normativas —há dois anos eram apenas 37— e pediu para que mais 60 sejam reconhecidas.
Questionado se a credibilidade do governo e mudanças na legislação relativa ao meio ambiente podem afetar as negociações, Cozendey respondeu que a entrada na OCDE é uma agenda central da atual administração. "A mensagem que recebo do governo é que o processo é central e organizador do conjunto de reformas", disse.
O embaixador afirmou que seu papel é alertar caso alguma mudança distancie o país das recomendações da OCDE.
Conhecida como "clube dos países ricos", a OCDE é formada por 36 membros, a maioria países desenvolvidos. A organização determina boas práticas de políticas públicas, necessárias para o ingresso no grupo.
Com o cargo oficial de delegado do Brasil junto a Organizações Internacionais Econômicas em Paris, entre elas a OCDE, Cozendey foi enviado à França há cerca de um ano e meio para tentar acelerar a possível entrada do Brasil no grupo.
Ao final de maio, o governo norte-americano manifestou apoio oficial ao ingresso do Brasil na OCDE, marcando uma mudança de posicionamento em relação aos últimos anos. O endosso veio após reunião entre os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, em março.
Em troca do apoio norte-americano, Bolsonaro concordou que o Brasil abra mão do status de nação em desenvolvimento na OMC (Organização Mundial do Comércio), o que garantia tratamento diferenciado nas tratativas do organismo. Assim, o país passa a negociar em condições de igualdade com as nações mais ricas (Folha de S.Paulo, 31/7/19)