25/09/2024

Itaú devolve ações da Eldorado Celulose; disputa tem renúncias de árbitros

Itaú devolve ações da Eldorado Celulose; disputa tem renúncias de árbitros

Fábrica da Eldorado em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul); controle é disputado entre J&F e Paper Excellence - Divulgação

 

Decisão era pedida pela empresa dos irmãos Batista na briga com a companhia indonésia, que vê pressão sobre banco.

No meio do cabo de guerra entre J&F Investimentos, pertencente aos irmãos Joesley e Wesley Batista, e Paper Excellence, do indonésio Jackson Wijaya, o Itaú se livrou de participação na mais rumorosa disputa acionária do país nos últimos anos.

Em 14 de setembro, um sábado, o banco devolveu à Eldorado Celulose o livro de ações do qual tinha custódia.

A instituição financeira estava com o livro e com os R$ 8,9 bilhões depositados no fundo de investimento Manoa Excellence para a conclusão da venda da empresa pela J&F a Paper Excellence, iniciada em 2017.

A J&F pressionava há meses para que o Itaú fizesse a devolução, mas a decisão é contestada pela Paper, que vê pressão e ameaças feitas pela rival aos dirigentes do banco.

Em manifestação enviada à Câmara Internacional de Arbitragem e às companhias, o Itaú informou que não seria mais depositário das ações. O órgão de mediação, estabelecido para resolver a disputa, havia solicitado que o banco não tomasse decisões irreversíveis, em um sinal que não deveria devolver o livro e esperar a escolha de outro local de custódia.

A instituição respondeu ao presidente da arbitragem, o espanhol Juan Fernandez-Armesto, que o órgão não tem autoridade para interferir na decisão.

Para o Itaú, J&F e a Eldorado, o despacho do desembargador Rogério Favreto, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª região) suspendeu "o procedimento arbitral e os instrumentos correlatos, bem como de atos administrativos de transferência da gestão para empresa controlada de capital estrangeiro."

Em 11 de abril deste ano, o Itaú já havia questionado Favreto sobre a devolução ou não do livro de ações à Eldorado. O desembargador nunca respondeu.

A Paper alega que se trata de um erro porque a suspensão da arbitragem consta apenas na ementa do acórdão por um equívoco do tribunal, não na decisão completa do TRF-4. A empresa pretende apresentar embargos de declaração sobre o assunto. Para seus advogados, o ato do Itaú é resultado de pressão da J&F.

 

A companhia também alega que a devolução das ações aconteceu antes do prazo de 60 dias determinado pela arbitragem para que fosse encontrado outro banco de custódia. O limite seria em 16 de setembro.

"Cumprimos integralmente nossas obrigações, inclusive aguardando rigorosamente o prazo previsto contratualmente para se desvincular e, consequentemente, dos riscos a ele associados. Se as partes não contrataram sucessor para o Itaú Unibanco até agora, dia do vencimento do prazo [13 de setembro de 2024], por certo não conseguirão fazer no final de semana que se avizinha", escreveu o banco.

A troca de custódia teria de acontecer com a concordância de todos os envolvidos, o que para o Itaú parecia impossível. A conclusão do banco foi que o melhor era se livrar de um caso tão rumoroso.

Relatos de ameaças de ações penais por crimes de desobediência, prevaricação e abuso de autoridade fizeram com que dois dos três árbitros designados para a arbitragem da venda da Eldorado Celulose renunciassem na última segunda-feira (23).

Foram duas novas mudanças na composição de uma arbitragem que é contestada pela J&F .

"O que pode e deve fazer um árbitro que se vê confrontado com uma ameaça direta, grave e plausível de uma das partes e dos seus advogados? Nestas circunstâncias, creio que a única saída digna que lhe resta ao árbitro ameaçado é apresentar a sua renúncia", escreveu Juan Fernández-Armesto, em sua carta de renúncia.

"Os fatos ocorridos recentemente, relatados na carta de renúncia do Presidente do Tribunal Arbitral, com ameaças diretas, graves e plausíveis dirigidas ao Tribunal Arbitral, de recurso a ações penais que considero destituídas de fundamento, perante decisões arbitrais que sempre declararam expressamente pretender respeitar as decisões do poder judiciário brasileiro, fossem estas em que sentido fossem, obrigam-me, porém, a reponderar a permanência como árbitro neste procedimento", concordou o português Paulo Mota Pinto.

 

As participações dos dois já eram contestadas há tempos pela J&F, sob argumento de que tinham ligações com advogados ligados ao processo pelo lado da Paper (Fernández-Armesto) ou é político em seu país de origem (Mota Pinto).

O acordo para a Paper comprar da J&F a Eldorado Celulose por R$ 15 bilhões foi fechado em setembro de 2017. Após resolver pendências da empresa com fundos de pensão, estatais e fazer parte do pagamento pela compra, a companhia estrangeira ficou com 49,41% das ações. Tinha um ano para liberar as garantias dadas pelos Batista em dívidas da Eldorado e ficar com os 50,59% restantes.

Aí começou a briga. A J&F alega que a rival não cumpriu o combinado e perdeu o prazo para liberar as garantias. Para a Paper, a holding não colaborou com as negociações (quebrando regra do contrato) e deliberadamente trabalhou para atrapalhar a concretização do negócio. O caso foi à Justiça, com acusações de extorsão, roubo de emails e hackeamento de servidores.

Na arbitragem, estabelecida para dirimir as dúvidas, a Paper venceu por 3 a 0. A J&F entrou com ação pedindo a anulação do expediente porque considerou o processo viciado. Alega ter sido vítima de espionagem industrial e que um dos árbitros (que também renunciou ao processo) não havia declarado ter dividido escritório com um dos advogados da empresa indonésia.

Por decisão da arbitragem, o livro com as 50,59% das ações da Eldorado ficou com o Itaú, que também recebeu o dinheiro depositado pela Paper para finalizar a transação.

O simples contrato de compra e venda da Eldorado se tornou o foco principal de uma teia de processos paralelos em uma briga quase pessoal entre os Batista e Wijaya. Os brasileiros não aceitam perder uma briga acionária dentro do país. O indonésio costuma dizer poder esperar e não se preocupar com o dinheiro.

As duas empresas iniciaram brigas que envolvem, além da arbitragem, inquéritos criminais, condenações por litigância de má-fé, processos de difamação, múltiplos pedidos de suspensões ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), liminares e reaberturas, ações populares, pareceres do Incra e questionamentos a respeito de terras.

O último encontro entre as duas partes aconteceu em Frankfurt, em novembro do ano passado. Wijaya não aceitou a única proposta que o adversário colocou sobre a mesa: pegar de volta os R$ 3,8 bilhões que pagou em 2017, devolver à J&F os 49,41% das ações que hoje são da Paper e seguir a vida.

No último trimestre de 2023, a Eldorado teve lucro líquido de R$ 444 milhões

Em nota, a Paper considera o episódio lamentável e diz que a J&F se valeu de ameaças criminais contra os árbitros para forçar as renúncias. Também acusa a rival de recorrer a "toda espécie de artifícios processuais protelatórios e enganosos para adiar uma inevitável derrota. Essas ações não apenas põem em xeque o devido processo legal, como também prejudicam a imagem do Brasil no exterior e abalam a confiança dos investidores no País."

A J&F afirma que renúncia de Fernandez-Armesto aconteceu por ele ter compreendido "a ilegalidade dos atos que praticou e as suas potenciais consequências jurídicas."

"Os esforços do Sr. Fernandez-Armesto para atender os interesses da Paper Excellence se assemelham mais ao exercício de uma "cláusula mandato" do que a uma "cláusula arbitral". Não surpreende que ele renuncie após ser obrigado a respeitar a suspensão do procedimento arbitral, quando não mais poderá atender aos pedidos da Paper Excellence", diz a empresa.

O Itaú afirma não poder comentar a respeito do assunto porque o contrato, o processo e a arbitragem são sigilosos.

LEIA ABAIXO AS NOTAS COMPLETAS DAS COMPANHIAS

Resposta da Paper Excellence:

"Em mais um lamentável episódio, a J&F valeu-se de ameaças criminais contra alguns dos árbitros mais reconhecidos mundialmente, forçando a renúncia desses profissionais qualificados e que atuam nas principais disputas empresariais.

Anteriormente, outros dois árbitros, inclusive o que foi indicado pela própria J&F, também renunciaram após terem as reputações atacadas sem nenhum fundamento real. Isso só confirma que os irmãos Batista desprezam os contratos e as decisões contrárias, agindo sem a devida seriedade e ética nas relações comerciais.

Desde 2017, a Paper Excellence tem se empenhado para resolver a disputa comercial pelo controle da Eldorado Celulose de forma transparente, com total respeito às leis e à justiça brasileira. Durante esse período, a companhia obteve vitórias incontestáveis e fundamentadas no mérito, tanto na arbitragem quanto em outras instâncias judiciais.

A ação judicial da J&F no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para anular a arbitragem foi negada na primeira instância. Na segunda instância, a Paper Excellence já teve dois votos favoráveis proferidos pelos desembargadores Franco de Godoi e Alexandre Lazzarini, com expressa menção à litigância de má-fé dos irmãos Batista que não aceitam as sucessivas derrotas. O processo só não foi concluído até agora porque aguarda decisão da relatora do caso no Superior Tribunal de Justiça, Ministra Nancy Andrighi, que analisa o efeito suspensivo de mais um recurso da J&F, que tenta impedir a finalização do julgamento no TJSP. Além disso, ainda está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), um recurso contra decisão liminar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4). O caso está sob a relatoria do Ministro Nunes Marques.

Ciente de que não tem qualquer chance de vencer legalmente a disputa, a J&F recorre a toda espécie de artifícios processuais protelatórios e enganosos para adiar uma inevitável derrota. Essas ações não apenas põem em xeque o devido processo legal, como também prejudicam a imagem do Brasil no exterior e abalam a confiança dos investidores no País.

A Paper Excellence permanece comprometida com a legalidade, transparência e com o fortalecimento do setor de celulose no Brasil. Seguimos confiantes de que a verdade vai prevalecer e as instituições nacionais seguirão garantindo um ambiente de segurança jurídica e previsibilidade que reforçam a seriedade que o País precisa."

Resposta da J&F:

"Em mais de 70 anos de história e atuando em mais de 190 países, a J&F Investimentos sempre respeitou e fez uso do sistema arbitral. A J&F nunca havia se deparado com as graves ilegalidades cometidas em um procedimento específico, relativo à Eldorado Brasil Celulose.

A mais recente dessas ilegalidades foi o desrespeito sistemático do Tribunal Arbitral a ordens da Justiça brasileira, sempre atendendo a pedidos da Paper Excellence (CA Investment).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou, em decisão na última quinta-feira (19), que o presidente do Tribunal Arbitral, Sr. Juan Fernandez-Armesto, "contrariou e desafiou" determinações unânimes da Segunda Instância da Justiça brasileira. Mesmo tendo sido oficiado desde abril, ele seguiu proferindo decisões e ordens processuais classificadas pelo TRF-4 como "estranhas e indevidas", em um procedimento arbitral suspenso por aquela corte. Restou comprovado, portanto, que a conduta do Sr. Fernandez-Armesto efetivamente configura os crimes de desobediência, prevaricação e abuso de autoridade.

A renúncia do Sr. Fernandez-Armesto ocorre logo após a nova decisão do Tribunal Regional Federal, confirmando que ele compreende a ilegalidade dos atos que praticou e as suas potenciais consequências jurídicas. Portanto, o motivo da renúncia não é uma suposta ameaça de ações criminais por parte da J&F, mas sim o risco real de condenação por crimes, sendo a carta de renúncia uma verdadeira confissão de parcialidade. O mesmo vale para a renúncia do co-árbitro Paulo Mota Pinto, que nunca poderia ter ocupado o cargo de árbitro enquanto possui atividade política em Portugal, tendo inclusive acumulado a função com a de deputado eleito em Portugal.

Nos últimos meses, a parcialidade do Sr. Fernandez-Armesto se confirmou não apenas na desobediência a uma ordem judicial, mas também em seus esforços para atender os pedidos da Paper Excellence. Tornou-se comum que o então presidente do Tribunal Arbitral desse prazos exíguos e absolutamente atípicos, contados em horas, para que a J&F se manifestasse sobre as demandas de sua contraparte.

O Sr. Fernandez-Armesto chegou a emitir decisão em nome do Tribunal Arbitral às 6h da manhã do Brasil, após a J&F ter se manifestado às 22h do dia anterior, sendo difícil crer que ele tivesse conseguido analisar a causa e ratificar sua decisão com os co-árbitros em diferentes fuso-horários durante a madrugada do Brasil.

Em atitude igualmente atípica ao sistema arbitral, o Sr. Fernandez-Armesto exarou decisão intentando jurisdicionar um terceiro estranho ao procedimento arbitral, inclusive com a ameaça de aplicação de multa diária milionária. Importante ressaltar que todos esses atos, a título de exemplo, ocorreram ilegalmente durante a suspensão em vigor do procedimento arbitral.

Os esforços do Sr. Fernandez-Armesto para atender os interesses da Paper Excellence se assemelham mais ao exercício de uma "cláusula mandato" do que a uma "cláusula arbitral". Não surpreende que ele renuncie após ser obrigado a respeitar a suspensão do procedimento arbitral, quando não mais poderá atender aos pedidos da Paper Excellence." (Folha, 25/9/24)