16/05/2025

Janja mina o debate sério e importante sobre a regulação das redes

Janja mina o debate sério e importante sobre a regulação das redes

Episódio na China escancara que Janja (centro) não quer uma regulação séria e democrática das redes sociais. Ela demonstra querer uma intervenção seletiva, a serviço de seu campo político. Foto: Ricardo Stuckert

 

Por Sergio Denicoli

 

Brasil precisa de uma legislação que enfrente os crimes digitais com firmeza, sem servir de instrumento de disputa ideológica. O que está em jogo não é a hegemonia de um grupo, mas a saúde do debate público e a segurança de milhões de cidadãos

 

Os extremos brasileiros têm um vício que prejudica muito o País, que é a tentativa constante de controlar tudo sob a sua própria ótica. Trata-se de algo muito inerente à política feita hoje, que há muito deixou de ser um eixo de debate sobre o futuro e o presente, para se tornar uma arena resumida à mediocridade vazia da disputa de poder.

As redes sociais permitiram que essa lógica de guerra, que visa apenas controlar o jogo, avançasse sobre os cidadãos comuns. As pessoas se organizaram em torcidas, que ficam reverberando as maiores atrocidades, se elas forem proferidas pelos ídolos que escolhem.

 

A boa notícia é que essa fórmula está cansando. Quem tem que lidar com os problemas reais da vida entende que, para exercer um cargo político, um candidato deve focar na resolução de problemas, na inovação, na qualidade de vida de todos. É um grupo hoje majoritário, mais moderado, que é pejorativamente chamado, pelas claques apaixonadas da esquerda e da direita, de “isentões”.

 

Certamente, quem é isento é também vacinado contra a demagogia ideológica e entende a necessidade de se criar uma legislação específica para as redes sociais. Alguns apaixonados dirão que não faltam leis no Brasil, que é preciso apenas aplicá-las. Mas a realidade é que, no ambiente digital, há muitas nuances que importam, mas que realmente não se encaixam no cardápio oferecido pelos códigos legais.

 

As redes se recusam muitas vezes a entregar à Justiça as informações solicitadas sobre determinados usuários suspeitos ou até acusados de cometer crimes. Além disso, na internet grupos atuam livremente na conjecturação de atrocidades, como atentados a escolas, assédio, estupro virtual, chantagem, extorsão, comércio de produtos ilegais, etc.

 

É profundamente necessário haver ações prévias para evitar o pior. A tecnologia hoje permite às redes, com facilidade, identificar comportamentos criminosos. Mas elas dificultam. Dizem que colaboram, mas a contribuição é mínima e não há meios legais de enquadrá-las adequadamente.

 

Portanto, é necessário que a sociedade discuta como isso deve ser feito. Cabe ao Congresso criar as leis, a partir de propostas dos próprios parlamentares, dos governos, de entidades, etc. Enquanto isso não acontece, o STF segue criando suas jurisprudências.

 

É uma situação cômoda, que mostra que a política não parece preocupada com as pessoas. Está, sim, preocupada com a dominância narrativa. O episódio ocorrido na China, onde a primeira-dama Janja da Silva teria se queixado ao presidente Ji Jinping sobre o avanço da extrema-direita no TikTok e pedido interferência, é vergonhoso. Lula tentou corrigir a lambança, focando na proteção às crianças, mas o caso deixou claro que a preocupação maior é a perda de espaço político para grupos adversários.

 

O episódio escancara que Janja não quer uma regulação séria e democrática das redes. Ela demonstra querer uma intervenção seletiva, a serviço de seu campo político. Ao mesmo tempo, parte da direita finge que a anarquia digital é liberdade e não se mostra de fato preocupada com tantas vítimas, muitas vezes fatais.

 

Com raras exceções, conservadores mais destacados, cômodos na posição de controle momentâneo mais amplo das narrativas nessas plataformas, fazem vista grossa ao que está acontecendo e, a qualquer tentativa de se jogar luz a um ambiente onde impera a anarquia, gritam que se trata de censura. Mentira. Regular é organizar, criar regras, e não censurar.

 

Nenhum dos lados propõe uma solução real para proteger a sociedade. O Brasil precisa de uma legislação que enfrente os crimes digitais com firmeza, sem servir de instrumento de disputa ideológica. O que está em jogo não é a hegemonia de um grupo, mas a saúde do debate público e a segurança de milhões de cidadãos. Uma responsabilidade que muitos políticos esqueceram, para focar apenas em seus próprios interesses tacanhos (Estadão, 16/5/25)