J&F e Paper Excellence chegam a acordo para guerra pela Eldorado Celulose

Fábrica da Eldorado em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul) - Divulgação
Após batalha judicial que se arrasta desde 2018, holding dos irmãos Batista deve recomprar parte do negócio; transação ainda não foi efetivada.
Sinalizando o fim de uma longa disputa empresarial que se arrasta desde 2018, a J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, fechou acordo para recomprar a parte da Paper Excellence, do empresário indonésio de ascendência chinesa Jackson Wijaya, na Eldorado Celulose. O próximo passo é efetivar a transação até o fim desta semana. A informação foi adiantada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.
Segundo pessoas que acompanham as discussões, o acordo foi negociado entre advogados, sem um novo encontro dos acionistas. Os intermediários de Wijaya conseguiram fechar o valor considerado adequado para o empresário. Segundo a Folha apurou, serão cerca de US$ 2,7 bilhões (R$ 15,2 bilhões).
Especialistas do mercado dizem que, considerando os indicadores da Eldorado, o montante equivale a um múltiplo de dez vezes o Ebitda (sigla em inglês para Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização, um indicador que mede a geração de caixa).
Pessoas próximas à negociação contam que o empresário asiático segue avaliando aquisições no setor. Apesar do imbróglio no Brasil, o país permanece no radar.
Procuradas, as empresas não se pronunciaram.
Durante esses sete anos, a disputa entre J&F e Paper Excellence pelo controle acionário da Eldorado Celulose se tornou uma teia de aranha de ações judiciais.
A venda da Eldorado foi fechada em setembro de 2017. O negócio foi anunciado, na época, por R$ 15 bilhões, incluindo dívidas.
Na primeira fase, o braço brasileiro do conglomerado de Jackson Wijaya comprou 49,41% das ações da Eldorado e pagou R$ 3,9 bilhões, cerca de US$ 1,24 bilhão na época. O restante foi depositado numa conta judicial para ser utilizado ao final da transação, que nunca ocorreu.
Um ano depois, a transação começava a saga judicial, sem que as partes se entendessem sobre a transferência da parcela restante. O contrato de venda obrigava a Paper Excellence a renegociar as dívidas da Eldorado com os bancos, o que liberaria as garantias oferecidas pelos Batistas pelo negócio.
Havia um prazo para que a alavancagem fosse resolvida. Segundo o contrato de compra e venda, se até o dia 3 de setembro de 2018 a questão não estivesse solucionada, a Paper Excellece ficaria como minoritária na Eldorado.
Nesse intervalo, mudanças do câmbio e do preço da celulose melhoraram o valor patrimonial da Eldorado, e a Paper Excellence afirmou que os Batistas passaram a dificultar a quitação das dívidas, agir de má-fé e não cooperar para liberar as garantias previstas em contrato.
Em 2018, a Paper Excellence foi à Justiça pedir uma liminar para a conclusão da compra da Eldorado até a 3 de setembro daquele ano, data que marcava a validade do acordo assinado com a J&F.
Posteriormente, a Justiça acatou apenas parcialmente uma liminar solicitada pela Paper Excellence, negando o pedido da empresa para prorrogar o contrato entre os dois sócios, que obrigava a J&F a vender sua participação. O contrato expirou, e o caso foi para a arbitragem.
A Paper Excellence ganhou a arbitragem por três votos a zero. O imbróglio, no entanto, perdurou.
Neste ano, em janeiro, a Paper Excellence entrou com pedido de arbitragem na CCI (Câmara de Comércio Internacional) em Paris para receber US$ 3 bilhões de indenização (R$ 18,4 bilhões, na cotação atual).
Em março, o TJ-SP decidiu que a briga pelo controle da Eldorado Celulose deveria voltar à 1ª instância. O Grupo Especial da Seção de Direito Privado do tribunal anulou a sentença da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem que havia determinado a transferência das ações da Eldorado em posse da J&F para a Paper Excellence.
A briga entre a J&F e a Paper Excellence também gerou uma discussão sobre a posse de terras por empresas estrangeiras.
Depois de ganhar na arbitragem, a Paper passou a ser questionada sobre esse tema. A empresa é brasileira, mas controlada por um empresário indonésio de ascendência chinesa.
A legislação nacional determina que estrangeiros precisam submeter projetos em áreas rurais ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e, em caso de extensões maiores e na fronteira, ao Congresso Nacional.
Em julho de 2023, o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) aceitou recurso para suspender a aquisição de imóveis rurais no território brasileiro pela Eldorado e pela Paper Excellence até que as empresas apresentassem autorizações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do Congresso Nacional.
No ano passado, o diretor-presidente da Paper Excellence, Cláudio Cotrim, disse à Folha não ter interesse na posse de terras. O executivo afirmou que a Paper decidiu firmar um compromisso de que, com o controle da Eldorado, se desfaria dos cerca de 14 mil hectares de posse da empresa.
A disputa entre Paper e J&F também teve contornos políticos.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), na época ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo, chegou a comemorar uma decisão do MPF (Ministério Público Federal) favorável à J&F.
Do outro lado, pessoas da J&F falam em influência de outros políticos.
Na semana passada, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, contratado pela Paper Excellence, chegou a gravar um vídeo em que acusava a advogada e hoje influenciadora digital Gabriela Prioli de espalhar fake news para, supostamente, favorecer a J&F, holding dos irmãos Batista.
Veja a linha do tempo do imbróglio entre J&F e Paper Excellence
Set.17: J&F, holding que reúne os negócios de Joesley e Wesley Batista, conclui a primeira etapa da venda da fabricante de celulose Eldorado para a Paper Excellence, que pertence a família Widijaja; o restante do negócio seria finalizado em até 12 meses; a Eldorado havia sido avaliada, na época, em R$ 15 bilhões, incluindo uma dívida de R$ 7,4 bilhões
Jun.18: China Development Bank, que financiaria compra do restante da Eldorado pelos Widijaja, desiste do negócio e azeda relação entre J&F e Paper Excellence
Ago.18: Paper Excellence entra na Justiça contra a J&F, pedindo uma liminar para concluir a compra da fabricante de celulose até 3 de setembro de 2018, quando expirou o contrato assinado entre as duas partes.
Set.18: Justiça defere apenas parcialmente a liminar solicitada pela Paper Excellence, negando o pedido da empresa para prorrogar o contrato entre os dois sócios, que obrigava a J&F a vender sua participação; negócio é suspenso temporariamente, e briga se arrasta para arbitragem
Abr.19: Em entrevista à Folha, Claudio Cotrim, diretor-presidente da Paper Excellence no Brasil, acusa a família Batista de ter solicitado R$ 6 bilhões a mais do que teria direito em contrato para finalizar a venda da Eldorado
Jul.19: O deputado federal Eduardo Bolsonaro (até então no PSL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), publica em rede social foto ao lado de Jackson Widjaja, dono da Paper Excellence, segurando um "checão" simbólico de R$ 31 bilhões; o valor se refere ao investimento que a Paper Excellence pretendia fazer na aquisição da fábrica de celulose da Eldorado, em Três Lagoas (MS)
Mai.20: Justiça condena a J&F por litigância de má-fé em processo que própria a holding moveu contra Claudio Cotrim, depois das declarações feitas pelo diretor-presidente da Paper Excellence no Brasil em entrevista à Folha. A holding controlada pela família Batista pediu no processo que Cotrim fosse condenado a pagar indenização por danos morais de R$ 300 mil à empresa. O juiz não viu sentido na acusação
Fev.21: Paper Excellence ganha por três a zero a arbitragem contra a J&F que definia o caso da venda da Eldorado
Mar.21: Justiça de São Paulo suspende transferência do controle da Eldorado, depois de a J&F recorrer à 2ª Vara Empresarial de Conflitos Relacionados à Arbitragem e pedir a anulação do processo alegando parcialidade do árbitro Anderson Schreiber, escolhido pela Paper
Jul.21: Justiça de São Paulo suspende decisão liminar e libera processo de transferência da Eldorado Papel e Celulose para a Paper Excellence
Jul.21: J&F consegue nova decisão judicial, e transferência do controle da Eldorado para Paper Excellence é suspensa mais uma vez
Jul.22: Juíza Renata Mota Maciel concede decisão favorável à Paper Excellence e determina que a empresa assuma o controle da Eldorado
Jul.23: TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) aceita recurso para suspender a aquisição de imóveis rurais no território brasileiro pela Eldorado e pela Paper Excellence até que as empresas apresentem autorizações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do Congresso Nacional
Nov.24: Em sua primeira entrevista em cinco anos sobre a disputa com a J&F, dos irmãos Batista, pela Eldorado Celulose, o diretor-presidente da Paper Excellence, Cláudio Cotrim, disse à Folha não ter interesse na posse de terras. O executivo disse que a Paper decidiu firmar um compromisso de que, com o controle da Eldorado, se desfaria dos cerca de 14 mil hectares de posse da empresa
Jan.25: Paper Excellence entra com pedido de arbitragem na CCI (Câmara de Comércio Internacional) em Paris para receber US$ 3 bilhões de indenização da J&F
Mar.25: TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decide que briga pelo controle da Eldorado deve voltar à 1ª instância. Grupo Especial da Seção de Direito Privado do tribunal anulou a sentença da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem que havia determinado a transferência das ações da Eldorado em posse da J&F para a Paper Excellence
Mai.25: J&F chega a acordo para recomprar a parte da Paper Excellence na Eldorado Celulose (Folha, 15/5/25)