22/04/2025

Julgando a Justiça - Por Hélio Schwartsman

Julgando a Justiça - Por Hélio Schwartsman

IMAGEM JUSTIÇA SOBRE BANDEIRA DO BRASIL Imagem Reprodução Blog ANCAP.SU

 

Na mesma semana, Brasil dá asilo a condenada por corrupção no Peru e vê Espanha negar extradição de bolsonarista.


A culpa é da Constituição. A contradição em potência dorme lá, no artigo 4º, que enumera os princípios pelos quais o Brasil se rege em suas relações internacionais. Os incisos III e IV mencionam a autodeterminação dos povos e a não intervenção, mas o X estampa a concessão de asilo político.

 

Inconsistências emergem porque a decisão de dar asilo envolve sempre um juízo qualitativo sobre as instituições do outro país, o que pode ser entendido como uma violação à sua soberania e uma interferência em seu sistema político-judicial.

 

Nos últimos dias, assistimos a dois exemplos dessa tensão. O governo Lula concedeu asilo a Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru, horas depois de ela ser condenada a 15 anos de prisão. Heredia é mulher do ex-presidente Ollanta Humala, um aliado de Lula que também foi condenado aos mesmos 15 anos por corrupção e já está preso. É um caso ligado à Odebrecht.

 

Ao conceder o asilo, o recado que o governo Lula, justa ou injustamente, dá a Lima é que não considera seu Judiciário digno de crédito, de modo que permitirá que a ré se furte à aplicação da lei.

 

Como que a dar materialidade ao dito popular segundo o qual pau que bate em Chico também bate em Francisco, o Judiciário espanhol negou a extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio. A extradição fora pedida por Alexandre de Moraes, do STF. Eustáquio é investigado por crimes contra a democracia.

 

Justa ou injustamente, a Justiça espanhola julgou a brasileira e viu problemas. Para os espanhóis, o caso de Eustáquio tem forte dimensão política e o investigado poderia ter sua situação prejudicada devido a suas opiniões, razão pela qual negaram a extradição.

 

Não vejo muito como fugir a esse esquema. Na hora de conceder asilo ou mesmo interpretar notícias, é inevitável fazer juízos sobre os sistemas de Justiça. E não dá para pôr em pé de igualdade o Judiciário na Noruega e o de Putin. Mas nosso STF deve ter ficado surpreso ao constatar que não é visto lá fora como gostaria (Folha, 18/4/25)