22/11/2017

Justiça declara nula a dispensa em massa da Usina Tamoio, em Araraquara

Justiça declara nula a dispensa em massa da Usina Tamoio, em Araraquara

Decisão cabe recurso; Sindicatos ligados devem propor um acordo com a empresa.


A 2ª Vara do Trabalho de Araraquara deferiu liminar favorável ao Ministério Público do Trabalho, declarando a nulidade das dispensas coletivas dos empregados vinculados à unidade Tamoio da Raízen Energia S/A, em Araraquara, e que a empresa não as realize sem prévia negociação com os sindicatos que representam os trabalhadores. A reintegração dos empregados – mesmo que somente no papel - deve acontecer em até cinco dias (contados a partir da notificação da Raízen), com a continuidade de percepção de salários pelos trabalhadores até a conclusão da negociação coletiva com as entidades, sob pena de multa diária de R$ 10 mil por trabalhador atingido. 

Em nota, a Raízen informa que foi notificada sobre a decisão da Justiça e esclarece que tomará todas as medidas judiciais cabíveis. Na prática, caso a ação não seja também derrubada em instância superior, a empresa precisará rever as demissões. Isso, no entanto, segundo a assessoria de imprensa do MPT, não significa a manutenção dos empregos. A medida pode gerar outro tipo de compensação, entre elas, o pagamento de salários adicionais, cestas básicas ou manutenção dos planos de saúde por determinado período. O Sindicato da categoria também estuda como agir daqui para frente. 

"Esclarecemos ainda que todos os direitos trabalhistas foram cumpridos, sendo oferecidos inclusive benefícios que vão além do que prevê a legislação, como pacote de benefícios e extensão dos planos de saúde. A empresa reforça que sempre atua com base nos princípios de respeito às pessoas e na valorização de seus trabalhadores", diz a empresa, em nota enviada ao ACidadeON.

"A suspensão temporária das atividades da unidade produtora Tamoio, em Araraquara/SP, foi uma decisão de negócio atrelada a menor disponibilidade de cana-de-açúcar na região e otimização logística e de produção. A cana-de-açúcar destinada à unidade Tamoio será redirecionada a outras unidades da empresa, não havendo redução da moagem total do Grupo Raízen. A operação agrícola própria e dos fornecedores de cana da Raízen não será impactada”, completa a empresa. 

O Ministério Público do Trabalho ingressou com ação civil pública provocado pela dispensa em massa de 250 trabalhadores da Usina Tamoio. No dia 13 de novembro de 2017, um dia útil após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/17 (reforma trabalhista), a Raízen suspendeu as atividades daquela unidade produtiva e efetuou a dispensa de todos os empregados da planta sem que houvesse uma negociação prévia com os sindicatos profissionais, ou sequer a tentativa de manter os empregos, gerando grande impacto social. A empresa também noticiou o fechamento da unidade Dois Córregos, localizada em município de mesmo nome.

Em nota à imprensa, a Raízen justificou o fechamento das unidades com base num “cenário de menor disponibilidade de cana-de-açúcar nestas regiões e otimização logística e de produção”, impondo um prazo de 2 anos para reabrir as plantas. 
Na petição inicial, o procurador Rafael de Araújo Gomes juntou documentos que demonstram que, em setembro de 2017, a Raízen fez a aquisição das usinas Santa Cândida, em Bocaina (distante 60 km de Araraquara) e Paraíso, localizada em Brotas (a pouco mais de 40 km de distância de Dois Córregos), adquiridas do Grupo Tonon. Para Gomes, a empresa optou por redirecionar seus investimentos para as usinas recém-adquiridas, culminando no fechamento daquelas altamente produtivas. “Fica-se com a suspeita de que a empresa não adquiriu as duas novas usinas para alavancar sua capacidade de produção, ou a eficiência de seu processo produtivo. A produção terá o incremento de duas usinas, mas o simultâneo decréscimo de outras duas. Quer parecer que a principal intenção foi evitar que as usinas caíssem nas mãos de empresas concorrentes, garantindo o acesso à Raízen de cana adicional na região”, observa.

“A ação não repele a possibilidade da empresa suspender as atividades em determinadas fábricas, ao mesmo tempo em que outras na mesma região geográfica são preservadas. Não se questiona, sequer, a decisão da empresa demitir ou não os trabalhadores. Questiona-se, isto sim, a forma escolhida pela empresa para realizar tais demissões em massa, sem qualquer preocupação com o impacto social negativo das medidas sobre as comunidades envolvidas, e sem buscar, em momento algum, a discussão e negociação com os sindicatos, a fim de serem estudadas alternativas menos gravosas aos trabalhadores. Não houve qualquer preocupação em se atenuar o impacto do súbito e inesperado desaparecimento de centenas de empregos nas duas cidades”, explica Gomes.

Na sua decisão, o juiz Carlos Alberto Frigieri justificou seu entendimento contrário ao artigo 477-A, contido na Lei nº 13.467/17. “(...) É certo que ao magistrado brasileiro, em geral, na aplicação de qualquer norma jurídica, incumbe a verificação da sua compatibilidade e adequação à lei maior, que rege todo o ordenamento jurídico, embora esse direcionamento excepcional não sirva para declarar a invalidade de uma norma, o que só pode ser feito na forma do controle concentrado de constitucionalidade. 

Desta forma, não há dúvida para este magistrado de que há inconstitucionalidade e não convencionalidade em vários itens da Lei 13.467/2017, de 11/11/2017, em especial do art. 477-A, que viola as regras contidas no art. 1º, incisos III, IV, nos arts. 6º, 7º inciso I e XXVI, no art. 8º, incisos III e VI, nos arts. 170 e respectivos incisos III e VIII e 193 da CF além violar tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que tem a mesma hierarquia de Emendas Constitucionais, tais como art. 4º da Convenção nº 98 da OIT, art. 5º da Convenção nº 154 da OIT e art. 13 da Convenção 158, também da OIT, além de transgredir os princípios da proteção evolutiva e da vedação ao retrocesso social, consagrados pelo caput do art. 7º da CF” (A Cidade, 22/11/17)