13/07/2018

Lições no resgate dos Javalis Selvagens na Tailândia

Lições no resgate dos Javalis Selvagens na Tailândia

"Tivemos muita sorte que o resultado foi o que aconteceu. É importante perceber o quão complexas e quantas peças desse quebra-cabeça tiveram que se unir” Derek Anderson

Especialista em resgate da Força Aérea dos EUA que atuou no resgate na Tailândia

 

Uma placa junto a uma das entradas da caverna Tham Luang, alertando que “enxurradas podem transformar as passagens existentes em rios caudalosos”, era a medida de mitigação do risco vivido pelos 12 meninos, com idade entre 11 e 16 anos, jogadores do time de futebol Javalis Selvagens, e por Ekkapol, o técnico do time, importante agente na gestão da crítica situação acompanhada pelo mundo inteiro, desde dia 23 de junho até 10 de julho, quando os últimos quatro jogadores e ele mesmo, Ekkapol, foi resgatado.

Um efetivo de 1300 pessoas, voluntários e militares, atuaram nas diversas equipes encarregadas de atuar na gestão da crise, cumprindo ações em níveis estratégico e operacional para remediar o risco e mitigar a possibilidade de desencadeamento de novos riscos por interconectividade.

Isolados desde o dia 23 de junho dentro da caverna alagada, a cerca de 4 km de distância da entrada, somente no dia 2 de julho, depois de nove dias de busca, foram encontrados com fome e bastante debilitados por um mergulhador britânico restabelecendo-lhes a esperança de resgate.

Depois de os treze integrantes da equipe de futebol dos Javalis Selvagens terem sido encontrados, o gabinete de crise iniciou uma nova etapa das operações e, para tomar as decisões nessa nova fase, passou a considerar todos os riscos do resgate, absolutamente pressionados pelos seguintes fatores:

  • Condições meteorológicas adversas: período de chuvas intensas que poderiam aumentar o alagamento no interior da caverna;
  • Dificuldade de drenar água do interior da caverna: embora estivesses sendo utilizadas 20 bombas de extração, sua performance em comparação com o volume de chuvas era ineficiente;
  • Percentual de ar respirável na atmosfera interior da caverna reduzindo-se drástica e rapidamente: Índice normal de ar respirável é 21% e estava em 15%.

Diante dos fatores de risco considerados, inicialmente, se levantaram várias linhas de ação para o resgate, buscando eliminar o risco de morte de qualquer um dos jovens a serem resgatados, bem como dos integrantes das equipes operacionais que atuariam no resgate e nas ações preparatórias.

Depois de algumas serem eliminadas de pronto, permaneceram em discussão três linhas de ação:

  • Realizar uma retirada organizada dos resgatados, passando por passagens estreitas na caverna completamente tomadas pelas águas: nessa linha de ação era elevada a probabilidade de ocorrerem riscos fatais em razão da complexidade do resgate, considerando que os javalis não estavam habilitados técnica e emocionalmente para a ação e debilitados fisicamente. Outro complicador é que o ambiente das cavernas é excessivamente adverso mesmo para mergulhadores experientes.
  • Buscar acesso ao local onde os resgatados se encontravam pela parte superior da montanha: nessa linha de ação previa-se inclusive a eventual utilização de explosivos.
  • Esperar cerca de 4 meses para o resgate, mantendo os resgatados vivos no local onde foram encontrados: durante o período seria realizado o suprimento de água e oxigênio e o atendimento possível em condições extremamente precárias.

Como agora se sabe, a despeito da complexidade, optou-se por realizar uma retirada organizada dos resgatados, passando por passagens estreitas na caverna completamente tomadas pelas águas.

Depois de decidirem qual a linha de ação que seria colocada em execução, sempre premidos por todas circunstâncias já conhecidas, passou-se a identificar, analisar e avaliar todos os riscos inerentes para formular uma estratégia que mitigasse os inúmeros riscos do resgate, evitando a morte de qualquer um dos envolvidos na complexa operação em curso.

Nesse contexto, foram empregados noventa mergulhadores (40 tailandeses e 50 de outras nacionalidades) para prestar apoio psicológico, atendimento médico e estabelecer um fluxo de suprimento (alimentação, água e oxigênio) para manter vivos os jovens a serem resgatados.

No dia 5 de julho, o ex-mergulhador da Marinha Tailandesa, Sumar Kunan, de 38 anos, que atuava como voluntário para levar suprimentos aos jovens, faleceu em seu retorno à saída da caverna por falta de oxigênio durante o percurso.

A dramática morte de Sumar Kunan mostrou a complexidade da operação de resgate que estava por se realizar e deu oportunidade à adoção de novas medidas de gestão de riscos, com a disponibilização de cilindros reserva ao longo do percurso.

Um minucioso plano de ação foi elaborado e, segundo noticiado pela imprensa nele estavam planejadas as seguintes ações a realizar:

Essas são apenas algumas das ações planejadas pelo Gabinete de Crise e colocadas em execução pelas equipes operacionais envolvidas no resgate.

Um ponto muito importante para o gestor de risco é a definição do que se chama de ponto de decisão.

No caso do resgate dos Javalis Selvagens, o ponto de decisão é o momento mais tarde em que o Gabinete de Crise decidiria iniciar o resgate sem aumentar ainda mais o risco de vida dos resgatados e pessoal envolvido na operação, obtendo a preparação operacional mais adequada e retirando o máximo de água possível do interior da caverna.

Considerando o resultado excepcional obtido, podemos afirmar que escolher 8 de julho como ponto de decisão para o início das operações foi uma decisão extremamente técnica e diligente, assim como optar por proceder o resgate em três etapas (4 jovens resgatados no primeiro dia, 4 no dia 9 e 5 no dia 10 de julho).

Os riscos residuais foram expressivamente minimizados e os inúmeros fatores de risco monitorados permanentemente.

Lamentando sinceramente a morte dramática e heroica de Sumar Kunan, podemos dizer que os javalis, depois do trauma que ainda estão vivendo, desfrutarão de modo particular a magnífica sensação de felicidade em correr, chutar uma bola, defender, atacar, fazer um cruzamento e marcar um gol em uma simples partida de futebol.

O gol de Umtiti no jogo contra a Bélgica que levou a França à final da Copa da Rússia, no mesmo dia 10 de julho quando se concluiu o resgate, é incomparavelmente menos importante que o espetacular golaço da equipe de futebol que, nos últimos dias de junho e primeiros dias de julho, pode contar com o maior número de torcedores no mundo: os Javalis Selvagens da Tailândia.

Como postou em sua rede social o finalista francês Paul Pogba: “Essa vitória vai para os heróis do dia” (Carlos Gomes Monteiro é Coronel da Reserva do Exército, mestre e doutor em Ciências Militares, ex-Comandante e Diretor de Ensino da Escola de Inteligência Militar do Exército, sócio da consultoria Linha Limite Soluções Integradas em Gerenciamento de Riscos)