Lula afunda pacote orçamentário com corte pífio–Editorial Folha de S.Paulo
Medidas incertas para despesas são ofuscadas por benefício de R$ 35 bi no IR; dólar e juros prejudicarão mais pobres.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu a proeza de decepcionar com o anúncio de um pacote de controle de gastos do qual já não se esperava grande coisa.
Em vez de indicar alguma disposição, mesmo que modesta e dissimulada, para o controle de despesas públicas, o conjunto de medidas escancarou que os interesses eleitoreiros do presidente da República estão acima de qualquer preocupação com a sustentabilidade da política econômica.
Não apenas os passos rumo à austeridade foram tímidos e incertos como a administração petista apresentou uma proposta para isentar do Imposto de Renda rendimentos de até R$ 5.000 mensais —que, embora tenha o mérito de favorecer a progressividade tributária, continua mal explicada e redundaria em perda de receita de R$ 35 bilhões anuais, a confiar na estimativa oficial.
De saída, há que ampliar a arrecadação federal no mesmo montante. A principal fonte de recursos apresentada pelo governo seriam ganhos com a tributação extra de rendimentos que superam R$ 50 mil mensais.
O Congresso apreciará a mudança do IR. É notório que os parlamentares são mais ágeis em conceder isenções do que em cobrar mais impostos. O governo não foi capaz ainda de explicar como ficará a nova tabela do tributo, sem o que é impossível estimar a perda de receita.
Como se não bastasse, o próprio pacote de contenção do aumento de gastos parece frágil. Promete-se para os próximos seis anos (de 2025 a 2030) uma economia de fantasiosos R$ 327 bilhões até 2030, mas o mandato de Lula se encerrará dentro de dois anos, em 2026.
Não estão claros os cálculos do efeito das propostas. Por meritórias que sejam as tentativas de combater fraudes e desvios em benefícios sociais com recadastramento e pentes-finos, além de mudanças em subsídios e em gastos com cultura, nada disso significa ajuste estrutural, e os resultados não são líquidos e certos.
De maior impacto a médio prazo é a mudança no reajuste do salário mínimo, que ao menos mitiga a expansão forte e contínua das despesas previdenciárias. Qualquer esforço de atenuar a crise fiscal é obviamente válido. Mas, em termos duradouros, pouco mais foi divulgado.
Lula criou para si um problema mesmo antes de tomar posse, em 2022, ao negociar um aumento de gastos para o qual não havia previsão de receita. Em seguida, aprovou-se uma regra fiscal com uma falha congênita: a elevação das despesas obrigatórias acima do ritmo da despesa total tornaria inviável o plano de equilíbrio orçamentário.
O objetivo do pacote deveria ser ao menos atenuar preocupações de desarranjo fiscal maior até 2026. O governo, porém, criou nova rodada de dúvidas e descrédito, que se materializa na disparada do dólar e dos juros, que prejudicará sobretudo a maioria pobre e remediada. Nem como estratégia eleitoreira faz sentido (Folha, 29/11/24)