Lula demite Silvio Almeida após denúncias de assédio sexual
Foto Reprodução-Blog Antropofagista
Presidente perguntou se ministro preferia pedir ele mesmo exoneração.
A conversa entre o presidente Lula (PT) e Silvio Almeida terminou nesta sexta-feira (6) com a demissão do até então ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O próprio ministro relatou a interlocutores que está fora do governo. O Palácio do Planalto fez o comunicado em uma nota.
A conversa foi amena e tranquila, mas Lula afirmou a ele que não tinha condições de mantê-lo no cargo.
O presidente admitiu que as denúncias de assédio e importunação sexual que pesam contra o ministro são difíceis de provar. Mas afirmou que elas teriam tornado a situação dele insustentável. Ainda mais porque uma das mulheres que o denunciam é a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Lula ainda não indicou um substituto. De acordo com a colunista do UOL Carla Araújo, ele pode escolher uma mulher negra para ocupar o cargo.
Na conversa com Silvio Almeida, o presidente perguntou se o próprio ministro preferia pedir ele mesmo exoneração. Caso contrário, seria exonerado.
O agora ex-ministro afirmou que não pediria demissão. Ele já tinha comunicado o mesmo a ministros de Lula, dizendo que exonerar-se seria uma confissão de culpa. Ele nega as acusações com veemência.
Em nota, o Planalto afirma que a decisão do petista foi tomada "diante das graves denúncias" e após diálogo com Silvio. "O presidente considera insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações de assédio sexual", diz o comunicado.
"A Polícia Federal abriu de ofício um protocolo inicial de investigação sobre o caso. A Comissão de Ética Pública da Presidência da República também abriu procedimento preliminar para esclarecer os fatos", segue.
"O governo federal reitera seu compromisso com os direitos humanos e reafirma que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada", finaliza o Palácio do Planalto.
Silvio Almeida confirmou em nota publicada na noite desta sexta que não quis se demitir e que pediu que Lula o exonerasse "a fim de conceder liberdade e isenção às apurações". "Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua", disse (veja a íntegra da nota ao final do texto).
Após a confirmação da demissão, a ministra Anielle Franco se manifestou pela primeira vez e afirmou que não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência.
"Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi", diz o comunicado de Anielle, que foi publicado no Instagram.
Foto Reprodução-Agência Brasil
As denúncias foram publicadas na quinta-feira (5) pelo colunista Guilherme Amado, do portal Metrópoles. O relato envolve casos que teriam ocorrido no ano passado e foram denunciados à organização Me Too Brasil.
A entidade mantém o anonimato das supostas vítimas, mas uma delas seria Anielle. A ministra confirmou as denúncias a interlocutores.
Em nota veiculada pelos canais oficiais do Ministério dos Direitos Humanos, o agora ex-ministro disse se tratar de "ilações absurdas com o único intuito de me prejudicar, apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro".
"Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de 1 ano de idade, em meio à luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país", afirmou.
O ministro disse ainda que falsas acusações configuram denunciação caluniosa e que "tais difamações não encontrarão par com a realidade". "Fica evidente que há uma campanha para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no Poder Público, mas estas não terão sucesso."
Como revelou a coluna, Anielle relatou a integrantes do governo que havia sido assediada sexualmente pelo então ministro. Procurada pela coluna em junho, ela não confirmou nem negou o episódio, impedindo que o caso viesse a público já naquela época.
De acordo com seus interlocutores, a ministra não queria transformar o caso em um escândalo público para não prejudicar o governo Lula. Ela foi procurada por mais de um jornalista no período, mas preferiu guardar silêncio e não formalizou a denúncia.
Segundo o portal Metrópoles, o assédio contra Anielle incluiria toque nas pernas, beijos inapropriados ao cumprimentá-la e expressões de conteúdo sexual, de acordo com relatos de interlocutores da ministra.
O primeiro sinal público de apoio a Anielle partiu da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, que na noite de quinta-feira compartilhou uma foto em que aparece dando um beijo na testa da titular da Igualdade Racial. A imagem não foi acompanhada por nenhum texto ou legenda.
Na manhã desta sexta-feira (6), o Ministério das Mulheres, liderado por Cida Gonçalves, emitiu uma nota em que pediu que sejam apuradas as denúncias atribuídas a Silvio e manifestou solidariedade "a todas as mulheres que diariamente quebram silêncios e denunciam situações de assédio e violência".
Leia, abaixo, a íntegra da nota publicada por Silvio Almeida após sua demissão:
"Nesta sexta-feira (6), em conversa com o Presidente Lula, pedi para que ele me demitisse a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência. Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua.
Ao longo de 1 ano e 8 meses à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reconstruímos a política de direitos humanos no Brasil. Acumulamos vitórias e conquistas durante essa jornada que jamais serão apagadas.
A luta histórica do povo brasileiro e sua libertação são maiores que as aspirações e necessidades individuais. As conquistas civilizatórias percebidas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) correm risco de erosão imediata, o que me obriga a ir ao encontro das lutas pelas quais dediquei minha vida inteira.
Não colocarei em risco o progresso alcançado em defesa do povo invisibilizado, vítima de um massacre ininterrupto, pobre, favelado e à margem do processo civilizatório. A segurança e proteção da mulher, sua emancipação e a valorização das suas subjetividades são a força motriz e a potência reformadora e proeminente que o país precisa.
É preciso combater a violência sexual fortalecendo estratégias compromissadas com um amplo espectro de proteção às vítimas. Critérios de averiguação, meios e modos de apurações transparentes, submetidos à controle social e com efetiva participação do sistema de justiça serão a chave para efetivar políticas de proteção à violência estimulada por padrões heteronormativos.
Em razão da minha luta e dos compromissos que permeiam minha trajetória, declaro que incentivarei indistintamente a realização de criteriosas investigações. Os esforços empreendidos para que tenhamos um país mais justo e igualitário são frutos de lutas coletivas e não podem sucumbir a desejos individuais.
Sou o maior interessado em provar a minha inocência, apesar de saber que este ônus não deveria ser meu. Que os fatos sejam postos para que eu possa me defender dentro do processo legal.
Silvio Almeida"(Folha, 7/9/24)