08/01/2025

Lula faz ato do 8/1 sob mal-estar com militares e ausência de lideranças

Lula faz ato do 8/1 sob mal-estar com militares e ausência de lideranças

Foto Marcelo Camargo - 8.jan.23 - Agência Brasil 

 

Presidente do Senado já confirmou que não deve acompanhar evento; Arthur Lira está em Alagoas e aliados dão ausência como certa.

O presidente Lula (PT) prepara para esta quarta-feira (8) cerimônia em memória dos atos golpistas de janeiro de 2023 em meio a esvaziamento político e descontentamento de militares.

 

Em 8 de janeiro daquele ano, uma horda de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) saiu de um acampamento diante do QG do Exército e destruiu as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

 

A data ficou marcada com um dos maiores ataques à democracia —o STF (Supremo Tribunal Federal) já condenou 375 réus pelos ataques, que resultaram na denúncia de 1.682 envolvidos.

 

Embora tenha ouvido confirmações informais de presença, segundo relato de integrantes do governo, Lula pode ver frustrada a expectativa de participação de representantes de partidos que integram a sua base governista, limitando a agenda a uma manifestação de esquerda.

 

O presidente anunciou o evento em sua última reunião ministerial no ano passado, e pediu que todos os chefes das pastas estivessem presentes em Brasília. Ele tem repetido que espera fazer de 2025 um marco em defesa da democracia na política.

 

Mas, na caserna e dentro do próprio governo, há receio de que discursos inflamados acirrem os ânimos no meio militar, já abalado com a prisão de oficiais de alta patente.

 

Os presidentes dos Três Poderes, Luís Roberto Barroso, do STF, Lula (PT), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Senado, no evento "Democracia Inabalada", que marcou um ano dos atentados de 8 de janeiro de 2024 - Gabriela Biló/Folhapress

 

Há ainda o risco de baixas entre aliados do centrão. Apesar de terem sido convidados parlamentares, governadores e ministros, a cúpula do Congresso não deve comparecer.

 

A assessoria do presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que ele está em viagem, programada anteriormente, mas que o primeiro vice-presidente da Casa, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), representará o Senado na ocasião.

 

A negativa decepciona o Planalto, que contava com sua presença, devido à sua atuação em defesa da democracia.

 

As cerimônias acontecem em um momento de redesenho da Esplanada, com a possibilidade de nomeação de líderes do Congresso numa reforma ministerial. O nome de Pacheco é frequentemente citado nessas conversas.

 

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por sua vez, está em Alagoas com o pai, Benedito Lira (PP-AL), doente. Apesar de não ter confirmado a sua ausência, ela é dada como certa por aliados. No evento do ano passado, pressionado por bolsonaristas, ele também não compareceu.

 

De acordo com relatos, o próprio presidente chegou a convidá-los. E, antes do Natal, teria recebido confirmações das presenças.

 

Também não devem comparecer os prováveis sucessores das presidências das Casas. O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) estão em seus redutos eleitorais durante esse recesso.

 

A eleição para as mesas ocorrerá no início de fevereiro, na volta do recesso parlamentar. Sua presença poderia afugentar parlamentares bolsonaristas, eleitores na disputa pelos comandos da Câmara e Senado.

 

Dirigentes partidários de siglas que integram a Esplanada também não acompanharão a cerimônia do governo: Gilberto Kassab (PSD), Baleia Rossi (MDB) e Marcos Pereira (Republicanos).

 

Além disso, o governo encerrou um ano sob tensão com deputados e senadores, após meses de imbróglio sob pagamento de emendas com o STF. Integrantes do Planalto acreditam que ao menos parte das baixas possa ser justificada com o clima de descontentamento.

 

Da parte do Supremo, apenas três participarão. O ministro Edson Fachin comparecerá representando a presidência, no lugar de Luís Roberto Barroso. Além dele, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes vão comparecer.

 

De acordo com auxiliares palacianos, a intenção é reforçar a ideia de reconstrução dos espaços e das obras destruídas nos atos golpistas e fazer uma enfática defesa da democracia. Lula vai apresentar quadros e estátuas depredadas, como a obra "As Mulatas", de Di Cavalcanti.

 

Depois, descerá a rampa para um ato com a militância na praça dos Três Poderes, onde ocorrerá um abraço simbólico ao local. A expectativa dos organizadores é de reunir cerca de mil pessoas.

 

Ministros e políticos de esquerda devem acompanhá-lo, mas os militares que participarem da cerimônia não devem comparecer ao ato, que é considerado de teor político.

 

O ministro José Múcio (Defesa) e os comandantes das três Forças estão confirmados no Palácio do Planalto. No ano passado, uma fala de Lula sobre "militares legalistas" gerou incômodo entre os militares, o que integrantes do alto escalão das Forças acreditam que deve se repetir neste ano.

 

Integrantes das Forças Armadas já têm temor de mal-estar com o tema, que é considerado delicado na caserna –sobretudo diante do avanço das investigações da Polícia Federal, que já prenderam generais e revelaram plano para assassinato de Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes, do STF.

 

Na reunião em que convidou seus ministros para o ato, Lula falou da importância da defesa da democracia e mencionou a prisão de Walter Braga

Neto, general quatro estrelas preso por suposto envolvimento na tentativa de golpe de Estado. O presidente disse ter ficado feliz, por representar ação contra impunidade.

 

Apesar disso, militares do governo avaliam que o mal-estar está precificado e o comandante do Exército, Tomás Paiva, deve sofrer críticas de integrantes mais radicais da reserva. Ainda assim, o momento de maior tensão foi o das prisões dos generais no ano passado e o relatório da PF.

 

Os gritos de "sem anistia" puxados pela na plateia de aliados neste ano devem se repetir e ganhar corpo em seguida com o ato da militância na praça dos Três Poderes.

 

Na Câmara dos Deputados, há um projeto de lei que prevê o benefício para os presos nos atos golpistas. Lira prometeu votar o projeto ainda durante a sua gestão, o que não ocorreu. Agora, Hugo Motta enfrenta a pressão de bolsonaristas para levar adiante o tema (Folha, 8/1/25)

 



Neste 8 de janeiro, lembre-se: o PT não é a democracia

Por Joel Pinheiro da Fonseca

 

Direita deve rechaçar negacionismo das urnas, e esquerda precisa evitar associar oposição a ameaça democrática.

 

A diplomação do próximo presidente americano transcorreu sem incidentes. As urnas só são contestadas —como no 6 de janeiro de 2021— quando Trump perde. Ou quando Bolsonaro perde. Nesta quarta, no 8 de janeiro, será nossa vez de lembrarmos a versão brasileira do pastiche americano.

 

Em 21 de março de 2022 escrevi nesta Folha: "De uma coisa podemos ter a mais tranquila certeza: caso perca as eleições, Bolsonaro tentará desacreditar as urnas e causar tumulto, numa reedição da invasão do Capitólio americano em janeiro de 2021" na coluna "O Telegram tem o direito de ignorar a Justiça brasileira?". Dito e feito. Não era uma previsão arriscada. A estratégia era explícita.

 

Aqui, como lá, fomos submetidos a meses de mentiras sobre as urnas, vindas sempre do mesmo grupo. Depois da derrota, o fanatismo precisou de uma catarse. Lá, acreditaram que poderiam impedir a diplomação na marra. Aqui, que a quebradeira dos prédios públicos provocaria uma intervenção militar.

 

Dois anos depois do 8 de janeiro, uma boa notícia: segundo pesquisa Quaest, 86% dos brasileiros desaprovam os ataques. E uma notícia ainda melhor: entre os que votaram em Bolsonaro em 2022, 85% desaprovam. Como a maioria desses não mudou seu alinhamento político, concluo que não veem sua posição ideológica como causadora das invasões. Essas foram um excesso cometido por malucos (ou, talvez, por infiltrados) que não os representam. Jamais farão, portanto, um "mea culpa".

 

Isso não é ruim. A pior coisa que pode acontecer para a preservação da nossa democracia é ela se tornar pauta cativa de um dos lados do espectro.

 

Foi o destino do combate à corrupção. Ao transformar-se uma bandeira de ataque da direita contra a esquerda, foi pela esquerda rejeitado. O mesmo ocorreu, em sinal contrário, com a pauta ambiental.

 

Combate à corrupção e defesa do meio ambiente fazem falta. Na medida em que temos um sistema democrático, contudo, ainda podemos votar para colocá-los em prática. Se ficarmos sem democracia, por outro lado, não será possível votar para restabelecê-la.

 

A democracia liberal nada mais é do que uma maneira de organizar o poder na sociedade. Apesar dos problemas, é a melhor que conhecemos, pois permite que toda a população tenha voz, que direitos minoritários sejam protegidos e que o poder troque de mãos pacificamente.

 

 

Sua preservação depende de um pacto universal: garantir o cumprimento das regras do jogo é mais importante do que a vitória do meu time na próxima partida. Para isso, as lideranças de direita devem rechaçar o discurso negacionista das urnas. E a esquerda deve abandonar o discurso de que toda oposição é uma ameaça à democracia.

 

Mesmo porque ninguém no Brasil é santo. Basta lembrar dos escândalos de corrupção para financiar campanhas e do alinhamento histórico de nossa esquerda com o regime Maduro. O golpismo de direita não reveste a esquerda do manto democrático.

 

O filme "Ainda Estou Aqui" —que rendeu a Fernanda Torres o merecido Globo de Ouro— mostra como uma boa história pode furar as barreiras ideológicas ao tocar valores humanos universais, sem ser panfletária. Por enquanto, a rejeição ao 8 de janeiro ocupa esse mesmo lugar: todos o condenam. Tenhamos a sabedoria de preservar essa história sem rebaixá-la ao grau de propaganda partidária (Folha, 7/1/25)