Lula, o MST e o agro – Por Denis Lerrer Rosenfield
LULA Foto Blog Brasil de Fato Pernambuco
Mal não faria o candidato do PT ao explicitar suas posições, sem tergiversar. Reconhecer os erros passados seria já um grande avanço!
Denis Lerrer Rosenfield, O Estado de S.Paulo
12 de setembro de 2022 | 03h00
Talvez Lula devesse se perguntar por que o setor agrícola se opõe tão veementemente à sua candidatura. De nada adiantam inventivas ideológicas, senão mentirosas, rotulando os produtores rurais de “fascistas e reacionários”. Se medisse um pouco as suas palavras e abandonasse essa retórica sem nenhum fundamento, não teria o risco de um efeito propriamente bumerangue. Durante anos – e até hoje –, justificou e apoiou a invasão de terras, com armas brancas e de fogo, do MST, que reinava soberano e impune no campo brasileiro. Isso para não falar de seu apoio incessante a todas as ditaduras que se dizem de esquerda – sendo a mais recente a da Nicarágua, com a prisão de vários padres católicos. Isso para não falarmos, ainda, das ditaduras vizinhas, como Venezuela e Cuba. Seriam eles “democratas e progressistas”?
No debate na Band, foi um “artista” ao sair em defesa do MST. Teve a ousadia de declarar, em deslavada mentira, que o MST nunca tinha invadido uma propriedade produtiva. Na verdade, não foi uma, mas centenas, senão milhares, com absoluto desrespeito ao direito de propriedade e ao Estado Democrático de Direito. Hordas reinavam no campo. Propriedades invadidas, tratores queimados, sedes de fazendas destruídas, trabalhadores rurais feitos prisioneiros, gado esquartejado à espera da morte, incêndios, e assim por diante.
De nada adianta dizer que se tratava de terras improdutivas, pois tal qualificação só poderia ser considerada enquanto tal pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) após o devido processo legal, assegurando o direito de defesa aos proprietários. O que acontecia? O MST declarava que a terra era improdutiva e exigia que o Incra seguisse as suas decisões. Ou seja, a violência era a lei. O legal e o constitucional eram ditados por ele. O que fazia Lula? Em cerimônias no Palácio do Planalto, colocava o boné do MST! A sua cabeça estaria no lugar em que verdadeiramente acredita?
Na verdade, o governo Temer e, em seu prolongamento, o governo Bolsonaro acertaram em suas políticas fundiárias. Além de cortarem as fontes de financiamento das invasões do MST, partiram para a titularização dos assentamentos. Até então, os assentados eram uma massa de manobra do MST e, indiretamente, do PT, que ali podiam exercer sua tutela política. Opunham-se a esse processo de titularização pois um assentado que se torna proprietário torna-se uma pessoa com direitos, um cidadão, capaz de decidir por si mesmo de forma autônoma. Torna-se, no sentido estrito, um agricultor familiar, um proprietário, colhendo o fruto de seu próprio trabalho. Não precisa mais fazer militância no MST nem participar de suas invasões.
Lula, como costuma fazer em suas fantasias sobre os governos petistas – embora evite o quanto pode falar do governo de sua sucessora, como se lhe suscitasse uma reação alérgica –, procurou enaltecer os assentamentos do MST. Dilma, com muito mais realismo e perspicácia, qualificou, com razão, estes mesmos assentamentos de “favelas rurais”. Onde está a verdade, na versão idílica ou na real, em claro contraste entre dois discursos petistas?
Se algo inovador houve nas manifestações de Lula, reside em sua apresentação dos assentamentos como cooperativas. Ainda segundo ele, seria essa a nova realidade. Se for verdade, e se ele pensa seguir por este caminho, estaremos diante de uma grande mudança ideológica. Seria o abandono do modelo emessista, baseado numa suposta propriedade coletiva, que na União Soviética já tinha mostrado todo o seu potencial, não produtivo, mas destrutivo, levando à morte milhões de agricultores. Isto é, seria o reconhecimento da propriedade privada como forma de desenvolvimento econômico e agrário do País. Seria, nesse sentido, muito importante que o PT levasse adiante essa ideia em seu plano de governo, tendo como fundamento a propriedade privada, cujo pressuposto é a titularização dos assentamentos. De quebra, haveria o abandono de um discurso retrógrado socialista/comunista.
Nada, infelizmente, é tão simples. O líder do MST, João Pedro Stédile, logo aproveitou a deixa de Lula para a retomada de seu discurso comunista, baseado na luta de classes. Segundo ele, seria o momento do retorno às invasões, contando novamente com o beneplácito de um governo petista. Procura ele, mais uma vez, ditar a lei, senão o horror da violência, no campo, contando com esta “justificativa”, há muito ultrapassada, da luta contra o latifúndio e a propriedade improdutiva. Propriedade improdutiva só existe em sua cabeça, segundo sua ideologia marxista, tendo a história já mostrado todo o seu poder devastador. O campo brasileiro é, hoje, moderno e produtivo, e está nas primeiras posições entre os maiores produtores de alimentos do planeta. O mundo depende do Brasil. É o seu alvo?
Neste contexto eleitoral, mal não faria o candidato Lula da Silva ao explicitar suas posições, sem tergiversar. O reconhecimento dos erros passados seria já um grande avanço! (Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS; O Estado de S.Paulo, 12/9/22)