Lula pede pacto, Caiado critica projeto e Tarcísio quer pacote conjunto
Reunião sobre PEC da Segurança Pública no Planalto — Foto Ricardo Stuckert - PR
Reunião no Planalto para apresentar a PEC da Segurança Pública teve presença de governadores e representantes do Judiciário.
O presidente Lula (PT) disse nesta quinta-feira (31) que facções criminosas se infiltram até em eleições e defendeu a criação de um pacto federativo com uma proposta definitiva para a segurança pública.
A declaração ocorreu durante reunião de apresentação do texto da PEC da Segurança Pública aos governadores, no Palácio do Planalto.
"Estamos dispostos a discutir quantas horas necessárias, quantas reuniões, através de secretários, representantes do Poder Judiciário, para apresentar proposta definitiva de combate ao chamado crime organizado, que está hoje espalhado em todo território. Tem estado em que há 20 anos [os criminosos] não estavam e agora estão", disse Lula, no início da reunião.
"O Comando Vermelho, o PCC estão em quase todos os estados disputando eleições, elegendo vereador, quem sabe indicando pessoas para cargos importantes nas instituições", completou.
"Logo, logo crime organizado vai estar participando de concurso, indicando juiz, procurador, político candidato. Essa é uma coisa que é quase incontrolável se não montar pacto federativo que envolva todos os poderes da federação, envolvido indireta ou diretamente nisso, e construir um processo que discuta desde o sistema prisional até sistema do cadastro que cada estado tem", afirmou.
O chefe do Executivo não apresentou qualquer detalhe sobre a participação das facções em eleições.
Em seguida, falaram os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Ricardo Lewandowski (Justiça).
Rui Costa seguiu a linha do presidente e afirmou que o crime organizado está migrando para a economia real e para as instituições de Estado. E citou que as organizações criminosas estão se aproximando da definição de máfia.
"Se no passado eram as gangues de bairro, o bandido isolado, violento que existia em uma cidade ou outra, estado ou outro, hoje estamos falando de uma organização criminosa, que muito bem definiu o secretário nacional de segurança pública, que ganha contornos rápidos de organização mafiosa no Brasil", afirmou.
"Não só estão no crime, mas estão migrando para a economia real, estão dando cursos de formação para concursos da Polícia Militar, concurso de Polícia Civil, estão participando no financiamento das campanhas eleitorais. Enfim, está sendo tomado contorno de organização criminosa no Brasil", completou Rui Costa.
Lewandowski, por sua vez, disse que o texto não mexe na competência dos estados de regular suas polícias e que as diretrizes coordenadas pelo governo federal serão elaboradas com as unidades da federação.
"Pretendemos aqui com nossa PEC criar estrutura semelhante a esse sistema já existente [de SUS e de Sistema Nacional de educação]. A PEC pretende padronizar protocolos, informações e dados", disse o ministro, citando que hoje cada estado faz boletim de ocorrência como quer.
Ele contou que, quando fez uma apresentação das linhas gerais ao governador Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), o gaúcho se queixou da falta de participação dos estados e respondeu: "Vamos ouvir os estados quando formos elaborar diretrizes, a política nacional, com a participação no Conselho Nacional de Segurança Pública". O colegiado está previsto em lei, mas não foi devidamente implementado.
A proposta elaborada pela equipe do ministro chegou ao Palácio do Planalto no meio do ano, mas só agora está pública.
O texto foi modificado em relação ao original para contemplar a principal crítica de gestores estaduais: que estariam sendo excluídos da coordenação da segurança pública, que é de suas responsabilidades.
A proposta inicial incluía brevemente na Constituição que compete à União coordenar o sistema penitenciário nacional e o sistema único de segurança pública, além de elaborar os planos nacionais penitenciário e de segurança pública.
A PEC apresentada aos governadores nesta quinta-feira fala que compete à União "estabelecer a política nacional de segurança pública e defesa social, que compreenderá o sistema penitenciário, instituindo o plano correspondente, cujas diretrizes serão de observância obrigatória por parte dos entes federados, ouvido o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, integrado por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma da lei".
O texto também fala que cabe à União "coordenar o sistema único de segurança pública e defesa social e o sistema penitenciário mediante estratégias que assegurem a integração, cooperação e interoperabilidade dos órgãos que o compõem nos três níveis político-administrativos da Federação".
Todos os gestores estaduais foram convidados, mas apenas 18 participaram, sendo cinco em exercício. No total, a reunião teve a participação de sete ministros de estado e três representantes do judiciário (STJ, STF, MPF), além de secretários de segurança pública.
Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ronaldo Caiado (União), que são cotados como possíveis candidatos de oposição para a eleição presidencial de 2026, também participaram.
Houve, inclusive, troca de farpas entre Lula e Caiado. O governador de Goiás criticou a proposta e chamou-a de inadmissível. "Faça a PEC, transfira a cada governador a prerrogativa de legislar sobre aquilo que é legislação penal e penitenciária. Vocês vão ver. Na hora que eu botei regra na penitenciária de Goiás, o crime acabou", disse.
Lula, ao final da reunião, retomou o tema e ironizou a fala de Caiado. "Conheci aqui o único governador que não tem problema de segurança, que é o governador de Goiás. Ao invés de eu ter chamado a reunião, era o Caiado que devia ter chamado a reunião para orientar como é que se comporta, para a gente acabar com o problema da segurança em cada estado."
Caiado, que fez a mais dura crítica à PEC, disse ainda que "de maneira alguma" vai colocar câmeras corporais nos policiais de Goiás e defendeu que os estados possam legislar sobre temas penais —prerrogativa do Legislativo federal hoje. "Sou governador de estado, não vou botar câmera em policial meu de maneira alguma, não existe hipótese. Eu tenho que ter corregedoria séria, honesta, que não admita milícia", disse.
Tarcísio, por sua vez, sugeriu que a iniciativa não se limite à PEC da Segurança Pública e que se faça um pacote de propostas para o tema.
"Entendo que, a partir desse primeiro passo, podia organizar grande grupo, formular série de propostas, não se limitar à PEC e mandar grande pacote [para o Congresso]. Isso podia ser bastante efetivo", afirmou o governador de São Paulo.
"Temos problema sério de combustíveis, um dos setores preferidos do crime organizado para lavagem de dinheiro. Profusão de postos de gasolina adquiridos pelo crime. Até usina de etanol hoje. Se não houver trabalho conjunto, não vai chegar em lugar algum", acrescentou. "Eles têm lavado dinheiro em clube de futebol, revenda de carros importados, uma série de outras atividades."
Principal nome do bolsonarismo para 2026, Tarcísio não chegou a criticar a proposta elaborada pela equipe de Lewandowski, como fizeram, além de Caiado, o governador do Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, que também sugeriu que os estados tenham prerrogativa de legislar sobre sistema penal e penitenciário.
Antes de o texto ser divulgado na sua íntegra, muitos foram contrários à proposta. Durante a reunião, porém, a maioria não se opôs à PEC.
No geral, os demais gestores focaram suas críticas às organizações criminosas e à forma como elas têm avançado em diferentes segmentos da sociedade. Renato Casagrande (Espírito Santo), por exemplo, citou que bandidos no passado tinham armamento leve e hoje têm fuzis.
Elaborada pelo Ministério da Justiça, a PEC quer dar ao governo federal o poder de estabelecer diretrizes de segurança pública e do sistema penitenciário e obrigar os estados a segui-las.
Como antecipou a Folha, a proposta elaborada pela equipe de Lewandowski também sugere transformar a PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Polícia Ostensiva Federal. O texto extingue a existência da PRF e da Polícia Ferroviária Federal –que, apesar de constar no artigo 144 da Constituição, nunca saiu do papel– e inclui na Constituição a criação da Polícia Ostensiva Federal.
Essa nova polícia atuaria em rodovias, ferrovias, hidrovias e instalações federais. O texto autoriza ainda a possibilidade, em caráter emergencial e temporário, de ajuda às forças de segurança estaduais, quando demandada por governadores.
A PEC também propôs juntar os fundos Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional, criando o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária. Assim como é hoje, os recursos não podem ser contingenciados (Folha, 1/11/24)