07/02/2025

Lula razoavelmente perdido – Editorial O Estado de S.Paulo

Lula razoavelmente perdido – Editorial O Estado de S.Paulo

Em discurso desconectado da realidade, presidente diz que inflação está ‘razoavelmente controlada’ e insinua intenção de desmontar a ‘arapuca’ que o BC armou para seu governo.

 

A retomada do circuito radiofônico de Lula da Silva é, sem dúvida, parte da estratégia para tentar estancar a queda de popularidade. Mas as primeiras entrevistas do ano mostram o presidente perdido ao avaliar a inflação, o problema que atualmente mais aflige a população. A tática tem sido a de terceirizar responsabilidades, com argumentos que colocam o governo como vítima da alta de preços, e não como um de seus principais causadores, numa narrativa absolutamente desconectada da realidade.

 

Primeiro, a ouvintes de Minas Gerais, Lula buscou passar a ideia de que o governo leva “muito a sério” a inflação, que, segundo ele, “está razoavelmente controlada”. No dia seguinte, para rádios baianas, jogou a culpa do descontrole dos preços sobre o Banco Central (BC), acusando a gestão passada da instituição – sob o comando de Roberto Campos Neto – de ter armado “uma arapuca” para seu governo. Essa armadilha, segundo o petista, não pode ser desmontada “de uma hora para outra”.

 

Difícil convencer a audiência de que a inflação está “razoavelmente controlada” diante do avanço dos preços de alimentos.

 

Levantamento divulgado no fim de janeiro pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostrou aumentos significativos em itens como leite longa vida (18,83%), carne (25,25%), óleo de soja (29,22%) e café torrado (39,6%). Todos esses produtos integram a cesta básica, ou seja, ao menos em teoria são imprescindíveis a todas as famílias.

 

Tampouco é irretorquível o discurso sobre a seriedade com que o governo Lula da Silva trata a estabilidade inflacionária. Por óbvio, efeitos climáticos extremos têm prejudicado a agricultura e a pecuária com reflexos nos preços, mas considerável parcela dessa escalada se deve, como é notório, a uma demanda que cresce acima da capacidade econômica do País. Esse sobreaquecimento, por sua vez, é causado por políticas de governo sustentadas na expansão de gastos e no incentivo desmesurado ao crédito.

 

Lula diz que sua preocupação maior é evitar que o preço dos alimentos “prejudique o povo” e, para que isso não aconteça, tem feito “reuniões sistemáticas com os setores”. Ora, qualquer consumidor sabe que a inflação dos alimentos é sentida mais fortemente pela população mais carente, que despende maior parcela do orçamento mensal para custear a alimentação. E não serão reuniões com varejistas ou agricultores que derrubarão preços. Afinal, não há como o governo intervir em preços livres, e o passado recente demonstrou da pior forma para o consumidor a ineficácia de congelamentos.

 

Ao governo Lula da Silva cabe, principalmente, o respeito à responsabilidade fiscal, que parece se distanciar do Planalto na proporção inversa à proximidade das eleições de 2026. O presidente fala em “compensação” caso o reajuste dos combustíveis – que também têm preços livres e deveriam ser ditados por critérios de mercado – tenha impacto sobre os preços de transporte e alimentos. Vende um discurso vazio, como se tivesse o poder de evitar o repasse do aumento de gasolina e diesel aos transportes e às cargas conduzidas por caminhões.

 

O maior problema é que Lula enxerga o que quer enxergar e parece acreditar no dom de fazer com que o eleitorado veja o cenário sob a mesma ótica. “A economia está bem, o emprego está crescendo, massa salarial crescendo, coisas estão crescendo”, afirmou. O resultado imediato da política expansionista foi, de fato, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego, mas indicadores recentes começam a apontar para a perda de fôlego, tanto que o temor de retração da economia já entrou no radar para 2025 e 2026.

 

Entre as “coisas que estão crescendo” Lula poderia incluir a dívida pública federal, que no ano passado chegou a R$ 7,3 trilhões, aumento de 12,2% em relação ao fim de 2023, sem contar a correção da inflação. O esforço para conter a inflação ficou por conta apenas do Banco Central, alvo de críticas do presidente por elevar juros com o único intuito de conter a inflação – esta sim uma arapuca capaz de minar a popularidade de qualquer governo (Estadão, 7/2/25)