Macron usa clima para justificar protecionismo–Editorial Folha de S.Paulo
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Presidente francês ataca acordo entre Mercosul e UE, sob pressão do setor rural de seu país, que teme competição externa.
Muito amigável na visita de três dias ao Brasil, o presidente da França, Emmanuel Macron, foi também claro a respeito de um tema essencial da agenda econômica. Rechaçou sem meias palavras os termos do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, defendendo novas negociações a começar do zero.
Para o mandatário francês, o acordo negociado há mais de 20 anos ficou antiquado e seria péssimo para as duas partes, pois olharia para o passado e não levaria em conta a biodiversidade e o clima.
Macron disse que a França não poderá abrir seu mercado agrícola a produtores externos que não estejam sujeitos às mesmas exigências ambientais. Não se disfarça o protecionismo, posição tradicional francesa que sempre foi o maior obstáculo nas negociações.
Embora as tratativas não sejam bilaterais e ocorram entre os dois blocos, a oposição de membros dificulta ou inviabiliza uma conclusão.
O momento político também não é propício na Europa. Vários países enfrentam protestos maciços de agricultores contra a agenda climática, que obriga o setor a reduzir emissões de carbono e aumenta os custos da produção local já pouco competitiva.
Qualquer retomada de negociação, se houver, deverá ficar para depois das eleições para o Parlamento Europeu, em junho, que parece indicar um crescimento da direita mais protecionista.
Com tal dinâmica, de todo modo, é cada vez menos provável a criação do bloco comum, que abarcaria 720 milhões de pessoas e 20% do PIB mundial. Estudo publicado pelo Ipea indica que o acordo ampliaria em 0,46% o PIB brasileiro entre 2024 e 2040, além de elevar os investimentos em 1,5%.
Macron pode ter razão em um aspecto —novos acordos de livre comércio com foco em redução de tarifas podem ser insuficientes no contexto mundial atual. Isso não pode ser pretexto, no entanto, para evitar a abertura econômica benéfica para a coletividade.
O acirramento da competição geopolítica força a uma reordenação de cadeias produtivas, enquanto a emergência climática demanda ação coletiva. Tais realidades inescapáveis abrem novas opções para engajamento e cooperação que precisam ser consideradas.
Diante da imbatível competitividade da agricultura brasileira, que ganha o mundo e não tem na Europa nem de longe o mercado principal, interessa ao país a esta altura negociar oportunidades de integração produtiva por meio de maiores investimentos também na indústria e nos serviços.
A conclusão da reforma tributária que alinha o Brasil às melhores práticas globais favorece essa agenda. As negociações precisam continuar sem perder de vista afinidades entre os dois blocos (Folha, 30/3/24)