19/05/2021

Mão do governo argentino na pecuária favorece o Brasil

Mão do governo argentino na pecuária favorece o Brasil

Legenda: O agricultor cuida de rebanho bovino na cidade de Valdes, sudoeste de Buenos Aires, na Argentina - Enrique Marcarian-26.mai.2012/Reuters

 Medida terá pouco efeito porque a alta de preço se deve à menor oferta de gado.

Prepare o bolso para o próximo churrasco. A suspensão das exportações de carne bovina na Argentina coloca pressão ainda maior no produto brasileiro.

Os argentinos exportam 50 mil toneladas por mês, e 74% desse volume vai para a China. Dependentes dessa proteína, os chineses vão intensificar as compras no Brasil, pelo menos enquanto durar a suspensão argentina.

Os brasileiros, embora também passem por uma redução de bois para abate, ainda têm produto para colocar no mercado externo. Além disso, o preço da tonelada é semelhante ao que os argentinos oferecem aos chineses.

No primeiro trimestre deste ano, as exportações argentinas somaram 147 mil toneladas. Deste volume, 109 mil foram para a China, ao preço médio de US$ 3.356 por tonelada, um dos menores valores recebidos pelos argentinos. Os alemães pagaram US$ 10 mil por tonelada.

A Argentina deveria colocar 770 mil toneladas de carne bovina no mercado externo neste ano, o quinto maior volume mundial, segundo estimativas do Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). O Brasil lidera com 2,7 milhões, seguido de Estados Unidos, Austrália e Índia.

Na outra ponta, a China importará 3,1 milhões de toneladas em 2021, bem acima do volume dos Estados Unidos, o segundo maior importador: 1,3 milhão de toneladas.

Luciano Vacari, da Neo Agro, afirma que a ação do governo argentino tem efeito curto porque a demanda mundial de carne está acima da oferta. Daí essa evolução forte dos preços no mundo, afirma.

Os argentinos têm os mesmos problemas dos brasileiros: demanda externa forte e redução na oferta de gado pronto para abate. A diferença, segundo Vacari, é que a carne bovina é assunto de interesse nacional no país vizinho.

“Por aqui, os brasileiros, conforme perderam renda, saíram da carne bovina e passaram para a suína e de frango. Lá, não. E a proteína pesa muito na inflação deles.”

O problema dessa medida do governo argentino é o desdobramento sobre o setor. “Já vimos esse filme antes, e o resultado é um colapso na pecuária”, afirma ele.

Os produtores estão engordando boi, e tendo custos, com base em preços de exportação. Já os frigoríficos têm contratos externos assumidos, que devem cumprir. O resultado, segundo Vacari, será um grande desinvestimento no setor.

Ruim para os argentinos, que devem viver sobre as amarras do governo, bom para o produtor brasileiro. O boi, que estava em queda desde a semana passada, voltou a subir nesta terça-feira (18), atingindo R$ 307,4 por arroba, conforme pesquisa do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). Na segunda-feira (17), estava em R$ 304.

Assim como na Argentina, a carne bovina mudou de patamar de preço também no Brasil e retirou parte da população desse mercado.

Dados de inflação divulgados pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), nesta terça-feira, indicam altas de até 6% no setor nos últimos 30 dias. Esse aumento fica ainda mais pesado para o bolso do consumidor porque a proteína vem obtendo altas constantes há pelo menos dois anos.

Os argentinos, que sempre estiveram entre os principais consumidores de carne bovina no mundo, estão com um consumo per capita inferior a 50 quilos atualmente.

A ação do governo argentino não deverá representar alívio aos preços, pois o rebanho do país vizinho, que era de 55 milhões de cabeças em 2019, está em 53,8 milhões.

Além disso, o abate de fêmeas, devido à demanda internacional intensa por carne, vai retardar a recomposição do setor (Folha de S.Paulo, 19/5/21)