Marfrig rastreará gado para se blindar de boicote do exterior
Iniciativa ocorre em meio à pressão de investidores contra desmatamento.
A pressão de importadores e investidores sobre empresas brasileiras cresce na tentativa de barrar a produção na Amazônia. Para evitar boicote, como o feito à indústria do couro, companhias buscam dar respostas.
Uma das primeiras a se movimentar é a Marfrig. A empresa deverá adotar a rastreabilidade de gado.
A companhia não confirmou oficialmente a informação. Porém, a empresa marcou para esta quinta-feira (23) o lançamento de um compromisso com o desmatamento zero e a rastreabilidade.
A intenção é comprovar que a origem da proteína servida nas mesas da Europa e das maiores economias não saiu de área desmatada. Com isso, evita-se entrave à exportação.
No mercado, a avaliação é que, se uma empresa adotar o mecanismo de rastreabilidade, outras terão de seguir a tendência. A medida é uma exigência de mercados compradores. A preocupação ganha força na Europa —entre 25% e 40% da carne importada pela União Europeia sai do Brasil.
A iniciativa da segunda maior processadora de carne bovina do mundo ocorre em meio a restrições sofridas por outros produtos por causa da gestão ambiental do governo Jair Bolsonaro. O desmatamento na Amazônia preocupa.
No mercado de couro, por exemplo, o artigo brasileiro enfrenta resistência no exterior. A dona de marcas como Vans, Timberland e Kipling já vetou o produto.
A decisão foi tomada há mais de dez meses para garantir que o insumo não partiu de área desmatada.
Na ocasião, a VF afirmou que suas marcas haviam optado por “não seguir abastecendo diretamente com couro e curtume do Brasil para negócios internacionais até que haja a segurança de que os materiais usados nos nossos produtos não contribuem para o dano ambiental no país”.
Na mensagem, a empresa também defendeu que visa “empoderar movimentos de estilo de vida ativo e sustentável”. A VF Corporation ainda não voltou a adquirir o couro brasileiro.
A informação foi confirmada à Folha pelo departamento de comunicação da empresa. O órgão afirmou que a proibição ao produto brasileiro ainda é efetiva. Números não foram informados.
O presidente do CICB (Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil), José Fernando Bello, critica a decisão da VF. Ele defende a qualidade do produto brasileiro.
Segundo Bello, os curtumes têm certificações que comprovam a sustentabilidade do produto. De acordo com ele, as empresas buscam aprimorar as informações sobre a origem do material.
“Isso é uma opção deles. Nós cumprimos com todas as normas de sustentabilidade.”, disse Bello. “Eles até exigem uma certificação inglesa, e nós cumprimos. Eu não sei te dizer se o motivo é comercial ou se é por uma opção.”
Bello afirmou que toda a cadeia da pecuária, dos frigoríficos e dos curtumes, está empenhada em aprimorar a rastreabilidade.
A medida restritiva da VF acendeu o alerta amarelo de empresas brasileiras que vendem produtos para mercados em que há preocupação ambiental, como o europeu. Desde então, outras advertências foram dadas.
Houve sinalizações de empresários e investidores estrangeiros de que retirariam recursos e deixariam de adquirir itens brasileiros por causa do desmatamento e das queimadas da Amazônia.
Em junho, o desmatamento na Amazônia teve o 14º mês seguido de alta e atingiu o maior patamar desde 2016, segundo dados do Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Como pano de fundo, empresários de frigoríficos e tradings e representantes da indústria pressionam Bolsonaro a mudar o comando do Ministério do Meio Ambiente, hoje nas mãos de Ricardo Salles, conforme informou a Folha.
A pressão é uma reação à ameaça de investidores que detêm US$ 3,7 trilhões em ativos administrados ao redor do mundo de retirar dinheiro do país caso o desmatamento na Amazônia não seja reduzido.
Apesar das críticas, Bolsonaro disse na quinta (16) que não pretende demitir Salles. Para o presidente, as críticas ao desmatamento são “uma guerra da informação”.
“Por quê? O Brasil é uma potência no agronegócio. Na Europa, lá é uma seita ambiental, eles não preservaram nada do meio ambiente, praticamente nada, e quase não se ouve falar em reflorestamento”, afirmou, em sua live semanal. “E o tempo todo atiram em cima de nós de forma injusta. Por quê? É uma briga comercial também”, disse Bolsonaro.
Os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não responderam a pedidos de comentários da reportagem. A Marfrig afirmou que não comentaria a iniciativa antes de quinta-feira (Folha de S.Paulo, 20/7/20)