Matriz energética do País já mudou – Editorial O Estado de S.Paulo
ESTADAO AZUL
Mais relevante do que discutir preços do petróleo é manter a diversificação das fontes de energia, e nisso o Brasil está em posição privilegiada em relação ao mundo desenvolvido.
A profunda e inflacionária crise energética na Europa, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, evidencia os acertos da política de energia no Brasil, com o aumento na oferta proveniente de fontes renováveis, mas também abre caminho para o debate sobre os passos a serem tomados neste setor pelo governo eleito em outubro.
Pouco se sabe, até agora, sobre quais serão as prioridades da política energética do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora se acredite que serão mantidos os estímulos para investimentos em energia renovável, dada a importância do discurso a favor da preservação ambiental.
Curiosamente, o pouco que foi aventado sobre energia por pretendentes a ocupar postos-chave no futuro governo foi centrado na política de preços de petróleo e o papel que a Petrobras deveria assumir nos próximos anos. São discussões anacrônicas na medida em que o Brasil e muitos outros países passaram por uma revolução nas suas matrizes energéticas e hoje é menor a dependência do petróleo do que nas últimas décadas do século passado. O próprio plano estratégico da Petrobras para os próximos cinco anos, divulgado em novembro, não fez aposta mais ambiciosa em fontes de energia renovável. Entre os investimentos previstos, US$ 64 bilhões, ou 83% do total, serão aplicados em exploração e produção de petróleo e gás.
Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de setembro mostram que o País ultrapassou os 185 gigawatts de capacidade de geração e, segundo os critérios da agência, pouco mais de 80% desse total corresponde a fontes renováveis de energia, como a água dos rios, os ventos e o sol. Merece destaque, obviamente, a expansão muito expressiva da participação da energia solar e eólica na matriz energética, reduzindo a importância das termoelétricas. Embora as hidrelétricas ainda respondam por 54% da produção de energia, a eólica já corresponde a mais de 10% da oferta total e a solar divide com as termoelétricas a terceira posição. E esse panorama foi alcançado, em grande parte, por iniciativas do setor privado.
É consenso entre especialistas que se deve manter o processo de diversificação das fontes de geração de energia, principalmente com a construção de usinas de baixo impacto ambiental e social. Essa tendência, observada no Brasil nos últimos anos, ganha maior importância diante dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que levantou sérias dúvidas sobre o processo de globalização na oferta de energia.
Grandes investimentos em fontes alternativas de energia podem, adicionalmente, ajudar no crescimento econômico das regiões mais pobres do País. Estudo do Instituto Brasileiro de Economia da FGV apurou que cada R$1 investido em parque eólico gera R$ 2,90 no Produto Interno Bruto (PIB) no período de 10 a 14 meses, considerando-se impactos diretos, indiretos e induzidos pelo efeito multiplicador dos empreendimentos. No Nordeste, para citar apenas um exemplo, os projetos já autorizados devem receber investimentos da ordem de R$ 250 bilhões e de mais R$ 148 bilhões em usinas solares.
Nesse cenário, o Brasil está muito longe das sérias dificuldades no setor energético de outros países. A Europa enfrenta escassez na oferta de energia e aumento dos preços para os consumidores depois que a Rússia invadiu a Ucrânia. Há alguns dias, a Agência Internacional de Energia (AIE) alertou a União Europeia que a situação energética do bloco poderá ser ainda pior em 2023 porque o fornecimento russo pode diminuir ainda mais e a oferta de gás de outros países também tende a diminuir, principalmente se a China retomar a demanda pelo insumo. Mais de 40% do gás consumido pelos europeus é fornecido pela Rússia, e a União Europeia paga cerca de 150 bilhões de euros por ano ao país. A dependência do gás russo chega a 80% em países como a Lituânia.
No Brasil, o cenário é diferente, mas é urgente que a equipe do novo governo tome consciência de que o futuro da energia são as fontes renováveis e que a era de ouro do petróleo está nos seus últimos dias (O Estado de S.Paulo, 28/12/22)
Na crise, uso eficiente de energia
Guerra na Ucrânia estimula uso de fontes limpas; a meta de emissão zero até a metade do século parece alcançável.
Não foi por altruísmo nem por preocupação com o futuro do planeta, mas o mundo passou a utilizar a energia com mais eficiência em 2022. Menos por inquietação com a qualidade de vida nos próximos anos e mais por aflição com gastos adicionais no presente, em razão da alta dos combustíveis depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, os consumidores usaram fontes limpas e renováveis de energia mais intensamente do que fizeram nos anos anteriores, de acordo com o relatório Energy Efficiency 2022, da Agência Internacional de Energia (AIE). E essa é uma boa notícia. Depois de alguns anos estagnada, a eficiência energética aumentou 2%. Se essa evolução se mantiver nos próximos anos, será possível alcançar, até a metade deste século, a meta de emissão zero de gases de efeito estufa.
Houve em 2022 um “impulso sem precedentes” no desenvolvimento de energias renováveis, em razão de decisões governamentais e dos consumidores de utilizar mais essas fontes como resposta às dificuldades no abastecimento de alguns países, sobretudo da Europa, e da alta generalizada dos preços da energia em razão da crise gerada pela guerra na Ucrânia. Os ganhos observados podem caracterizar uma mudança essencial no uso mais eficiente da energia, depois de anos de progresso muito lento, diz a AIE.
Dados preliminares indicam que os investimentos em eficiência energética – reformas de edifícios, mudanças nos sistemas de transporte público e expansão da infraestrutura para o uso de carros elétricos – alcançaram US$ 560 bilhões em 2022, com aumento de 16% em relação ao ano anterior.
O resultado foi o aumento da eficiência energética, que em 2022 foi quase quatro vezes maior do que o crescimento observado nos dois anos anteriores e quase o dobro da média dos últimos cinco anos. Nos cálculos da Agência, as ações voltadas para a eficiência energética desde 2000 propiciaram a redução de até US$ 680 bilhões nas contas pagas pelos consumidores, ou uma redução de 15% sobre o que se pagaria caso essas ações não tivessem existido.
A história registra reações positivas às crises energéticas, como a observada em 2022 diante dos problemas enfrentados pelos países para a substituição dos derivados antes fornecidos em grande escala pela Rússia. Os choques de petróleo da década de 1970, por exemplo, pressionaram os governos a adotar programas de eficiência energética, com resultados muito expressivos sobre a eficiência de automóveis, eletrodomésticos e edifícios, lembrou o diretor executivo da AIE, Fatih Birol. Observam-se efeitos semelhantes atualmente. Além de propiciar melhores condições para o enfrentamento da crise, a eficiência energética tem “enorme potencial para ajudar a encarar os desafios de acessibilidade energética, segurança energética e mudança climática”, lembrou Birol.
Destaque-se, no entanto, que os avanços no campo energético, como em vários outros, são mais notáveis nos países desenvolvidos do que nos demais. Também em eficiência energética, o mundo está dividido (O Estado de S.Paulo, 27/12/22)