Meio século de Embrapa – Editorial O Estado de S.Paulo
ESTADÃO AZUL
Nos últimos 50 anos, o Brasil passou de importador de alimentos a um dos maiores exportadores do mundo, em vias de se tornar o maior. A agropecuária nacional está hoje na vanguarda da produtividade, inovação e sustentabilidade.
Segundo o Ipea, a produtividade total dos fatores – a relação entre o índice de produto e o índice de insumos – cresceu 400% na agricultura. Entre 2011 e 2020, enquanto o setor de serviços cresceu 1,5%, a indústria encolheu 12,8% e o PIB como um todo, 1,2%, a agropecuária cresceu 25,4%. Ela alimenta cerca de 1/6 da população mundial e há décadas garante o superávit da balança comercial. Desde os anos 70, os preços da cesta básica caíram pela metade. A produção cresceu quatro vezes mais que a área plantada. Essa intensificação ajudou o Brasil a preservar 66% de sua vegetação nativa – a média na Europa e EUA é de 30%. Segundo o Ipea, nos últimos 15 anos a agropecuária alcançou a marca de 113% na meta de mitigação de carbono e de 290% na de recuperação de pastagens.
O triunfo foi conquistado com muito empreendedorismo, boas políticas de crédito e, sobretudo, tecnologia. Desde 1995, enquanto o fator terra respondeu por 20% no crescimento do valor da produção e o fator trabalho caiu de 31% para 20%, a participação da tecnologia subiu de 50% para 60%.
Não é por mero acaso que essa “Revolução Verde” coincide com o tempo de vida da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Criada para reduzir o preço dos alimentos no País e torná-los competitivos no mercado externo, a Embrapa cumpriu essa missão com uma fórmula elementar: ciência aplicada por pesquisadores de ponta bem remunerados.
Dentre as inovações que alavancaram a espetacular produtividade do agro, destacam-se o plantio direto (que dispensa a aração e gradação do solo para a semeadura); a fixação biológica do nitrogênio em soja; o desenvolvimento de culturas para regiões tropicais; a disseminação de pastagens melhoradas para o gado de corte e leite; ou o desenvolvimento de transgênicos. Talvez a expressão mais gráfica dessa aventura tenha sido a conquista do Cerrado: outrora pouco adequado à agricultura em razão da acidez do solo, ele é hoje um dos maiores produtores globais de soja.
A Embrapa desconcertou os dogmas liberais contra estatais e os socialistas contra o capitalismo no campo. Mas isso não significa que as propostas virtuosas de um e outro lado não possam ser construtivas para o futuro da empresa.
O seu tempo de vacas gordas passou e a “joia da coroa” estatal está esmaecida, em parte vítima de seu próprio sucesso. A riqueza acumulada pelo agro atraiu multinacionais que ocuparam seu lugar no fornecimento de tecnologias. A burocracia estatal trava a captação de recursos com licenciamento e comercialização de tecnologia que permitiriam canalizar recursos públicos a desafios sem valor direto de mercado, como a sustentabilidade ambiental e social: a grande contribuição do Brasil contra as mudanças climáticas será reduzir as emissões e desmates da agropecuária, e milhões de famílias no campo estão marginalizadas por falta de acesso às técnicas e tecnologias que impulsionaram o agronegócio em escala industrial. Somem-se a isso desafios estruturais, como o transporte, ou estratégicos, como a dependência de fertilizantes russos.
Nos tempos pré-históricos, a revolução da agricultura e do pastoreio deu à luz a civilização. Hoje, ao desafio do campo de alimentar bilhões de humanos e abastecer sua indústria, soma-se o desafio de preservar a natureza. O Brasil é chave para superá-los. Mas sua principal empresa de pesquisa está envelhecida.
Todos os dias instituições criadas por humanos nascem e morrem. Mas a beleza delas é que, ao contrário de seus criadores, não precisam morrer. Mesmo as velhas podem rejuvenescer. Este jornal, por exemplo, semeia há 148 anos o progresso da República. A Embrapa semeia há 50 anos o progresso da agropecuária. Foi uma história épica. Cabe apenas à Embrapa e a seu dono, o povo brasileiro, decidir se essa epopeia está no seu capítulo final ou só no primeiro (O Estado de S.Paulo, 1/5/23)