08/06/2025

Mendonça está certo sobre regulação das redes – Editorial Folha de S.Paulo

Mendonça está certo sobre regulação das redes – Editorial Folha de S.Paulo

Ministro do STF adere aos princípios constitucionais da liberdade de expressão no julgamento do Marco Civil da Internet.

 

O regime constitucional brasileiro assegura a ampla liberdade de expressão e proíbe categoricamente a censura. Qualquer regulamentação das atividades de comunicação precisa respeitar esses mandamentos sob pena de ser banida do ordenamento legal.

 

Marco Civil da Internet, promulgado em 2014 após amplo debate na sociedade e no Congresso Nacional, atende satisfatoriamente aos requisitos constitucionais.

 

Em seu artigo 19, o código determina que as plataformas que provêm o serviço podem ser responsabilizadas legalmente apenas no caso de se recusarem a cumprir ordem judicial determinando a remoção de conteúdo produzido por usuários.

 

Nada mais coerente com a ampla garantia à expressão do que delegar decisões de banir manifestações, que ainda assim deveriam ser excepcionais e criteriosas, à autoridade do Poder neutro do Judiciário, cujas ordens devem estar embasadas em sólida argumentação legal e estão em regra sujeitas a recurso e revisão.

 

O intérprete canônico dos códigos não terá, portanto, estranhado a argumentação do ministro André Mendonça no julgamento que discute a responsabilização de provedores. Ele foi o primeiro dos quatro do Supremo Tribunal Federal que se manifestaram até agora —também votaram Dias ToffoliLuiz Fux e Luís Roberto Barroso— a reconhecer a adequação do artigo 19 à Carta.

 

Mendonça foi além ao afirmar que, à luz da Constituiçãoa Justiça não deveria agir para derrubar perfis inteiros das redes sociais, como se tornou frequente em ordens de seu colega Alexandre de Moraes. Que se remova a publicação específica que fere a lei, mas é abusivo proibir seu autor de continuar a se expressar.

 

O ministro lembrou da importância de resguardar direitos fundamentais que têm sido ignorados no país —como o de as partes atingidas por ordem de remoção terem acesso ao teor da acusação, para que possam se defender.

 

Ordens secretas, emitidas sem que o acusado tenha o direito de conhecer a acusação, remetem às piores práticas do absolutismo monárquico que predominou na Europa entre os séculos 16 e 17 —e constituem abominação.

 

É lamentável constatar que o juízo de bom senso e de rigorosa aderência aos princípios constitucionais expressados pelo ministro tende a ser francamente minoritário na cúpula da Justiça.

 

A maioria do tribunal, outrora guardiã zelosa da ampla liberdade de expressão, converteu-se à heterodoxia e ao relativismo. Considerações subjetivas e meândricas sobre a mudança dos tempos e das tecnologias ganham precedência sobre a extração direta do significado dos textos legais e julgados fundamentais.

 

A prevalecer a tendência dos primeiros votos, o STF também caminha para mais invasão de atribuições do Legislativo. A tarefa de regular a internet, aliás já realizada em 2014, é do Congresso. Os ministros deveriam reconhecer sua limitação nesse caso (Folha, 7/6/25)