Mercado de commodities agrícolas: um novo boom? – Por Geraldo Barros
Com respeito ao comportamento dos mercados de commodities agrícolas, em primeiro lugar, precisa ficar claro que não há, no horizonte de cerca de um ano, fundamentos setoriais reais para que se espere um arranque para um novo ciclo de forte alta (um “boom”). O pujante ciclo observado nos anos 2000 foi decorrente de um fator real: uma demanda mundial acelerada relacionada ao avanço inédito da economia chinesa – de 8% a 12% ao ano –, levando as commodities agrícolas a dobrarem seus preços em dólares em 8 anos. Após sedimentarem-se os efeitos da crise financeira de 2008, os elevados patamares foram retomados, até, pelo menos, 2014. Desde então, em níveis 20% a 30% menores em relação pico alcançado – com os mercados aparentemente equilibrados –, os preços vêm se sustentando e assim deverão prosseguir – com oscilações, é claro – graças aos elevados níveis de renda e consumo alcançados pela China, que vinha evoluindo mais “moderadamente”, na casa dos 7%.
Com a pandemia, essa tendência na China se quebra em 2020 (crescimento em torno de 2 %) – nada comparável ao imenso tombo que se observou na imensa maioria dos países; mas uma retomada de 8,2% em 2021 já é esperada, com provável volta para os níveis pré-crise. Com isso, os preços das commodities deverão manter, em média, os patamares favoráveis dos últimos 5 anos, independentemente dos rumos – muito incertos – da pandemia. Alimentos, especialmente, e matérias-primas agrícolas são bens de primeira (ou elevada) prioridade, sustentando-se ou resistindo mesmo diante de crises econômicas profundas, como a atual em escala mundial. Da mesma forma, não se impactam demasiadamente diante de uma recuperação econômica que possa vir a ocorrer num cenário muito otimista. Entretanto, no restante do mundo, o que se observa não é uma recuperação em U, muito menos em V. O que tem predominado é uma evolução em K: alguns setores crescendo outros encolhendo, conforme os efeitos da crise sobre a oferta e demanda de cada um.
Além dos fundamentos setoriais reais, deve ser feita a ressalva de que as commodities – por serem armazenáveis e apresentarem oferta relativamente inelástica no curto prazo – admitem importantes efeitos do lado financeiro, associados basicamente à liquidez mundial e ao comportamento dos juros, especialmente nos EUA. O cenário financeiro mais provável em 2021 é o de alta liquidez mundial e baixas taxas de juros, propício para um dólar mais desvalorizado atraindo a atenção para investimentos em commodities (Fundos de Commodities e Multimercados). Todos esses fatores também trabalham para uma sustentação de preços e possível alta especulativa (bolha), pari passu às equities em geral, conforme o apetite para o risco, que cresce diante da remuneração muito baixa dos ativos mais seguros. Uma questão, ainda em avaliação, é a extensão dos estímulos fiscais que podem vir a ser aplicados pela nova administração norte-americana, que podem vir com octanagem suficiente para afetar a economia mundial com impactos financeiros ainda não mensuráveis.
Em outras palavras: um descontrole de preços de commodities agrícolas poderia advir de erros exagerados na condução da política macroeconômica dos vários países – mormente os Estados Unidos – ou, enfatize-se, da incompetência dos governos de desviarem-se das armadilhas por eles próprios criadas. Em qualquer caso, as taxas de câmbio e os juros – e através dela, os preços das commodities – serão os reflexos da razoabilidade das medidas tomadas nas principais potências. A internalização no Brasil desses efeitos depende, evidentemente, das ações adotadas por aqui, do lado econômico e do lado institucional.
De qualquer maneira, é notório que, no agronegócio brasileiro, a agropecuária segue numa trajetória com taxa anual real de crescimento de longo prazo de 3,5% ao ano (contra 2,2% para o País) e com exportações (em valor) se expandindo, em média, a mais de 6% ao ano. É um crescimento lastreado fundamentalmente na produtividade e, logo, no uso de insumos modernos (maquinário, agroquímicos, sementes, etc.). Isso vem acontecendo a despeito da queda real de preços agropecuários de 1,7% ao ano, devido principalmente à sobrevalorização cambial real que prevalece desde 2002 e ainda está longe de ser revertida. Ou seja, um boom de commodities, como a história tem mostrado, favorece, quase sempre, a economia brasileira, mas não necessariamente o agronegócio em particular.
A tendência é, portanto, de manutenção do crescimento do agronegócio e do uso de insumos portadores de tecnologia até que, talvez no médio prazo, concorrentes eficientes e de porte, além dos já existentes, surjam no mercado ou que o Brasil, por um erro lamentável, deixe de apoiar o agronegócio mediante investimentos em ciência e tecnologia e políticas agrícolas favoráveis à liquidez e ao controle de riscos ambientais, de pragas e doenças, e de mercado. Uma ameaça que ronda o setor é a crônica crise fiscal que – não sendo tratada nas suas causas – pode vir a sacrificar recursos que deveriam ser aplicados no setor ou, como volta e meia se cogita, sangrar o agronegócio por meio de taxação às exportações. Um erro crasso seria cometido, pois são as exportações que viabilizam a escala de produção lastreada na tecnologia e, logo, a competividade externa bem como a alimentação a custo acessível à população brasileira. Ademais, a receita externa real do agronegócio em moeda nacional por causa da persistente valorização cambial, como regra, não acompanha a receita em dólares, estando quase sempre bastante defasada.
Excluídos tais desvios de rumo, a tendência positiva do agronegócio deve prosseguir. É preciso deixar claro, porém, que, em torno dessa tendência, a produção agropecuária oscila ao sabor de muitos fatores de risco – clima, pragas e doenças, oscilações de cunho financeiro e comercial –, contribuindo ora para aumento, ora para queda da inflação. Mas, na realidade, em média, nos últimos 20 anos, o impacto do agronegócio na inflação tem sido neutro, com as altas inesperadas de preços sendo compensadas pelas baixas ao longo do tempo (Geraldo Barros é coordenador científico do Cepea; Assessoria de Comunicação, 11/2/21)