01/07/2019

Mercosul & União Europeia: Enfim, a hora de trocar a tabuleta velha

Mercosul & União Europeia: Enfim, a hora de trocar a tabuleta velha

Por Carlos Gomes Monteiro

 

Depois de 20 anos de negociações, na última sexta-feira (28), em Bruxelas, finalmente foi assinado o acordo para a criação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

As expectativas são as melhores possíveis para o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, já que, em um período de até dez anos, 90% dos produtos exportados pelos países do Mercosul entrarão no bloco europeu livre de tarifas de importação.

O acordo organiza a maior área de livre comércio do mundo abrangendo 780 milhões de pessoas e 25% do PIB mundial.

As estimativas para o Brasil são estimulantes. Em 15 anos, as exportações para a União Europeia devem aumentar em cerca de 100 bilhões de dólares. O incremento de U$ 125 bilhões no PIB brasileiro e investimentos da ordem de U$ 113 bilhões estão previstos no mesmo período.

Na plena vigência do acordo, os produtos agrícolas brasileiros e os industrializados europeus deixarão de ser tarifados.

Segundo a Ministra Tereza Cristina declarou: “Na área agrícola, teremos muitos produtos, de frutas a carnes, um menu cheio de opções para que os produtores brasileiros acessem esse grande mercado que é a União Europeia.”

O Secretário Especial de Comercio Exterior e Assuntos Internacionais Marcos Troyjo, em entrevista à Rádio Jovem Pan, no dia 28 de junho, fez uma importante declaração, apresentando de modo assertivo as enormes oportunidades criadas a partir do acordo: “O acordo representa uma mudança de modelo. Durante décadas o Brasil privilegiou a insularidade comercial, as antigas políticas de substituição de importações, o protecionismo e, agora, com o acordo, temos a oportunidade de nos vincular competitivamente às chamadas redes globais de valor.”

Ao mesmo tempo que as palavras do secretário Troyjo apontam a oportunidade, nos levam a refletir a respeito das profundas mudanças exigidas com a nossa vinculação às redes globais de valor.

O governo demonstrou intenção em realizar uma ampla e substantiva reforma tributária, no entanto, sabemos que muitas barreiras devem ser superadas até sua aprovação pelo Congresso Nacional.

Também serão necessárias transformações positivas nos sistemas logísticos da cadeia de valor. A gestão do Ministro Tarcísio Gomes de Freitas tem sido efetiva na implementação de uma política nacional de aperfeiçoamento da infraestrutura de transporte. Espera-se muito bons resultados nessa área, reduzindo custos de produção, a partir do aperfeiçoamento da infraestrutura logística.

Um outro ponto a considerar, com a inserção das empresas brasileiras nas redes globais de valor, fixa-se na busca de convergência regulatória.

O estudo “Coerência e convergência regulatória no comércio exterior: o caso do Brasil frente à União Europeia e Estados Unidos, com ênfase na experiência do Reino Unido”, apresentado em 2017 pelas Professoras Doutoras Vera Thorstensen e Michelle Ratton Sanchez Badin, sublinha que o conceito de regulação econômica não se limita exclusivamente à regulação normativa, mas também ao controle e a fiscalização.

Não só as atividades dos governos são reguladas. Todas as ações dos agentes econômicos, no âmbito interno dos países, também o são. Na área do comércio internacional, em particular, há uma sobreposição de regulações.

Nossas organizações precisarão investir nesse alinhamento regulatório para participar competitivamente no novo mercado. A inserção nas redes globais de valor estimulará a desverticalização das cadeias de produção e a adoção de princípios e normas, ainda não implementados, que moldarão novas condutas e poderão gerar exigências de certificação internacional.

Diante de tantas transformações requeridas, fica fácil perceber que a cultura organizacional de nossas empresas irá mudar.

É preciso fazer a gestão da transformação que, já sabemos, ocorrerá para evitar solavancos, turbulências, conflitos, crises e insucesso.

Transformações sempre geram resistências, que na maioria das vezes se sustentam na reconhecida aversão do gestor brasileiro à mudança, mesmo que tudo indique que mudaremos para melhor.

Há alguns anos, gestores resistem a adoção de metodologias e processos de gestão de riscos e de gestão da integridade, do Compliance, considerando que os custos de sua implementação não correspondem aos benefícios decorrentes.

É uma questão de visão que, esperamos, a necessidade de evolução do modelo atual de governança corporativa possa também transformar.

O revolucionário acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia promoverá alterações marcantes na natureza da concorrência empresarial, que será submetida a novas condicionantes do ambiente de economia internacional, onde será necessário gestores motivados à reduzir custos de transação e a diminuir riscos.

Para ilustrar esse argumento vale uma visita ao penúltimo romance de Machado de Assis, Esaú e Jacó.

O livro lançado no ano de 1904, leva o leitor ao Brasil dos dias da transição entre o império e a proclamação da república, em 15 de novembro de 1889.

Na brilhante narrativa do “Mago do Cosme Velho” encontramos o interessante episódio em que Custódio, dono da Confeitaria do Império situada na Rua do Catete, procura o Ministro Conselheiro Aires para pedir-lhe uma opinião.

Custódio, tecendo interessantes conjecturas, assinala sua dúvida: será que não deveria aproveitar a troca da tabuleta velha para também trocar o nome do estabelecimento para Confeitaria da República?

Machado, aprofunda o dilema de Custódio, com sagacidade e ironia, para fazer uma sutil exposição da particular cultura do empreendedor brasileiro daquela época.

“_ Justamente, é isso mesmo. Tanto me aconselharam que fizesse reformar a tabuleta que afinal consenti, e fi-la tirar por dois empregados. A vizinhança veio para assistir ao trabalho e parecia rir de mim. Já tinha falado a um pintor da Rua da Assembleia; não ajustei o preço porque ele queria ver primeiro a obra. Ontem, à tarde, lá foi um caixeiro, e sabe V Excia. o que me mandou dizer o pintor? Que a tábua está velha, e precisa outra; a madeira não aguenta tinta. Lá fui às carreiras. Não pude convencê-lo a pintar na mesma madeira; mostrou-me que estava rachada e comida de bichos. Pois cá de baixo não se via. Teimei que pintasse assim mesmo; respondeu-me e não faria obra que se estragasse logo.

_ Pois reforme tudo. Pintura nova em madeira velha não vale nada. Agora verá que dura pelo resto da nossa vida.

_ A outra também durava; bastava só avivar as letras.”

 

O personagem, dono da Confeitaria do Império, personifica a aversão à mudança do gestor. Sua contrariedade diante de gastos adicionais não planejados e de sua pouca visão ao imaginar que a alteração no cenário político (de monarquia para república) representava unicamente uma mera mudança no título de seu negócio.

O mindset de Custódio não lhe permite concluir, sem ajuda de outra pessoa, que “pintura nova em madeira velha não vale nada”. Como Machado destaca no texto, o comerciante não queria trocar a tabuleta apenas por economia, mas, também, por afeição à tabuleta velha.

Diante das oportunidades criadas com o acordo, será necessário “virar algumas chaves”, mudar o ‘mindset’ e transformar a cultura organizacional, sobretudo em setores produtivos mais resistentes.

Em comentário recente, no Painel WW, William Waack nos lembra do esforço do setor sucroenergético em transformar o etanol em uma commodity internacional. Chegou o momento de ver todo esse esforço recompensado.

Em Araçatuba, no 12º Congresso Nacional de Bioenergia promovido pela UDOP (União dos Produtores de Bioenergia) farei uma palestra e tratarei da gestão de pessoas para a transformação organizacional decorrente da implementação de programas de integridade, da implantação do Compliance.

Vamos conversar e constatar que o setor sucroenergético e outros do agronegócio já vislumbram a necessidade de mudança, que advirá das novas possibilidades de mercado que acompanham a revolução comercial positiva que esperamos.

Precisamos nos preparar para essa transformação. Esperamos por ela há mais de 20 anos.

Machado de Assis em seu romance também nos lembra que “revoluções trazem sempre despesas”.

Não estamos apenas trocando um nome pelo outro, mas sim trocando a tabuleta velha. Para isso precisamos planejar, executar, controlar e corrigir num ciclo de transformação permanente.

O momento certo de começar é agora.

Enfim, esta é a hora de trocar a tabuleta velha! (Carlos Roberto Monteiro é especialista em Gerenciamento de Riscos, Inteligência e Compliance. É mestre e doutor em Ciências Militares. Foi Chefe da Agência de Inteligência do Comando Militar do Leste do Exército Brasileiro – Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais – e comandante e diretor de Ensino da Escola de Inteligência Militar do Exército Brasileiro)