02/06/2022

Ministério vê como absurda decisão da Aneel que beneficiou térmica da J&F

Ministério vê como absurda decisão da Aneel que beneficiou térmica da J&F

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Sachsida pediu a diretora-geral Camila Bomfim que encerre a questão o quanto antes.

O MME (Ministério de Minas e Energia) passou a questionar a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para que suspenda a autorização dada a uma empresa do grupo J&F (controladora da empresa global do setor de carnes JBS) para fornecer energia por meio de uma usina já existente no lugar de outras que estão com cronograma de construção atrasado.

Em reunião no MME, o ministro Adolfo Sachsida disse à diretora-geral interina, Camila Figueiredo Bomfim, que a agência precisa encerrar a questão o quanto antes, suspendendo a cautelar que libera o uso da térmica de Cuiabá no lugar das demais previstas em contrato de fornecimento de energia. A fala dele tem sido descrita entre interlocutores do setor de energia como enfática.

O ministério forma coro com o TCU (Tribunal de Contas da União), que já pediu esclarecimento formal à agência, e entidades de defesa do consumidor, que protocolaram recursos na agência solicitando a imediata suspensão da operação.

Pela regra do leilão do qual a empresa participou —um PCS (Procedimento Competitivo Simplificado) realizado em outubro passado— só poderiam participar novos projetos.

Todas as 17 térmicas que venceram o certame, inclusive as quatro da Âmbar Energia (do grupo J&F), deveriam entrar em operação em 1º de maio. Em caso de atraso, a usina deveria pagar multa enquanto não fornece energia da maneira prevista e ter o contrato cancelado em 1º de agosto caso não consiga acionar as novas usinas até lá.

Uma decisão provisória da Aneel, no entanto, abriu exceção para os projetos da Âmbar. Em medida cautelar permitiu que, enquanto as térmicas atrasadas não operam, a energia será fornecida pela térmica Mário Covas, de Cuiabá, que também pertence à Âmbar.

A decisão cautelar também suspendeu a multa de R$ 209 milhões por mês e permitiu o pagamento de uma receita da ordem de R$ 1.761,30 por MWh, a ser debitada na conta de luz de todos os brasileiros.

Sachsida tem dito a quem acompanha a questão que considera a cautelar um absurdo e que, ciente de que não pode interferir numa agência reguladora, solicitou aos técnicos que busquem alternativas pelas vias legais para reverter a medida, caso a Aneel não haja com diligência.

Segundo relatos feitos à Folha, o MME pode reformar uma decisão da Aneel em um caso muito específico: quando considerar que a agência se desviou da implementação da política traçada pelo ministério.

Técnicos da pasta já encontraram uma brecha. Pode-se argumentar que a decisão da Aneel viola a política da pasta, que está estabelecida pelo ministério na Portaria 24/2021, que trata do PCS. No texto, está determinado que a energia deve ser de novas usinas.

Como a usina de Cuiabá está em operação desde 2001, não se enquadra como novo projeto.

Existe outra regra que vem sendo usada pelas pessoas contrárias à medida. No PCS, a energia obrigatoriamente deve ser entregue pelas vencedoras do leilão, conforme destaca a cláusula 4.4 do contrato.

"A energia definida no contrato não poderá ser entregue por outra usina do vendedor, por outro agente da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], nem pelo conjunto dos agentes em razão de operação otimizada do SIN [Sistema Interligado Nacional]", destaca o texto.

A avaliação no mercado é que a diretora-geral já teria condições de encerrar a questão.

ENTIDADES MOBILIZADAS

Entidades que questionam a cautelar e pedem sua suspensão centraram esforços em argumentos técnicos no pedido de suspensão da cautelar.

A Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), que representa principalmente empresas que dependem da eletricidade em grande escala, fez um recurso detalhado em que destaca o prejuízo para o consumidor.

"O interesse dos consumidores é não pagar por esta energia cara, desnecessária, e que, caso acolhidos os pleitos das Interessadas, irá infringir diversas normas", afirma o texto. A entidade cita que a cautelar se contrapõe à Medida Provisória que tratou da crise hídrica, a uma resolução da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, a uma portaria do Ministério das Minas e Energia sobre o tema, ao edital do leilão e ao contrato firmado pela empresa.

"A Abrace tem grande confiança no processo decisório da Aneel e na solidez dos argumentos levados à Agência", diz à reportagem Paulo Pedrosa, presidente da entidade. "Com o envolvimento das superintendências e da procuradoria e com o debate de mérito entre os diretores é natural a reversão da decisão cautelar que penaliza os consumidores."

A Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia), que também pediu a suspensão, apresentou questionamentos diretos aos argumentos de Efrain da Cruz. Destacou que o voto do relator "é frágil quanto aos aspectos técnicos e inaceitáveis sob o aspecto jurídico". A entidade não descarta levar o caso à Justiça.

"O que o diretor Efrain está fazendo com a decisão é romper contratos. Isso abre um precedente muito perigoso", afirma a diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Anace, Mariana Amim, em nota sobre a questão. "Quando o contrato é desfavorável para o empreendedor, pode ser alterado, mas, quando é desfavorável ao consumidor, tem de ser cumprido? Espero que o bom senso faça com que a Aneel reveja a decisão."

O Instituto Polis, entidade da sociedade civil que defende direitos do consumidor, também pediu a suspensão da cautelar em recurso elaborado pelo escritório de advocacia Carvalho Siqueira afirmando que considera a decisão uma irracionalidade financeira.

Os advogados lembram que as usinas dos PSC foram pensadas durante o momento de seca para operarem como opções antiapagão e para preservar reservatórios. Agora, no entanto, os lagos das hidrelétricas estão com 70% da capacidade. No mercado à vista, a energia sai por 55 MWh.

"Nesse contexto, torna-se ainda mais absurda a decisão da Aneel", afirma em nota o coordenador de projeto do Instituto Polis, Clauber Leite.

Pelas regras da Aneel, os pedidos de efeito suspensivo apresentados pelas entidades abrem espaço para uma decisão monocrática do diretor-geral da agência.

Diretor que atuou como relator do caso e defendeu a medida, Efrain Pereira da Cruz está se despedindo da agência. Tentou ser indicado para o cargo de diretor-geral, uma vez que não poderia ser reconduzindo para o mesmo posto, mas na questão tem dois aliados importantes.

Os dois outros diretores, presentes na reunião que aprovou a cautelar, e que acompanharam o voto do relator, permanecem na agência.

Hélvio Neves Guerra, que presidiu os trabalhos no encontro, foi reconduzido. Sandoval de Araújo Feitosa Neto vai assumir o cargo principal (o de diretor-geral da agência) em agosto.

Efraim tem atuado nos bastidores para que a cautelar não seja derrubada, pois essa é tendência entre os técnicos da agência.

Em janeiro, a Âmbar fez um primeiro pedido para fornecer a energia da térmica Mário Covas enquanto os novos projetos não ficavam prontos. Naquela ocasião, recebeu uma negativa da área técnica.

A empresa reapresentou o pedido, solicitando a cautelar em abril, e conseguiu sinal verde em 17 de maio —antes de os técnicos e a procuradoria reavaliarem a nova proposta, que estava em sigilo.

OUTRO LADO

Procurada para comentar os questionamentos, a Aneel não se manifestou até a publicação deste texto.

A Âmbar não comentou o posicionamento do MME até a publicação deste texto. No entanto, na nota em que comenta os argumentos das entidades, destaca que conseguirá atender o prazo limite de 90 dias.

"Os recursos perante a Aneel partem da premissa falsa de que as quatro usinas assumidas pela Âmbar não entrariam em operação comercial dentro do período de 90 dias previstos em contrato", afirma o texto.

A empresa não comenta o atraso na entrada em operação, que venceu em 1º de maio.

A Âmbar também diz que apresentou à Aneel duas alternativas de cumprimento dos contratos: geração das quatro usinas ou geração da UTE Mário Covas, com redução de receita fixa e custo variável unitário, totalizando um benefício estimado de R$ 650 milhões em favor dos consumidores.

A empresa destaca ainda que requerimento é sustentado por precedentes do TCU e do Superior Tribunal de Justiça.

Diz ainda que, caso a Aneel não confirme a aceitação da geração Mário Covas, os contratos serão cumpridos com a geração das quatros usinas, que se encontram na iminência de iniciar operação comercial, sem a economia proposta pela Âmbar.

"Não há, portanto, hipótese em que o contrato não seja cumprido. Por trás dessa narrativa fantasiosa está uma mera tentativa de romper contratos irregularmente", afirma o texto (Folha de S.Paulo, 2/6/22)