16/03/2020

Modernização e políticas públicas – Por José Goldemberg

Modernização e políticas públicas – Por José Goldemberg

É útil começar já a entender o que fazem os países da OCDE e comparar com o Brasil.

Está aberto o caminho para que o Brasil passe a integrar a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais conhecida como o “clube dos países ricos”. Fazem parte dela os 36 países mais avançados do mundo, onde se concentram mais de 40% da riqueza mundial.

Na prática, o Brasil, a oitava economia mundial, não é mais considerado um “país em desenvolvimento”, como é o caso de muitos países da África. E o ingresso na OCDE vai nos levar a alinhar certos procedimentos na economia e administração do País com os demais países do grupo. 

Umas das áreas em que isso vai ter de ser feito é a do desenvolvimento científico e tecnológico, que é um componente essencial da modernização. É útil, portanto, começar a entender desde já as políticas públicas e os instrumentos que os países da OCDE utilizam e compará-los com os que estão sendo adotados hoje no Brasil.

Um documento útil para esse fim é o intitulado Colaboração Universidade-Indústria, publicado em 2019 pela OCDE, que analisa as políticas públicas dos países-membros da organização para apoiar a transferência de conhecimentos das universidades para a indústria. Esse não é um problema novo no mundo, nem no Brasil, e nos força a tentar entender o papel das universidades em geral na sociedade.

Até a criação da Universidade de Bolonha, por alunos e mestres independentes, há mais de 800 anos, todo o ensino e os estudos eram feitos apenas em estabelecimentos religiosos. Após a sua criação, seguida pela fundação de muitas outras, as universidades tornaram-se centros de pensamento intelectual e nelas se desenvolveram as grandes ideias filosóficas e científicas que abriram novos horizontes, para além dos permitidos pela Igreja Católica na época.

Sucede que as áreas mais técnicas, como a engenharia, se mantiveram fora das universidades, o que não significa que não se tenham desenvolvido nas próprias indústrias. Elas só foram incorporadas às universidades muito mais tarde, em alguns países, como na Inglaterra, isso só foi feito no século 20.

Essa é uma das razões por que muitas universidades adquiriram a reputação de ser elitistas e acadêmicas, verdadeiras “torres de marfim” desligadas da realidade.

Os países da OCDE, contudo, já superaram o preconceito de que as “grandes ideias” e inovações somente se originam nas universidades e que “técnicos”, fora delas, as põem em prática, ou seja, que existe uma hierarquia entre “acadêmicos, superiores”, e “técnicos, inferiores”.

Ambos trabalham em paralelo e se realimentam. Na indústria dos Estados Unidos, pesquisas acadêmicas contribuem de maneira decisiva e rápida para a produção de menos de 10% dos produtos fabricados por ela. É por essas razões que não são as universidades as grandes geradoras de patentes, mas os egressos delas que criaram empresas ou trabalham em empresas já existentes. Em muitos casos os próprios professores das universidades são sócios de empresas.

Um dos melhores exemplos é dado pela Universidade Stanford, que com seu excelente sistema de ensino e pesquisa acadêmica de alto nível deu origem ao Vale do Silício, que se formou em torno dela e onde seus ex-alunos se estabeleceram, criando inúmeras empresas.

O relatório da OCDE lista 21 políticas adotadas nos seus países-membros para estimular esse tipo da interação criativa de transferir conhecimentos das universidades para o setor industrial: 11 delas são instrumentos financeiros, como subsídios, bolsas de estudos, compras públicas, manutenção conjunta de laboratórios de pesquisa e outros. Cinco são instrumentos regulatórios, sobretudo na área de patentes. E outros cinco são estímulos à cooperação, programas de treinamento e formulação conjunta de estratégias de desenvolvimento.

A grande maioria dessas políticas já existe no Brasil, pela ação dos diversos órgãos do governo, como Capes, CNPq, Finep, e das fundações de amparo a pesquisas estaduais, das quais o melhor exemplo é a Fapesp, em São Paulo. Somam-se a elas os fundos setoriais, que são alimentados por uma taxa de 1% do produto bruto do faturamento de empresas de energia e telecomunicações.

Quando a demanda por tecnologia era elevada, como foi no País durante a construção de grandes obras de infraestrutura, como em petróleo, estradas e hidrelétricas, surgiram empresas de engenharia como a Promon e a Hidroservice, entre outras, formadas por egressos das nossas universidades que utilizaram seus serviços e sua competência.

A visão de que as universidades vivem numa “torre de marfim” no Brasil é incorreta. Elas estão funcionando satisfatoriamente, de modo geral, para os fins para os quais foram criadas, que são a formação de recursos humanos em todas as áreas (incluídas as de humanidades), mas a demanda por seus serviços e sua competência é ainda baixa e só aumentará com uma retomada vigorosa de investimentos em infraestrutura e da economia em geral, que depende de políticas governamentais (José Goldemberg é Professor Emérito e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e foi ministro da Ciência e Tecnologia; O Estado de S.Paulo, 16/3/20)