Mourão abre diálogo com ONGs ambientais criticadas por Bolsonaro
Legenda: Vice-presidente, Hamilton Mourão abre diálogo com ONGs ambientais para elaboração de políticas públicas de proteção da Amazônia - Adriano Machado - 15.jul.2020/Reuters
Vice-presidente deve se reunir com entidades para discutir políticas para a floresta amazônica.
Em um contraponto ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o vice-presidente, Hamilton Mourão, decidiu iniciar diálogo com representantes de ONGs (organizações não governamentais) que atuam na área ambiental para discutir medidas de preservação à floresta amazônica.
No ano passado, Bolsonaro apontou as entidades civis como adversárias da atual gestão e, sem provas, disse que elas podem ter promovido queimadas ilegais. Segundo o presidente, o objetivo era prejudicar a imagem do governo no exterior.
Em esforço para melhorar a relação, o general da reserva, que comanda o Conselho da Amazônia, se reuniu na terça-feira (28) com o comando da Fundação Amazonas Sustentável, entidades civil que promove políticas de desenvolvimento sustentável.
Segundo relatos de presentes, durante o encontro, o vice-presidente disse que, até o fim deste ano, deve se encontrar com representantes de outras entidades ambientais e que não as excluirá do debate em torno da preservação da floresta amazônica.
Procurado pela Folha, Mourão disse que, até o momento, não tem novo encontro marcado, mas ressaltou que novas reuniões podem ser promovidas e que não se furtará "a conversar com ninguém" para a implementação de políticas ambientais.
"Eu recebi aqui o pessoal da Fudação Amazonas Sustentável. E, em um próximo momento, a gente pode receber outras organizações do mesmo estilo. Todo mundo. Não me furto a conversar com ninguém, não sou dono da verdade", disse o vice-presidente.
Congressistas que se reuniram com Mourão nas últimas semanas elogiam o aceno dele aos representantes da sociedade civil. Na avaliação deles, o vice-presidente acerta ao tentar reconstruir pontes de diálogo que quase foram implodidas por Bolsonaro e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
"Ele é cabeça aberta, aceita dialogar, é essencial que haja diálogo", afirmou o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). "Com o Salles não tem mais diálogo nenhum."
Ele esteve com o vice-presidente no fim de junho, acompanhado de dois representantes da sociedade civil —André Lima, ex-secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, e André Guimarães, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
"A sociedade civil está com raiva de tudo o que está acontecendo no Ministério do Meio Ambiente, mas nunca se negou a continuar dialogando", afirmou Agostinho. "A situação no Cerrado e na Amazônia é desesperadora. Se puder dialogar com alguém para dizer o que pensa, a sociedade vai dialogar. Ele [Mourão] está dando essa abertura."
Há, ainda, a intenção de atrair investidores que, nos últimos meses, ameaçaram se afastar e retirar dinheiro do país por causa da política ambiental do governo.
"Essa sinalização é um gesto efetivo do governo para as embaixadas da Alemanha e da Noruega, que travaram recursos do Fundo Amazônia", afirmou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Ele esteve com o vice-presidente na terça, acompanhado de Virgilio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável.
"Se o Brasil tivesse dinheiro para substituir o fundo e modelo de governança para substituir as ações do terceiro setor, bacana. O problema é que não tem dinheiro e não tem mecanismo para substituir a governança, porque os órgãos de fiscalização ambiental estão desmontados", disse o deputado.
No ano passado, Bolsonaro extinguiu colegiados federais que tinham a participação de entidades da sociedade civil e afirmou que cortou recursos que antes eram repassados ao terceiro setor.
O presidente do ICMBio, coronel Homero Cerqueira, chegou a dizer que havia muitas entidades civis na floresta amazônica e poucas no Nordeste. No entanto, das 820.455 ONGs no país, apenas 8% estão no Norte.
Em gestões anteriores, o Brasil manteve uma política de construção conjunta de políticas públicas com entidades ambientalistas por meio do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), criado em 1981.No ano passado, o Ministério do Meio Ambiente alterou as regras do Conama, diminuindo a representação da sociedade civil —cuja participação foi imposta como condição pelo G7 para doar dinheiro às florestas brasileiras ainda nos anos 1980.
Além disso, ao longo dos anos, a atuação das ONGs alavancou a posição brasileira nas negociações climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas), que levou ao estabelecimento do mecanismo internacional Redd (redução de emissões de desmatamento e degradação da floresta) (Folha de S.Paulo, 1/8/20)
Após exonerações no Ibama, desmate volta a crescer em área indígena do PA
Legenda: Queimada em área desmatada para formação de pasto dentro da Terra Indígena Trincheira Bacajá, no Pará - Lalo de Almeida/Folhapress
Terra Indígena Trincheira Bacajá sofre com queimadas para formação de pasto e centenas de invasores.
Três meses após uma grande operação do Ibama contra crimes ambientais, a Terra Indígena (TI) Trincheira Bacajá, no sudeste do Pará, voltou a sofrer com o aumento do desmatamento ilegal e com a presença em massa de não indígenas.
Na semana passada, a reportagem da Folha flagrou um grande incêndio florestal em ramal (estrada de terra) a cerca de 20 km da Vila Sudoeste, pertencente ao município de São Félix do Xingu. O fogo já havia pulado para um pasto e ameaçava o gado. No ar, dois pares de araras voavam em círculos, provavelmente tentando alcançar os ninhos cercados pelas chamas.
“Tiraram uma beira, ali. Aí, ficou um foguinho. De um foguinho, virou um fogão. Agora, queimou um monte de mango [madeira serrada] de curral de um homem ali, ficou só a cinza”, afirmou um invasor, que se identificou como Márcio. Dono dos bois, ele chegou apressado de moto com uma motosserra na garupa. “Vou tirar uns paus queimando e aparar [o fogo].”
Pasto, desmatamento, bois, curral e estrada —tudo ali é ilegal, pois está dentro da TI Trincheira Bacajá, homologada em 1996 e habitada pelo povo xikrin, falantes da língua caiapó. As invasões tiveram início em 2016, por meio de ramais ilegais usados para roubo de madeira, mas o desmatamento explodiu no ano passado, após as promessas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de revisar demarcações de terras indígenas e de abri-las para agricultura e pecuária.
Em abril, a região foi alvo de uma grande operação do Ibama. Os fiscais destruíram parcialmente uma ponte de madeira de acesso à TI, construída junto com um aterro de cerca de 300 metros que danificou as margens do rio Negro (diferente do que corta o estado do Amazonas). Na Vila Sudoeste, o órgão ambiental desmontou duas serrarias que se abasteciam de madeira ilegal do território xikrin.
Além disso, o Ibama multou a Prefeitura de São Félix do Xingu (por permitir a via de acesso até a TI), o presidente da associação dos invasores, Arilson Brandão, e o vereador Silvio Coelho, aliado e correligionário do senador Zequinha Marinho (PSC-PA), que vem apoiando invasores de terras indígenas localizadas no Médio Xingu.
Via assessoria jurídica, a prefeita de São Félix, Minervina Barros (PSD), informou ter recorrido da multa aplicada pelo Ibama. A administração afirma que as pontes e as estradas de acesso à invasão estão entre um assentamento do Incra e uma terra indígena, ambas áreas de competência federal.
“Importante frisar que o município de São Félix do Xingu possui área de 84,2 mil km², tendo mais de 10 mil km de estradas vicinais, de modo que não pode o município já combalido arcar com custos de responsabilidade do governo federal, não tendo nem pessoal para realização dessa obra, ainda mais no estágio grave da pandemia da covid-19 no município”, diz a prefeitura.
A Folha localizou o vereador Silvio Coelho na Vila Sudoeste, onde reside, mas ele não quis gravar entrevista. Segundo a autuação, o vereador ajudou na construção da ponte e do aterro, além de ter sido flagrado dentro da TI pelo Ibama. Brandão tampouco respondeu às solicitações enviadas via WhatsApp.
Irritado com a veiculação na TV Globo de uma reportagem sobre a operação na Tricheira Bacajá e em outras TIs vizinhas, o governo Bolsonaro exonerou, em maio, o então coordenador de operações de fiscalização do Ibama, Hugo Loss, que participou da ação, e o coordenador-geral de fiscalização, Renê Luiz de Oliveira.
Em seguida, o desmatamento voltou a crescer. Houve a perda de 32 hectares em junho, contra apenas 3 hectares em maio, segundo monitoramento via satélite Sirad X, da Rede Xingu+, articulação de indígenas e ribeirinhos da bacia do rio Xingu, com participação do ISA (Instituto Socioambiental). Além disso, foi detectado um novo ramal que trouxe invasores para cerca de 2 km da aldeia Kenkro, aumentando o risco de conflitos.
No domingo (26), a reportagem enviou email ao Ministério da Defesa questionando por que a Operação Verde Brasil 2, voltada ao combate a crimes ambientais na Amazônia, não está agindo na Trincheira Bacajá, mas não houve resposta.
INVASORES E ROUBO DE MADEIRA
Na ponte parcialmente destruída pelo Ibama, é intenso o movimento de invasores em motos, que conseguem atravessar por meio de um único tronco serrado. Um alqueire grilado ali pode custar R$ 1.500, valor bem abaixo dos R$ 30 mil por alqueire comercializados na região.
A reportagem também flagrou um caminhão sem placas e carregado de toras em estrada próxima à Trincheira Bacajá, praticamente a única área florestal dessa região de São Félix do Xingu, município que concentra o maior rebanho bovino do país.
No ano passado, Trincheira Bacajá perdeu 3.969 hectares de floresta, a maior taxa de desmatamento desde a homologação, segundo o monitoramento Sirad X. A maior parte dessa destruição ocorreu durante o segundo semestre, no período de seca, que favorece o desmate.
Os invasores são da Vila Sudoeste, surgida dos anos 1990 a partir de um assentamento do Incra, e de pessoas de outras regiões do Pará e até do Tocantins. O estímulo vem das promessas de Bolsonaro de reduzir terras indígenas e da situação da vizinha TI Apyterewa, cuja desintrusão dos não indígenas vem sendo adiada pelo governo federal.
Em agosto do ano passado, os guerreiros xikrins tentaram expulsar os invasores por conta própria, mas eles não saíram. Em setembro, após decisão judicial que determinou a reintegração de posse, a Polícia Federal intimou os invasores a deixar a área em até sete dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil e retirada forçada, mas novamente sem sucesso.
Nos dias em que a reportagem esteve na região, a informação era de que o presidente da associação, Arilson Brandão, estava dentro da terra indígena, descumprindo determinação judicial. No WhatsApp, sua foto aparece com os dizeres: “Intervenção militar já com Jair Messias Bolsonaro. Nós tiamamos (sic) capitão. Terra prometida” (Folha de S.Paulo, 1/8/20)