22/01/2024

MST chega aos 40 alterado, com desafio de renovação e cerco bolsonarista

MST chega aos 40 alterado, com desafio de renovação e cerco bolsonarista

Foto de João Zinclar mostra integrantes do MST; imagem foi vetada na exposição do MASP Blog Brasil de Fato

Após governos antagônicos, movimento guarda relativa desilusão com PT; sociólogo destaca agroecologia, e ex-ministra vê modelo ultrapassado.

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) completa 40 anos com objetivos e perspectivas diversas das que motivaram sua criação, um histórico de conflitos com fazendeiros, ruralistas e governos antagônicos, certa desilusão com o PT e desafios que incluem dificuldade de novos quadros, esvaziamento político e cerco bolsonarista.

Fundado durante um encontro nacional realizado de 21 a 24 de janeiro de 1984 em Cascavel (PR), o MST se tornou o movimento brasileiro pela reforma agrária mais famoso dentro e fora do país.

Protagonista de invasões de terras vistas por grupos de esquerda como instrumentos de pressão legítimos e, por grupos de direita, como violações violentas da propriedade privada, manteve-se no centro das atenções do embate político nestas últimas décadas.

Após atravessar a gestão Jair Bolsonaro sob ameaças (o ex-presidente defendia enquadrar as ações do grupo como terrorismo), teve estremecimento com o governo Lula 3 diante da ocupação de uma fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e foi pressionado por uma CPI na Câmara dos Deputados.

Embora carregue a fama, o MST é apenas um dos movimentos críticos da concentração fundiária. Diferenciou-se de outros pela capacidade de organização e a capilaridade. Presente em 25 estados, optou por não ter presidente e toma decisões de maneira colegiada.

Nesse período, destacaram-se João Pedro Stedile, 70, fundador e cabeça pensante do MST; José Rainha, 63, comandante carismático das invasões que terminou proscrito; e João Paulo Rodrigues, 44, principal figura da geração que nasceu e cresceu em assentamentos.

Foram eles que, em momentos e circunstâncias diferentes, tomaram a dianteira nas tratativas com os governos, que no período se dividiram entre oposição aberta (Fernando Collor, Fernando Henrique CardosoMichel Temer e Jair Bolsonaro), tímida aproximação (Itamar Franco) e alinhamento sujeito a turbulências (Lula e Dilma Rousseff).

O ápice das invasões do grupo ocorreu no fim do primeiro e começo do segundo mandato de FHC (PSDB), em 1998 e 1999, de acordo com os dados compilados anualmente pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Foram quase 600 em cada um daqueles dois anos, além de ações em prédios públicos.

Em maio de 2000, o governo editou medida provisória que impediu a desapropriação de áreas invadidas, o que resultou em redução das ações do MST.

Com Lula no poder, a medida foi descartada e as ocupações voltaram a crescer, embora em número bem menor do que no período mais tenso sob FHC —que teve uma fazenda sua em Buritis (MG) invadida pelo MST em 2002. A média de ações nos dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, ficou em cerca de 350 ao ano.

Já sob Dilma (2011-2016) esse tipo de mobilização caiu para uma média de cerca de 215 ao ano, sob Temer (2016-2018) recuou para abaixo de 200, e atingiu seu menor índice sob Bolsonaro (2019-2022), com média de menos de 50 ocupações ao ano (o período coincidiu, em parte, com a pandemia da Covid-19).

Sob Lula 3, a CPT diz que só no primeiro semestre de 2023 ocorreram 71 ocupações de terras. Os dados do segundo semestre ainda não foram divulgados.

Embora alinhado, o PT foi por várias vezes alvo de críticas do MST, que se desiludiu logo nos primeiros anos de Lula 1 com a possibilidade de uma mudança radical na realidade fundiária brasileira.

 

"O governo do presidente Lula e da Dilma fez bastante, mas nós precisamos avançar. Precisamos colocar a reforma agrária no orçamento da União", resume o deputado federal Marcon (PT-RS), militante e beneficiário da reforma agrária, morando até hoje no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita (RS).

Na visão do deputado, os maiores desafios daqui para a frente são estruturar os assentamentos e dar perspectivas às novas gerações.

"Precisamos achar o que fazer com essa juventude. É agregar valor na produção, ter acompanhamento técnico, infraestrutura. Hoje, na metade dos nossos assentamentos no Rio Grande do Sul deveria ser feita uma estátua das famílias assentadas, pela forma [precária] como elas estão vivendo."

Stedile afirma que a nova geração não tem a mesma "têmpera" do passado. "Já está mais acomodada. Já consegue entrar na universidade. Então, o jovem sem-terra ou assentado está mais vagaroso para as atividades militantes."

 

O MST surgiu em meio à mobilização de camponeses na CPT, órgão da ala progressista da Igreja Católica. O ano, 1984, representava o estertor do regime militar.

O principal método sempre foi a invasão —ou ocupação, como reivindica o movimento e a CPT— de terras. A estratégia é pressionar os governos a assentar quem mora sob lonas (o MST diz que há hoje cerca de 70 mil famílias ainda acampadas).

Doze anos depois de sua criação, o MST viveu em 17 de abril de 1996 um de seus capítulos mais dramáticos, quando 19 trabalhadores sem-terra ligados ao movimento foram assassinados por policiais militares durante protesto em uma rodovia de Eldorado do Carajás (PA).

O caso teve grande repercussão nacional e internacional, o que acabou fortalecendo o nome do movimento.

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ministra da Agricultura no governo Bolsonaro e hoje uma das principais líderes do agronegócio no Congresso, afirma que o MST não soube se modernizar.

"Há 40 anos, até tinha sentido o trabalho que eles faziam. Nós tínhamos muita terra improdutiva no Brasil. Mas o MST ter hoje como o seu mantra, sua missão, invasão de propriedade está fora de época. Chamar atenção invadindo terra, isso para mim é inconcebível nos dias de hoje."

A ex-ministra afirma que o movimento precisa se reinventar, lutando para que os assentamentos sejam produtivos, e rechaça as críticas do MST ao agro.

"Não existe esse agro mais. Eu até queria saber onde está esse agro improdutivo. Pode ter casos isolados, mas latifúndios, isso é uma coisa que ficou também no passado. Eu acho que o MST precisa olhar melhor e ver que o agro brasileiro é tecnificado, trabalhou e ficou independente do governo. É um setor que hoje sustenta a economia brasileira."

Com a chegada do PT ao poder, a afinidade ideológica freou de certa forma a oposição barulhenta que dava fama ao MST, além de o Bolsa Família ter esvaziado adesões e aplacado demandas que inflavam o movimento.

Os números gerais da reforma agrária mostram que as desapropriações (47 milhões de hectares), assentamento de famílias (615 mil) e verbas discricionárias para ações no setor (R$ 16 bilhões em valores nominais, sem correção) encontraram seu ápice nos dois primeiros mandatos de Lula.

Todos esses indicadores começaram a declinar sob Dilma e caíram ainda mais, alguns simplesmente sendo paralisados, sob Temer e Bolsonaro.

Nos últimos anos, igrejas evangélicas avançaram também sobre os assentamentos. O bolsonarismo e os ruralistas mantêm o cerco sobre o MST nas redes sociais e no Congresso. Na gestão Bolsonaro, praticamente a única política para o setor foi promover uma entrega recorde de títulos de terra a assentados —vista como forma de esvaziar o movimento.

 

De acordo com dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em 2023, o primeiro ano de Lula 3, não houve decretos desapropriatórios editados, 51 mil hectares foram incorporados ao programa de reforma agrária, contra 34 mil no último ano de Bolsonaro, e 14 mil novas famílias foram assentadas, o dobro de 2022.

Já o orçamento discricionário do Incra, usado nas ações finalísticas da reforma agrária, foi o menor desde pelo menos 2003, R$ 300 milhões.

O sociólogo e professor da UnB (Universidade de Brasília) Sérgio Sauer, estudioso de temas ligados aos movimentos agrários, cita cinco pontos que, em sua visão, exprimem a relevância do MST.

1) É um dos movimentos que materializam a saída de uma situação de restrições políticas para uma de organização social e popular no processo de redemocratização; 2) deu visibilidade nacional e internacional à situação de profunda desigualdade social, impunidade e violência no campo; 3) agregou à demanda por terra bandeiras como direito à educação e condições dignas de trabalho; 4) produziu reflexão política e teórica sobre a reforma agrária, e 5) incluiu o direito ao trabalho como uma das justificativas para o acesso à terra.

Ele vê na busca pela agroecologia a principal bandeira do MST no momento. O arroz orgânico plantado no Rio Grande do Sul é um exemplo. Embora em uma escala bem pequena em relação ao arroz tradicional, o MST é o maior produtor do país e da América Latina.

O professor e sociólogo Zander Navarro, também com ampla atuação acadêmica e profissional na área, avalia que o MST perdeu a sua razão de ser.

Ele considera que, sem o movimento, dificilmente teria ocorrido a ampla distribuição de terras entre a segunda metade dos anos 1990 e 2010 —e também vê papel do grupo na consciência política por parte das famílias mais pobres do campo. Mas afirma que a reforma agrária é uma política que, na medida em que é atingida, se esgota.

"A necessidade de uma reforma agrária deixou de existir porque a demanda social pelo acesso à terra praticamente se esgotou no Brasil. Então, é claro que, neste século, aos poucos e cada vez mais visivelmente, o MST perdeu sua razão de existir. Cumpriu o seu papel em grande medida. Temos que aplaudir. Isso foi muito importante, mas em uma bela hora terminou, é isso aí. É algo que no Brasil nenhuma autoridade teve a coragem de dizer."

Sessão da CPI do MST, na Câmara dos Deputados, que tomou o depoimento de João Pedro Stédile, em agosto de 2023 - Pedro Ladeira - 15.ago.2023 Folhapress

A CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL, EM 10 PONTOS

  1. Em 1534, Portugal cria as capitanias hereditárias.
  2. Nelas, os donatários e Coroa promoveram as sesmarias, que era o modelo português de distribuição de terras a beneficiários que se comprometiam a cultivá-las mediante o pagamento das devidas taxas.
  3. Essa origem do latifúndio se desdobrou na Lei de Terras (1850), no Segundo Reinado, norma que acabou oficialmente com as doações e que determinou que as terras só poderiam ser obtidas mediante compra.
  4. Isso manteve fechado o acesso a pequenos agricultores, ex-escravizados e imigrantes.
  5. A Lei de Terras também tornou devolutas (ou seja, pertencentes ao estado) todas as áreas que carecessem de registro legal segundo os critérios do Império.
  6. Seguiu-se a isso ainda um intenso e duradouro processo de grilagem —a falsificação de títulos de propriedade da terra— que se aproveitou de falhas e confusão nas regras, compadrios políticos e manobras cartoriais.
  7. O termo grilagem se dá pelo uso de grilos presos em uma gaveta ou caixa, o que dá a papéis um aspecto envelhecido.
  8. Depois do surgimento de novas leis, a Constituição de 1988 estabeleceu que "compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária".
  9. O período de maior incorporação de terras ao programa nacional da reforma agrária ocorreu nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010), com a destinação de 47 milhões de hectares, segundo os dados do Incra.
  10. A concentração fundiária no Brasil, porém, permanece. O Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2017, por exemplo, mostrou que propriedades com mais de 2.500 hectares representavam 0,3% do bolo, mas ocupavam um terço da área total desses estabelecimentos no país (Folha, 21/1/24)

Reforma agrária, invasões, massacre de Carajás, CPI; veja a trajetória de 40 anos do MST

Grupo participa de terceiro Congresso Nacional do MST, em 1995. Foto Débora Lerrer-Coletivo de Acervo e Memória MST

 

Criado em 1984 no Paraná, movimento consolidou reivindicação e se notabilizou com ocupações.

Criado em 1984 na cidade de Cascavel, no Paraná, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se consolidou na reivindicação da reforma agrária e se notabilizou pela prática de invasões de latifúndios para o assentamento de famílias, que passam a morar e produzir nos locais.

Ao longo de sua história, o movimento sofreu massacres, como o de Eldorado do Carajás (PA), admitiu ter extrapolado em algumas ações –a exemplo da invasão de fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)–, apoiou o PT, embora com críticas ao partido no que tange à política agrária, e enfrentou período turbulento durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Veja a seguir a cronologia do movimento, desde os primeiros anos de sua articulação.

CRONOLOGIA DO MST

Gestação (1979) – Cerca de 110 famílias invadem a fazenda Macali, no município de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. O ato, ocorrido no dia 7 de setembro, é considerado um dos pontos de início da "gestação" do MST.

Ideia de criar o movimento (1982) – Em setembro, seminário da CPT em Goiânia (GO) reúne 22 agentes de pastoral e 30 líderes sem-terra, posseiros, meeiros e arrendatários, de 17 estados. É levantada a ideia da criação de um movimento nacional dos sem-terra, autônomo à Igreja Católica.

Criação (1984) – É criado o MST, durante o Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ocorrido em janeiro, em Cascavel (PR). O evento reúne representantes de 11 estados (RS, SC, PR, SP, MS, ES, BA, PA, GO, RO e AC).

1º congresso nacional (1985) – Em janeiro, em Curitiba (PR), o MST realiza seu primeiro congresso nacional. Nele, o movimento elege a primeira direção nacional, com 20 integrantes, sendo dois de cada um dos seguintes estados: RS, SC, PR, MS, SP, RJ, ES, MG, BA e RO. Cerca de 1.500 delegados aprovam a palavra de ordem: "Ocupação é a única solução".

 

Fracasso na Constituinte (1988) – O MST vê o fracasso das propostas de reforma agrária ao fim da Constituinte. No 4º Encontro Nacional, em Piracicaba (SP), é aprovada resolução que visa eleger o maior número possível de militantes nas eleições municipais de novembro.

Repressão no governo Collor (1990) – Em maio, o MST organiza o segundo congresso nacional, em Brasília. É o início do governo Collor, e o movimento começa a sentir a repressão. Cerca de 4.000 delegados, de 20 estados, avaliam que é o momento de deixar o isolamento do campo e buscar apoio nas cidades.

Audiência com Itamar Franco (1993) – Em 2 de fevereiro, representantes do movimento são recebidos por Itamar Franco no Palácio do Planalto, na primeira audiência oficial do MST com um presidente da República.

3º Congresso Nacional (1995) – Cerca de 5.000 delegados, no terceiro Congresso Nacional do MST, aprovam o lema: "Reforma Agrária, Uma Luta de Todos".

Massacre de Carajás (1996) – Em 17 de abril, 19 trabalhadores rurais ligados ao MST são assassinados por policiais militares durante a desobstrução da rodovia PA-150, em Eldorado do Carajás (PA). O caso tem repercussão internacional, o que fortalece o nome do movimento.

 

Livro "Terra" (1997) – Em fevereiro, marcha nacional liderada pelos sem-terra leva cerca de 50 mil pessoas a Brasília. Em 17 de abril, dia da chegada da marcha, é lançado o livro "Terra", com fotos de Sebastião Salgado e textos do escritor português José Saramago, acompanhado de uma canção ("Assentamento") de Chico Buarque.

Onda de invasões (1998) – O MST surpreende ao promover uma onda de invasões a prédios públicos e a pressionar não apenas pela desapropriação de terras, mas também por créditos aos novos assentados da reforma agrária.

Período de refluxo (2000) – Em encontro nacional, define-se que a direção nacional do movimento passa a ser dividida igualmente entre homens e mulheres. No mesmo ano, o governo edita medida provisória que impede a desapropriação de áreas invadidas. Por conta disso, o MST entra em refluxo.

Invasão a fazenda de FHC (2002) – Em março, o MST invade fazenda do presidente Fernando Henrique Cardoso, em Buritis (MG). O governo classifica a ação como terrorista e o PT, de olho nas eleições, também condena a investida. No segundo semestre, o MST atua na campanha de eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

CPI da Terra (2003) – O MST aparece no centro da primeira crise do governo petista. Em maio, numa audiência com líderes sem-terra no Planalto, Lula coloca um boné vermelho do movimento, e a oposição o acusa de ser conivente com as invasões de terra. Para investigar o MST, é criada a CPI da Terra.

Recorde de invasões (2004) – No fim de março, o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, declara que "abril vai ser o mês vermelho", numa referência às cores do movimento espalhadas em ações pelo país. A promessa é cumprida. Em abril, o governo registra 109 invasões, sendo 79 delas do MST, um recorde de ações num único mês.

Marcha histórica (2005) – Em maio, para pressionar o governo Lula, 15 mil integrantes do movimento percorrem a pé os 200 km entre Goiânia e Brasília, na maior marcha da história do MST. Em agosto, no auge da crise do mensalão, o MST se une a movimentos sindicais e estudantis e sai às ruas contra a iniciativa da oposição de sugerir o impeachment do presidente petista.

Apoio a Lula (2006) – Apesar da lentidão da reforma agrária no primeiro mandato petista, o MST anuncia apoio a Lula no segundo turno, na disputa contra o tucano Geraldo Alckmin. Em artigo publicado na Folha, João Pedro Stedile afirma que "é preciso barrar a direita e derrotar Alckmin".

Pressão pela reforma (2007) – Após ter poupado Lula durante todo o primeiro mandato, no qual centrou sua pressão na equipe econômica, a cúpula do MST decide mirar seus ataques diretamente no presidente Lula. Um cartaz com a foto do petista é espalhada pelo país: "Por que não sai reforma agrária?".

Carta de Felisburgo (2008) – O MST publica a "Carta de Felisburgo", sobre massacre ocorrido em 2004 na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. O documento descreve a situação dos sem-terra e denuncia o uso de terras devolutas repassadas a empresas para o plantio de eucalipto.

Invasão da Cutrale (2009) – O MST invade a fazenda Santo Henrique, da empresa de sucos de laranja Cutrale, na divisa dos municípios de Iaras e Lençóis Paulista, em São Paulo. Lula se refere à ação como vandalismo, e João Pedro Stedile, presidente do MST, chama o mandatário de mal-informado; o movimento admite ter destruído 3.000 pés de laranja, mas diz que acusações sobre depredação eram armação.

 

Redução de assentamentos (2010) – O último ano do segundo mandato do governo Lula é marcado pela redução do número de famílias assentadas e do número de hectares voltados à reforma agrária.

Ocupação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2012) – O MST ocupa, em abril, o Ministério do Desenvolvimento Agrário. A reivindicação é por mais assentamentos e punição aos culpados pelo Massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido em 1996. O movimento afirma que o ano é o pior para assentamentos desde 1995.

Críticas a Dilma Rousseff (2014) – Lideranças do MST divulgam carta com críticas ao governo de Dilma Rousseff (PT) sobre a política agrária. A carta é entregue à presidente um dia após 30 manifestantes ficarem feridos depois de confronto com a polícia durante marcha que reuniu cerca de 15 mil pessoas em Brasília.

Aumento de invasões (2015) – O MST aumenta o número de invasões. Exemplos são manifestação com mais de mil mulheres que destruíram mudas transgênicas em uma fábrica de papel e celulose em Itapetininga (SP), e no Ministério da Agricultura, em Brasília.

Protestos contra impeachment (2016) – No dia 26 de abril, o MST organiza protestos em ao menos sete estados contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a favor da reforma agrária. No ano seguinte, o governo de Michel Temer (MDB), visto como golpista pelos manifestantes, não assenta nenhuma família.

Vigília Lula Livre (2018) – O MST participa do Vigília Lula Livre. Organizada por diferentes movimentos populares, a ação acompanhou Lula por 580 dias enquanto ele esteve preso em Curitiba, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula foi solto em 8 de novembro de 2019, depois que o STF entendeu que réus só podem ser detidos quando não houver mais recurso pendente.

Recrudescimento da violência sob Bolsonaro (2019) – O MST reduz invasões no mandato de Jair Bolsonaro, eleito pelo PSL, diante de discurso hostil do então presidente, que prega "receber os invasores de terra à bala". A gestão é marcada pelo aumento de violência contra os sem-terra.

 

Doação de alimentos (2020) – Na pandemia de Covid-19, o MST interrompe as invasões e inicia campanha nacional de doação de alimentos produzidos nos assentamentos. O movimento diz ter doado mais de 7.000 toneladas de alimentos e 2 milhões de marmitas.

Retomada de invasões (2021) – O MST retoma as invasões, que se resumiram a 14 entre 2019 e abril de 2021. O arrefecimento da pandemia é acompanhado por ações em propriedades de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte e outros estados.

CPI do MST (2023) – De janeiro a abril, o MST ocupa mais de 30 imóveis rurais. Na Câmara dos Deputados, é instalada uma CPI para investigar as ocupações de terras. Na CPI, João Pedro Stedile admite que o movimento errou ao ter invadido uma fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no dia 31 de julho. A comissão acabou após 130 dias, sem um relatório final (Folha, 21/1/24)


Conheça a reforma em outros países – Por João Batista Natali

Enquanto o Brasil ainda se debate com o problema da reforma agrária, outros países já conseguiram realizar a sua. Veja abaixo como isso foi alcançado:
Estados Unidos
Nunca chegou a ocorrer, naquele país, desapropriação de terras improdutivas ou de grandes propriedades produtivas, em benefício de posseiros, ex-escravos, assalariados ou arrendatários.
As transformações da estrutura fundiária nos Estados Unidos foram lentas, sem grande alarde e operadas com baixíssima temperatura ideológica.
Por volta de 1850, as grandes plantações de fumo e de arroz nos Estados do Sul já haviam rompido o ideal de uma agricultura baseada na pequena propriedade familiar. Esse ideal chegara ao país com os primeiros colonizadores.
Num primeiro momento, o governo norte-americano optou por uma "saída conservadora" para a colonização das terras devolutas, que se tornavam interessantes após a aparição dos primeiros núcleos de população na rota entre o litoral atlântico e o Oeste.
O governo, com maioria democrata, pôs em prática uma política de venda de grandes glebas aos especuladores, que pagavam pela terra o preço de mercado.
A grande virada começa a ser dada dois anos depois da eclosão da Guerra Civil. Uma maioria republicana aprova, em 1862, o Homestead Law. Essa lei previa a distribuição de lotes individuais de 65 hectares a qualquer interessado em colonizar territórios da União.
Com a derrota dos sulistas, o governo também conseguiu distribuir terras dos territórios a oeste do Mississipi.
Essas novas terras -que equivaliam a mais de um quarto de todas as propriedades rurais de 1860 - foram entregues, em parte, às companhias de estrada de ferro, que por sua vez as loteavam.
Na década de 30, entre as medidas do governo Roosevelt para tirar o país da depressão, chegou a ser colocada em prática uma política de distribuição de pequenos lotes de terras da União. Mas foi uma iniciativa de curto alcance.
Japão
"A reforma agrária japonesa consistiu essencialmente na desapropriação de mais um terço da área agrícola (1,9 milhão de hectares) e na transferência de mais de 90% desse total aos até então arrendatários", nota o economista José Eli da Veiga.
O economista inglês Martin Adams acrescenta que, entre abril de 1947 e dezembro de 1948, o curto período em que esse processo ocorreu, os Estados Unidos, como potência ocupante, procuraram "quebrar a espinha dorsal dos senhores agrários, que haviam sido um dos pilares do militarismo".
Na prática, esses antigos proprietários receberam indenizações. Mas como o preço das terras estava congelado numa época de inflação, seus ex-arrendatários pagaram preços simbólicos e até para isso receberam créditos.
Em 1945, um acre de terra valia o equivalente a 760 quilos de arroz. Cinco anos depois, ele custava o equivalente a 18 quilos.
Com a terra barata, os agricultores passaram a investir mais, permitiram que a economia crescesse e levaram o Japão a dispensar a importação de alimentos.
Coréia do Sul
A reforma agrária na Coréia do Sul teve duas semelhanças básicas com a do Japão: transferiu terras dos antigos proprietários para seus arrendatários e se operou sob pressão dos Estados Unidos.
A Coréia, depois da rendição dos japoneses em 1945, entrou num período de ebulição interna marcado pelo confronto entre comunistas (baseados no Norte) e pró-ocidentais (ao Sul).
O país, essencialmente agrário, tinha nos camponeses a única fonte de recrutamento para os dois exércitos que se enfrentaram, durante uma guerra que se prolongaria até o armistício de 1953.
Os comunistas praticavam a socialização da propriedade fundiária nos territórios que controlavam. Caso seus inimigos do Sul não fossem igualmente radicais, seria inevitável a erosão da base de apoio dos pró-ocidentais.
Assim, os EUA propõem que um arrendatário possa comprar a terra que cultiva com o equivalente a três vezes o valor de uma safra média. O governo local baixou esse preço pela metade.
Antes da reforma, os grandes proprietários representavam 4% da população agrícola e ficavam com um quarto da renda rural. Os ex-arrendatários tiveram um aumento de um terço em sua renda (Folha, 21/4/96)