18/04/2023

MST invade área de pesquisa da Embrapa, sedes do Incra e fazendas

Integrantes do MST invadiram área em Caruaru no último domingo, 16 de abril, na retomada do Abril Vermelho. Foto: Reprodução MST-PE

Integrantes do MST em Caruaru-16 de abril-Foto- Reprodução MST-PE

 

Movimento retoma atos do ‘Abril Vermelho’ com ações simultâneas, incluindo ocupação de prédios do Incra em Porto Alegre e Belo Horizonte; só em PE foram 8 invasões desde o início do mês, e Embrapa destaca que invasão é ‘inaceitável’, além de atingir área agriculturável e de preservação da caatinga.

Como parte do chamado “Abril Vermelho”, o Movimento dos Sem Terra (MST) invadiu no domingo uma área de preservação ambiental e de pesquisas genéticas da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa Semiárido), órgão do governo federal, em Pernambuco.

 

A Embrapa divulgou comunicado em sua página oficial na internet dizendo que a invasão de terras agriculturáveis é “inaceitável”. O texto, porém, foi depois retirado do endereço eletrônico e republicado em uma página secundária, sem o uso desse termo.

Na retomada da onda de ações em imóveis privados, áreas e prédios públicos no País ao longo do mês, outras quatro propriedades rurais foram invadidas em Pernambuco neste fim de semana – já são oito em abril. Também foram ocupados três prédios públicos em outros Estados. As ações expõem as contradições do governo Luiz Inácio Lula da Silva que, de um lado tenta se aproximar do agronegócio e, de outro, afaga o MST – velho aliado político, que postula cargos no governo e não admite nenhum tipo de controle.

 

A retomada das invasões causa desgasta também o governo porque confirma a previsão de opositores e de setores econômicos de que a prática voltaria com força no terceiro mandato de Lula. Após ser eleito, o petista ensaiou uma aproximação com setores do agronegócio, que classificam seu governo como tolerante com o MST.

Na semana passada, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) chegou a pedir a prisão de João Pedro Stédile, principal mentor dos sem-terra, que havia anunciado em vídeo uma “jornada de lutas e ocupações durante o mês de abril”. Stédile esteve na delegação brasileira que viajou com Lula para a China.

 

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, entrou com pedido de Liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir invasões de propriedades rurais no Brasil. O pedido ainda está sob análise.

Preservação

Conforme a Embrapa Semiárido, a invasão pelo MST aconteceu em terras agriculturáveis e de preservação da Caatinga, que é utilizada para a instalação de experimentos e multiplicação de material genético básico de cultivares (sementes e mudas). O órgão alertou que a invasão compromete a vida de animais ameaçados de extinção, além de pesquisas para conservação ambiental e de uso sustentável do bioma.

“As terras são patrimônio do governo brasileiro, produtivas e destinadas ao uso exclusivo da Embrapa Semiárido para o desenvolvimento de pesquisas e geração de tecnologias voltadas à melhoria da qualidade de vida de populações rurais”, diz a nota.

A Embrapa destacou ainda que na área invadida acontece o Semiárido Show, feira de grande relevância para os agricultores familiares da região. A feira, prevista para agosto, apresenta tecnologias desenvolvidas para ambientes de convivência com a seca. “O evento recebe mais de 20 mil pessoas e é referência em transferência de tecnologias para a região Nordeste”, afirma o comunicado. “A invasão já está prejudicando consideravelmente todo o planejamento e execução das atividades previstas.”

O Ministério da Agricultura disse em nota que a Embrapa Semiárido “está adotando as medidas cabíveis para solucionar a situação”. “A invasão está trazendo danos à condução de seus trabalhos e ao planejamento da execução de projetos e ações de pesquisa. A invasão traz prejuízos consideráveis a produtores e agricultores familiares, bem como para toda a sociedade”, declarou.

Área de mata nativa de propriedade da Embrapa, em Petrolina (PE), usada para pesquisas e preservação do bioma da caatinga. Fazenda foi invadida pelo MST como parte do chamado 'Abril Vermelho'. Foto- Francisco Evangelista-Embrapa

‘Absurdo’, afirma ex-ministro de Lula

Ex-ministro da Agricultura do primeiro mandato de Lula, o engenheiro agrônomo e produtor rural Roberto Rodrigues disse que a invasão da unidade da Embrapa é “um absurdo”. “Como absurda é qualquer ilegalidade, qualquer invasão de propriedade pública ou privada, desmatamento ilegal, garimpo clandestino, incêndio criminoso, etc. Uma pena!”

Em Pernambuco, além da área da Embrapa, o MST invadiu neste fim de semana as fazendas Santa Terezinha (Caruaru), Boa Esperança (Glória do Goitá), Usina Santa Tereza (Goiana) e Barra do Algodão (Tacaimbó), somando oito invasões no Estado desde o início de abril. Outras três áreas tinham sido invadidas anteriormente. O movimento mobilizou mais de 2 mil militantes para as ações. A Polícia Militar disse que acompanha a mobilização.

O MST ocupou também superintendências regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG). Na capital mineira, os militantes exigiam a demissão do superintendente Batmaisterson Schmidt, que foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. No último dia 10, para exigir também a troca do superintendente “bolsonarista” por um nome simpático ao movimento, foi invadida a sede do Incra em Maceió (AL).

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, chamou ontem os líderes do movimento para uma reunião em Brasília. Teixeira, segundo o MDA, solicitou a desocupação das áreas para a manutenção do diálogo entre movimentos sociais e governo federal.

No início de março, após a invasão de três propriedades produtivas da Suzano no sul da Bahia, Teixeira intermediou as negociações entre o MST e a empresa de celulose e obteve a desocupação das áreas, mas a trégua foi curta. Dias depois, uma fazenda foi invadida em Goiânia. Já no mês de abril, as ações foram retomadas com mais força. No ano passado, sob a gestão Bolsonaro, o “Abril Vermelho” do MST passou praticamente em branco. No ano todo, o MST afirma ter feito 37 ocupações, incluindo prédios públicos. Este ano, o primeiro de Lula, em menos de quatro meses, já são 36.

A Superintendência de Comunicação da Embrapa negou que tenha havido pressão para a troca do texto. “Inicialmente, a nota de esclarecimento havia sido publicada na área de notícias pela Embrapa Semiárido. O que fizemos foi alterar a publicação da Nota Oficial para a área de Esclarecimentos Oficiais do Portal”, disse

Veja dois textos divulgados pela Emprapa

Primeira nota:

O posicionamento da Embrapa é que a ação é inaceitável, visto que as terras são patrimônio do governo brasileiro, produtivas e destinadas ao uso exclusivo da Embrapa Semiárido para o desenvolvimento de pesquisas e geração de tecnologias voltadas à melhoria da qualidade de vida de populações rurais.

Segunda versão:

O posicionamento da Embrapa é que as terras são patrimônio do governo brasileiro, produtivas e destinadas ao uso exclusivo da Embrapa Semiárido para o desenvolvimento de pesquisas e geração de tecnologias voltadas à melhoria da qualidade de vida de populações rurais (O Estado de S.Paulo, 18/4/23)


Abril vermelho: MST invade fazendas, sedes do Incra e área da Embrapa

Abril vermelho-Imagem Blog Isto É

Ações fazem parte da chamada Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária.

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) iniciou a chamada Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária com a invasão de ao menos nove fazendas pelo país e das sedes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em ao menos sete unidades da federação.

As iniciativas ganharam corpo no sábado (15), quando foram invadidas oito fazendas no estado de Pernambuco, incluindo áreas na região metropolitana do Recife, zona da mata, agreste e sertão. Em nota, o MST afirmou que as terras são latifúndios improdutivos.

Uma das áreas invadidas por 600 famílias, na cidade de Petrolina, pertence à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

Integrantes do MST em um prédio do Incra em Natal - José Aldenir-TheNews2-Folhapress

Em nota, o órgão federal disse que as terras fazem parte da Embrapa Semiárido e têm sido utilizadas para instalação de experimentos e multiplicação de material genético.

Ainda segundo a Embrapa, a invasão atingiu ainda áreas de preservação da caatinga, comprometendo a vida de animais ameaçados de extinção, além de pesquisas para conservação ambiental e de uso sustentável do bioma. O órgão afirmou que tomará as medidas cabíveis para solucionar a situação.

Ao todo, 2.280 famílias sem-terra invadiram áreas no estado de Pernambuco desde o início de abril. A primeira terra invadida foi a do Engenho Cumbre, em Timbaúba (102 km do Recife), há cerca de duas semanas. Segundo o MST, a área pertence ao Governo de Pernambuco.

As outras sete invasões em Pernambuco ocorreram no último fim de semana, sendo a maior delas na área que pertence à Embrapa. Também foram ocupadas outras áreas em Timbaúba, Jaboatão dos Guararapes, Tacaimbó, Caruaru, Glória do Goitá e Goiana.

A maior parte das terras são de antigos canaviais e engenhos de açúcar. O MST argumenta que as terras são improdutivas, pertencem ao poder público ou são de empresas que faliram ou possuem irregularidades tributárias perante o Estado.

Na madrugada desta segunda-feira (17), cerca de 200 famílias invadiram uma área no município de Aracruz, no Espírito Santo.

O MST afirma que a fazenda faz parte do patrimônio do governo do estado, mas teria sido grilada pela Aracruz Celulose, empresa adquirida pela Suzano em 2018.

Procurada, a Suzano afirmou que foi surpreendida com a invasão de duas áreas produtivas da empresa e que ingressou com uma ação judicial para reintegração de sua posse das terras.

A empresa disse também que "cumpre integralmente as legislações ambientais e trabalhistas" e que tem o desenvolvimento sustentável como premissa.

Na manhã desta segunda, as sedes do Incra foram invadidas nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte, além do Distrito Federal.

Na Bahia, famílias protestaram na entrada da Assembleia Legislativa da Bahia, onde participaram de uma audiência pública. Cerca de 400 pessoas participaram do ato, que tratou da reforma agrária e do aumento da violência no campo.

Nas últimas semanas, deputados estaduais baianos recolheram o número mínimo de assinaturas para a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que teria como objetivo investigar invasões de terras no estado. A CPI do MST, contudo, ainda não foi instalada.

Na semana passada, um grupo de cerca de 1.500 trabalhadores sem-terra invadiu a sede do Incra em Maceió. Os manifestantes cobraram a exoneração do superintendente local do órgão, César Lira, que é primo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL)

Trabalhadores rurais sem terra invadem fazendas de eucalipto da Suzano Celulose na Bahia, em fevereiro. Foto  Coletivo de Comunicação do MST

 Na avaliação de Ceres Hadich, da direção nacional do MST, as ações são um instrumento de pressão pela reforma agrária e de denúncia contra a violências no campo.

"O Brasil é o país do latifúndio, com o maior índice de concentração de terras. A reforma agrária é uma dívida histórica com os povos do campo", afirma.

O MST pressiona o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para apresentar um plano de ações de reforma agrária para os próximos quatro anos e atender a demanda das famílias acampadas e assentadas.

A entidade estima que cerca de 100 mil famílias vivem em acampamentos no Brasil. Destas, 30 mil estão em áreas em processo de regularização que não foram concluídos pelo Incra.

Na semana passada, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) protocolou no STF (Supremo Tribunal Federal) uma liminar para impedir invasões de propriedades rurais em todo o país.

As invasões no mês de abril marcam os 27 anos do massacre de Eldorado do Carajás, quando 19 trabalhadores sem-terra foram mortos por tropas da Polícia Militar do Pará em 1996.

Em nota, o MST defendeu a reforma agrária e destacou a urgência de investimento para agricultura familiar e acesso a crédito para a produção de mais alimentos.

Na última semana, o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, descartou promover uma onda de invasões de propriedades no Abril Vermelho.

Em entrevista na terça-feira (11), Rodrigues disse que devem ocorrer ocupações pontualmente, mas não dezenas ou mesmo centenas, o que caracterizava a jornada anual do MST (Folha de S.Paulo, 18/4/23)