02/04/2020

“Muitas usinas não terão dinheiro suficiente para continuar operando”

“Muitas usinas não terão dinheiro suficiente para continuar operando”

Os estragos causados pela pandemia de coronavírus nas economias globais atingem em cheio as commodities. Um mercado particularmente afetado é o de açúcar, onde o colapso dos preços dos combustíveis leva ao aumento da oferta.

Por isso, com a queda do petróleo, usinas de cana no Brasil, maior produtor e exportador global de açúcar, se preparam para produzir muito mais adoçante do que etanol.

Há apenas duas semanas, a Alvean, maior trading de açúcar do mundo, calculava a produção da commodity entre 31 milhões e 32 milhões de toneladas na região Centro-Sul.

Isso foi antes do caos que se instalou no mercado de etanol nesta semana, quando a BR Distribuidora e a Raízen, as duas maiores distribuidoras de combustível do país, declararam força maior nas compras do biocombustível.

A Alvean agora projeta produção de cerca de 36 milhões de toneladas, segundo o presidente da trading, Paulo Roberto de Souza. O volume representaria um salto de mais de 35% em relação à temporada 2019-2020, o que deixaria a produção perto de nível recorde.

Se a produção superar 36 milhões de toneladas, o mercado de açúcar passaria de déficit a superávit, disse Souza. A Alvean é uma joint venture entre a Cargill, uma das maiores empresas agrícolas do mundo, e a Copersucar.

São Martinho já começou a colheita da nova safra. A empresa decidiu usar ainda mais caldo da cana para produzir açúcar do que planejava há apenas algumas semanas, disse o diretor financeiro Felipe Vicchiato, em mensagem de texto.

No Brasil, a temporada de esmagamento ocorre normalmente de abril a dezembro.

Ainda assim, Vicchiato não acredita que a produção brasileira de açúcar possa bater recorde, disse, citando problemas relacionados ao etanol para processadores de cana.

“Muitas usinas de cana-de-açúcar não terão dinheiro suficiente para continuar operando”, disse.

Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica, concorda.

As usinas “podem parar de esmagar devido a problemas de caixa”, disse. “Algumas unidades não terão condições viáveis de operar nem por um mês sem a receita das vendas de etanol, enquanto outras poderão sobreviver por três meses”.

A declaração de força maior das distribuidoras de combustível nos contratos de etanol pode abalar uma parte importante da cadeia de suprimentos de cana-de-açúcar, levando a perdas financeiras e desemprego, disse a Unica em comunicado na quarta-feira (Bloomberg, 1/4/20)

QUARTA CHAMADA – EDITORIA ENERGIA

Covid-19: Distribuidoras de energia notificam geradores sobre força maior REDE DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA

Distribuidoras de energia elétrica, incluindo empresas da italiana Enel, da Equatorial Energia e a fluminense Light, enviaram a geradores notificações sobre evento de força maior que pode afetar o cumprimento de contratos, devido à pandemia de coronavírus, segundo documentos vistos pela Reuters e duas fontes com conhecimento do assunto.

Os avisos vêm em meio a preocupações das distribuidoras com possíveis problemas de caixa em meio à forte redução do consumo de eletricidade causada pelas medidas de combate ao vírus e por expectativas de elevada inadimplência como consequência de efeitos da epidemia sobre a economia e a renda da população.

Concessionárias de distribuição controladas pela Enel avisaram a geradores com quem possuem contrato que, em meio a esse cenário, “estima-se necessário proceder oportunamente a redução temporária dos volumes de energia contratados... e dos correspondentes custos contratuais”, de acordo com notificação vista pela Reuters.

“Entendemos que tal redução poderá ser proporcional à queda de mercado, à redução da arrecadação e ao aumento da inadimplência experimentada pela compradora, que vêm afetando as suas contas”, afirmam nos avisos as elétricas Enel São Paulo, Enel Rio, Enel Goiás e Enel Ceará.

As empresas acrescentaram que “dados e extensão” de eventual redução contratual serão reportados “tão logo possível”.

Procurada, a Enel disse em nota à Reuters que “enviou uma notificação às suas principais contrapartes no mercado de energia, informando que está realizando uma análise de seus contratos e da atual situação”.

“Portanto, a empresa está sinalizando a necessidade de manter um diálogo constante com todos os agentes do mercado, de forma a mitigar o cenário atual de menor consumo”, acrescentou.

A Equatorial, responsável pela distribuição de energia elétrica nos Estados do Maranhão, Pará, Alagoas e Piauí, disse em nota à Reuters que as distribuidoras do grupo notificaram, em 31 de março, os geradores e comercializadores sobre possíveis efeitos danosos decorrentes da pandemia da Covid-19, “caracterizando a mesma como um caso de força maior que pode levar a um desequilíbrio dos respectivos contratos”.

“Vale frisar que a notificação tem caráter preventivo e que as distribuidoras do grupo mantêm seus esforços em busca de uma solução sistêmica para as consequências derivadas desta pandemia, com equilíbrio para todos: sociedade e setor”, acrescentou.

A Light não respondeu de imediato a pedidos de comentário sobre as notificações.

O movimento das elétricas vem em momento em que a associação que representa investidores em distribuição, Abradee, conversa com o governo para pedir medidas de apoio financeiro ao segmento devido às perdas esperadas com o coronavírus.

Uma das alternativas em estudo nas conversas entre a Abradee e o Ministério de Minas e Energia envolveria a viabilização pelo governo de empréstimos emergenciais para distribuidoras, conforme publicado pela Reuters na segunda-feira.

As interações com o governo são citadas pela Enel na notificação enviada aos fornecedores de energia.

“Estamos inclusive mantendo interlocução com as autoridades do setor elétrico, empenhados em buscar uma solução sistêmica para o problema atualmente enfrentado”, afirma a italiana, que disse também ter notificado a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o evento de força maior.

Procurada, a Aneel não quis comentar o assunto.

GERADORES REAGEM

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa empresas com usinas de biomassa que venderam energia a distribuidoras, fez duras críticas aos avisos de força maior no setor.

“Sob o ponto de vista jurídico, as notificações ignoram os pressupostos legais para alegação de força maior e pretendem criar uma verdadeira licença para não pagar”, afirmou a entidade em nota nesta quarta-feira, sem citar empresas.

A Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel), que reúne investidores em usinas renováveis, principalmente pequenas hidrelétricas, disse que os avisos geram preocupação devido aos possíveis impactos financeiros sobre geradores.

“É evidente que há uma preocupação de todos com as distribuidoras, porque elas são o primeiro elo da receita do setor, onde se dá a arrecadação. Mas ficamos um pouco surpresos com essa movimentação. Evidente que ninguém gostou... tem que haver uma preocupação com o equilíbrio do setor como um todo”, disse à Reuters o presidente da entidade, Charles Lenzi.

Ele adicionou que geradores que receberam os avisos estão agora avaliando como proceder.

Os contratos entre distribuidoras e empresas de geração são fechados em leilões de energia promovidos pelo governo federal e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Os recebíveis desses contratos de longo prazo, com duração de até 30 anos, costumam ser utilizados pelas elétricas como garantia para obtenção de financiamentos juntos a bancos (Reuters, 1/4/20)