Nada de atirar nas próprias pernas - Por Roberto Rodrigues
CAPA Ex-ministro Roberto Rodrigues. Foto Divulgação
Temos que cuidar de combater ilegalidades cometidas por aventureiros que perturbam nosso agro – tropical, sustentável e competitivo
A grande revelação das últimas eleições foi o surgimento de um poderoso contingente conservador entre os eleitores. A expressiva votação em candidatos mais conservadores para Senado, Câmara Federal e governos de estado, além da que recebeu Jair Bolsonaro, é prova cabal dessa corrente que transcende o setor rural. Não foram os agricultores que estiveram em Brasília aos milhares manifestando legitimamente seu descontentamento com o resultado das urnas e, muito mais do que isso, mostrando que não aceitarão passivamente uma guinada radical à esquerda como aconteceu em vários outros países da América Latina. A sociedade urbana era a grande maioria dos manifestantes.
Isso traz uma enorme responsabilidade ao governo eleito no que tange a “unir o país”, como foi vocalizado pelos vencedores. O país está mesmo dividido. E, mais do que nunca, o diálogo sério e verdadeiro precisa ser articulado entre contrários. Para isso, é essencial que os lados se dispam de radicalismo e/ou de idiossincrasias que cresceram na campanha e se debrucem sobre o que é realmente prioritário para o Brasil e sua população, esquecendo as eleições que agora pertencem ao passado. Recente, mas passado. Esse diálogo não é fácil – mas é indispensável.
E nele se encaixa o agronegócio. O setor representou 27% do PIB no ano passado, gera 20% dos empregos e vem aumentando sua massa salarial com a contratação de jovens especialistas em internet, demandados pela crescente digitalização do campo; e ainda tem o saldo comercial, que só tem sido positivo ao longo dos anos em função do enorme superávit do agronegócio, que assim garante as reservas cambiais.
Esse saldo segue crescendo em 2022. No mês de outubro, o agro exportou US$ 14,25 bilhões, 61% a mais que no mesmo período de 2021. Vale ressaltar que 39% desse crescimento são decorrentes do maior volume exportado, enquanto apenas 16% são resultado de melhores preços. Mais ainda: as exportações do agro em outubro representaram 49% do total exportado pelo país!
Os saltos são notáveis: em 2020, o agro exportou US$ 100 bilhões; no ano passado, foram US$ 120 bilhões e, neste ano, devemos chegar a US$ 140 bilhões: até 30 de outubro, já foram US$136 bi! Qual é o país que, em plena restrição determinada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, aumenta 20% ao ano suas exportações setoriais?
É por essas e outras que o novo governo deve prestigiar o agro, locomotiva da economia nacional: a indústria de insumos (máquinas, fertilizantes, defensivos, equipamentos), os serviços (crédito, energia, seguro, infraestrutura) e a indústria de alimentos (bem com sua distribuição) dependem da produção agropecuária. Convém lembrar que exportamos alimentos industrializados para 190 países, o que
atesta a nossa qualidade.
Temos, sim, que cuidar de combater ilegalidades cometidas por aventureiros que perturbam a imagem de nosso agro – tropical, sustentável e competitivo. Mas destruir essa competitividade seria um tiro nas pernas (Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo, agricultor, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV e embaixador especial da FAO para Cooperativas. Participa de diversos conselhos empresariais, institucionais e acadêmicos; Forbes, 15/1/23)