Navio com fertilizante importado poderá furar fila nos portos brasileiros
NAVIO NO PORTO Divulgação Ascom Porto de Paranaguá
Plano prevê prioridade no desembarque para reduzir custos; boa parte do produto vem da Rússia.
O governo federal prepara uma mudança nas regras portuárias para permitir que os navios carregados de fertilizantes tenham prioridade na hora de atracar nos portos brasileiros para descarregar, num momento em que o abastecimento desses produtos é colocado em dúvida em razão da guerra na Ucrânia.
Pelo plano anunciado nesta sexta-feira (18), essas embarcações poderão, se necessário, ter preferência no desembarque, furando a fila que em alguns portos dura em média quatro ou cinco dias. A intenção é principalmente reduzir os custos da importação, além de facilitar o acesso aos fertilizantes.
A estratégia foi anunciada pelo secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Poloni, que coordenou o encontro em Brasília que ocorre regularmente com os gestores dos portos.
Desta vez, a reunião contou também com representantes do Ministério da Agricultura e de associações das indústrias de fertilizantes, com participações presenciais e virtuais.
"O Ministério da Infraestrutura trabalha em um plano para que cargas de fertilizantes tenham prioridade no embarque e no desembarque dos cargueiros como forma de agilizar a logística do produto. Isso requer que os portos revejam seus regulamentos de exploração e editem portarias para eleger os carregamentos prioritários, já que existem regras para recepção de navios", diz o ministério em nota divulgada na tarde desta sexta (18).
Na nota, o ministério chama atenção para o fato de que a política emergencial irá no sentido contrário à prática corrente dos principais portos do mundo, segundo a qual quem chegou primeiro desembarca em primeiro lugar, exceto no caso dos navios de passageiros.
"Para isso ocorrer, uma das possibilidades é que os portos revejam seus regulamentos e editem portarias para eleger a carga de fertilizantes prioridade. A estratégia já foi usada anteriormente com navios de combustíveis na crise hídrica, durante a pandemia", conclui a nota.
Na avaliação do superintendente dos portos do Rio Grande do Sul, Fernando Estima, que também é superintendente do Porto de Rio Grande (RS), será necessário, no entanto, equilibrar a estratégia à necessidade de manter o ritmo das exportações brasileiras, em especial as do agronegócio.
"A ideia é não deixar represar nenhum navio com esses insumos, tentando não colocá-los em filas de espera para agilizar o desembarque e não causar mais custo nesses produtos. Mas será preciso tomar cuidado para, ao priorizar os fertilizantes, não deixar de lado as exportações de arroz, de soja e outros itens, para termos equilíbrio", diz Estima.
Para Luiz Fernando Garcia da Silva, presidente do Porto de Paranaguá (PR), o setor de logística, importadoras e fabricantes de fertilizantes que usam os insumos importados vivem uma fase de preocupação, ainda que as informações vindas da Rússia sejam por ora favoráveis.
"Ainda não sentimos os efeitos da guerra. E recentemente tivemos a informação por importadores de que os embarques seguem ocorrendo normalmente nos portos russos", diz Silva.
Segundo o responsável pela gestão do Porto de Paranaguá, o movimento de desembarque tem aumentado também por conta da antecipação das compras. "Em janeiro e fevereiro, tivemos recorde na chegada de fertilizantes, com aumento de 28% em relação ao ano passado. As vendas futuras [de fertilizantes] ficaram paralisadas, e agora foram retomadas, porém com aumentos de 35% no preço", afirma.
No Porto de Itaqui, no Maranhão, a situação é semelhante. Até a quinta-feira (17), o movimento de desembarque seguia normalmente. Foram recebidas 540 mil toneladas desde o início do ano, de janeiro até a quinta (17), com 10% desse volume vindo da Rússia.
"O volume que vem da Rússia não atingiu o patamar de 2021, mas como ainda estamos no início do ano isso poderá ser alcançado nos próximos meses", considera Jaílson Luz, diretor de operações do porto maranhense.
Neste momento, Itaqui aguarda a chegada de um navio vindo da Rússia, saído de lá em março, depois do início da guerra com a Ucrânia. "Estamos esperando a chegada depois do dia 25 de março, mas só atracará no porto provavelmente no início de abril", diz o executivo de Itaqui, levando em conta espera usual de quatro a cinco dias, estimativa feita antes da divulgação do plano federal.
Na avaliação de Luz, uma retração das entregas russas deverá ser compensada por maiores volumes importados do Canadá e, no caso de Itaqui, também por países africanos –como Marrocos, Tunísia, Egito– e, no Oriente Médio, Irã.
"Em abril e maio, podemos ter mais clareza se o Canadá conseguirá suprir mais para compensar a Rússia. Por isso, é esperado o crescimento das importações nesses meses. Se isso não acontecer, será sinal dos efeitos da situação geopolítica no mundo", afirma Luz.
Para Cléverton Oliveira, presidente do Porto de São Francisco do Sul (SC), que no ano passado apresentou a maior taxa de crescimento no desembarque de fertilizantes, de 30%, segundo a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), as entradas seguem crescendo neste início de ano.
Segundo Oliveira, esse crescimento teve a ver com investimentos fora do porto, de armazenagem. "Até este momento, não tem influência do conflito na Rússia nos desembarques de fertilizantes. Eram contratos já fechados", diz Oliveira.
"Nas próximas semanas poderemos dimensionar isso, e saber até que ponto pode existir algum acréscimo [no volume desembarcado da Rússia] ou até fuga, supondo que outros países podem querer ‘roubar’ a carga destinada ao Brasil, ainda que isso seja pouco provável. Mas hoje essa análise seria prematura", avalia.
Na feira Intermodal, encerrada em São Paulo na quinta-feira (17), que reuniu transportadoras, agências marítimas, fabricantes de fertilizantes e administradores de portos, o comentário era que as principais empresas do setor avaliam que não faltará insumo para a safra que começará a ser plantada em setembro. Os problemas poderão começar a partir daí, conforme o andamento da guerra.
Uma empresa que teria feito essa análise é a estatal norueguesa Yara Fertilizantes, que poderia ampliar suas remessas vindas do Canadá. Procurada pela Folha, a Yara Fertilizantes disse que não iria se manifestar sobre o ritmo das importações e perspectivas para os próximos meses.
Já a Mosaic Fertilizantes, representante da mineradora norte-americana Mosaic para distribuição no mercado brasileiro, afirmou por meio de nota que trabalha para honrar todas as encomendas anteriores ao início da guerra.
"[A Mosaic Fertilizantes] reconhece, porém, que o cenário é delicado, gera volatilidade dos preços e pesa no custo de produção e, consequentemente, na rentabilidade dos nossos produtores [rurais]", prossegue a nota (Folha de S.Paulo, 19/3/22)