08/04/2019

Nem gol nem frango, apenas um passe

Nem gol nem frango, apenas um passe

Por Pedro da Motta Veiga e Sandra Polónia Rios

Sem novos acordos na OMC, a concessão feita pelo Brasil nos EUA não terá tido nenhum resultado prático.

A avaliação dos primeiros movimentos do governo na área de política comercial tem sido contaminada pelo clima de Fla-Flu que domina o debate sobre a nova política externa brasileira. Um exemplo dessa contaminação foi a discussão que se seguiu à visita de Bolsonaro aos EUA. Dentre os resultados do encontro bilateral estava o anúncio de que o Brasil abriria mão dos benefícios que o tratamento especial e diferenciado confere aos membros com status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca da promessa de apoio dos EUA ao pleito brasileiro para ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para alguns, o Brasil fez um gol ao desfazer o bloqueio que os EUA vinham impondo à sua entrada no grupo dos ricos em troca de um “benefício” que o País já não vinha utilizando nos últimos anos. De outro lado, muitos interpretaram a barganha como um “frango” da diplomacia, tendo o Brasil comprado promessas vazias enquanto deixou na mesa benefícios relevantes para seu comércio internacional. Além disso, a renúncia ao trato favorecido na OMC não teria sido exigida de atuais membros em desenvolvimento da OCDE.

A leitura do comunicado conjunto emitido após a visita sugere que não é para tanto. Ali está dito que o “presidente Trump manifestou seu apoio para que o Brasil inicie o processo de acessão com vistas a tornar-se membro pleno da OCDE”. A demanda de acesso à OCDE foi iniciativa do governo brasileiro passado e é um apoio à agenda de reformas necessárias à modernização da economia. A obstrução dos EUA à solicitação do Brasil era, de fato, um impeditivo ao início dessas negociações.

O comunicado segue dizendo que “o presidente Bolsonaro concordou que o Brasil começará a abrir mão do tratamento especial e diferenciado nas negociações da Organização Mundial do Comércio, em linha com a proposta dos EUA”.

Em fevereiro deste ano os EUA apresentaram proposta para que, nas atuais e futuras negociações na OMC, quatro categorias de membros não venham a beneficiar-se de tratamento especial e diferenciado: 1) os atuais membros da OCDE e países em processo de acessão à organização; 2) os membros do G-20; 3) os países classificados como de “alta renda” pelo Banco Mundial; e 4) os países que respondam por mais de 0,5% do comércio mundial de mercadorias. A aplicação desses critérios levaria à “graduação” de cerca de 40 países. Atualmente, 2/3 dos 164 membros da OMC gozam de tratamento especial e diferenciado, conferido a países que se autodeclaram em desenvolvimento na OMC. Esse grupo inclui economias tão díspares quanto Chile, Coreia, México e Turquia – membros da OCDE – e Benin e Moçambique, entre os mais pobres do mundo.

O tema do tratamento especial e diferenciado tem constituído um dos obstáculos ao avanço das negociações na OMC. A avaliação de que a distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento “sem nuances” não reflete mais a realidade do desempenho econômico e da participação no comércio internacional de alguns países em desenvolvimento é compartilhada pela União Europeia, que também apresentou proposta para “graduar” as grandes economias em desenvolvimento.

Em termos de política comercial, o que parece relevante é que o multilateralismo continua tendo centralidade para o comércio exterior do Brasil e que a preservação da OMC como foro relevante de negociações comerciais passará, necessariamente, pela revisão dos compromissos que os grandes países em desenvolvimento assumem neste âmbito. Não haverá novos acordos sem que esses países abram mão de alguns benefícios do tratamento especial e diferenciado. E, neste caso, não será o Brasil o único a fazê-lo. Por outro lado, se não houver novos acordos na OMC, a concessão feita pelo Brasil em Washington não terá tido nenhuma consequência prática Pedro da Motta Veiga e Sandra Polónia Rios são diretores do Centro de Integração e Desenvolvimento – Cindes; O Estado de S.Paulo, 7/4/19))