Ninguém é insubstituível – Por Roberto Rodrigues
Recentes e recorrentes eventos climáticos extremos ampliaram as preocupações com as mudanças climáticas, fazendo com que duas questões – segurança alimentar e sustentabilidade – se tornassem o centro de atenção da humanidade, trazendo, com elas, a necessidade da descarbonização da atmosfera, enfatizando o conceito de ESG (sigla em inglês para cuidados que as empresas devem ter com o meio ambiente, o social e a governança) e determinando atitudes neoprotecionistas de diferentes governos, preocupados com o bem-estar de seus povos.
É evidente que tanto segurança alimentar quanto sustentabilidade passam pela atividade agropecuária florestal, em especial pela que está localizada no cinturão tropical do planeta, onde estão a América Latina, a África Subsaariana e diversos países asiáticos. São as regiões que ainda detêm muita terra não agricultada e nas quais tecnologias tropicais poderão aumentar a produtividade e a produção.
Também são conhecidos estudos da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico e da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (OCDE/FAO) e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), indicativos de que a oferta mundial de alimentos precisa crescer 20% em dez anos para que ninguém passe fome em nenhum lugar. Para isso acontecer, o Brasil precisa aumentar em 40% sua exportação de alimentos no período referido, produzindo bem mais do que hoje.
Ora, esses estudos e a ideia de que o maior aumento da produção agrícola e pecuária se dará no cinturão tropical convergem para uma grande responsabilidade do Brasil quanto à alimentação mundial, até porque aqui foi desenvolvida uma tecnologia tropical sustentável que pode ser replicada em inúmeros outros países.
Legenda: Brasil é um dos maiores produtores de soja e terá de aumentar cultivo para atender demanda global Foto: Adilvan Nogueira Estadao
No entanto, nada garante que seremos sempre os campeões mundiais da segurança alimentar. Na semana passada, apareceram duas cabeças de gado com a chamada “doença da vaca louca”, uma no Mato Grosso e outra em Minas Gerais.
Felizmente, ambas eram animais velhos e ficou comprovado, por meio de exames em laboratório credenciado do Canadá, que se tratava de doença atípica, isto é, causada por problemas neurológicos ligados à senilidade dos animais, e não pela ingestão de alimentos inadequados.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), tão logo soube dos fatos notificou o governo chinês e suspendeu a exportação de carne bovina para aquele país, iniciativa que consta de um acordo sanitário entre os dois países.
Consequentemente, frigoríficos exportadores reduziram o abate e o preço do gado caiu. Felizmente, ficou claro que nenhum dos casos representa perigo à saúde – humana ou animal –, e a própria Organização Internacional de Epizootias (OIE), também informada pelo Mapa, já deu por encerrado o problema.
O incidente levanta duas questões. A primeira, super positiva, é que nosso sistema de vigilância sanitária é eficiente e o Mapa tomou, com agilidade, as providências cabíveis, inclusive no âmbito da diplomacia.
A segunda é mais instigante: exportamos cerca de 30% da carne bovina produzida no Brasil, e a China importa metade disso. Imaginemos se o caso não fosse atípico, isto é, se fossem duas reses com a “vaca louca” verdadeira. A China pararia de importar até quando? Quantos outros compradores nos cortariam? Por quanto tempo? Se demorasse muito, o que aconteceria com a cadeia produtiva da carne? O que fariam os importadores todos? Buscariam outros países produtores de proteína animal?
Seria, sem sombra de dúvida, uma situação terrível para nós. E se isso acontecesse com a soja, por exemplo? Se uma doença atacasse as plantas com muita virulência e nem a China nem ninguém quisesse importar por um certo período? Pura especulação, claro, altamente improvável, mas não valeria a pena exercitar esses cenários? Não apareceu a covid-19? Quem esperava por isso?
O fato é que a relação de interdependência que temos com a China é muito forte. Hoje, esse país asiático é, de longe, nosso maior mercado, precisamos deles, e os chineses precisam de nossos produtos. Será que eles pensam nisso? Teriam alguma estratégia para reduzir a dependência do Brasil? Estariam buscando substitutos?
É preciso manter um relacionamento de alto nível com a China, trabalhando estrategicamente, em paralelo, em acordos com outros grandes países ou grupos deles que sejam consumidores/importadores.
Considerando fatos inesperados e tomando como base outros na história recente do agronegócio brasileiro, diversificar mercados é uma meta essencial para garantir crescimento sustentável (Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas; O Estado de S.Paulo, 12/9/21)