No fomento de novas lideranças, a chance do Brasil
Por Paulo Hartung
País não merece ser refém de uma arcaica vida política com visões estreitas de mundo.
Na arena política, o País experimenta uma carência que descora a democracia e empalidece o horizonte nacional. Há muito o Brasil não vem sendo capaz de renovar substancialmente o conjunto de suas lideranças. Na superação dessa comprometedora falha republicana se encontra exatamente uma das melhores chances de promovermos um outro tempo para a Nação, distante dos erros do passado, antenado nas questões do presente e conectado às oportunidades do futuro.
Há décadas o País atravessa um deserto quanto ao surgimento de líderes que inspirem, pautem e ensejem o novo, a inovação e a vanguarda em termos socioeconômicos e político-culturais. Uma demanda que, se não bastasse o acúmulo gigantesco de dívidas históricas quanto à prosperidade compartilhada, é radicalmente potencializada pelo terremoto político, tecnológico e comportamental que redesenha o planeta sem forma nem esboço.
O Brasil preparou muita gente de todas as posições políticas no entorno de 1964. Depois veio o vácuo instaurado pela ditadura militar. Com a redemocratização o País voltou a formar lideranças em todos os campos do pensamento político – é daí que venho, meu treinamento foi na luta pela volta das liberdades. Nesse meio tempo se instalou um vazio quanto ao surgimento de líderes políticos.
As motivações desse hiato podem ser inúmeras, desde o tsunami sociotécnico e cultural que varre o planeta, passando pela ocorrência de tormentosos escândalos de corrupção mundo afora, até o ataque ideológico à política democrático-republicana como via de se projetar e constituir a dignidade humana sob os paradigmas da liberdade, igualdade, fraternidade, diversidade e sustentabilidade.
Em meio a essa conjuntura planetária, que dialoga perfeitamente com a nossa realidade, uma questão nacional deve ser destacada na produção desse deserto de novas lideranças: um país que tem mais de 30 partidos não tem representação partidária. Só uma efetiva reforma do sistema político promoverá mudanças que possam dar uma direção racional e programaticamente assertiva à vida político-partidária no País, contribuindo até para que os próprios partidos retomem a função de formar lideranças – tarefa que não é sua exclusividade, mas é um de suas mais fortes razões de existir.
Nessa cena desoladora, onde vicejariam as novas lideranças políticas? No vácuo das agremiações partidárias, mas não em sua substituição, obviamente, encontram-se movimentos cívicos a dar vazão à demanda por formação de líderes. Temos o RenovaBr, de que sou conselheiro, como parte de minhas atividades voluntárias, o Livres, o Raps. Esses e outros exemplos são importantes iniciativas a abrir espaço a uma meninada arejada, independentemente se à direita, à esquerda ou ao centro do espectro político, usando a velha linguagem.
O fundamental é que novas lideranças surjam, tenham boa formação e estejam capacitadas a operar com os desafios e os propósitos da vida política, habilitadas a debater ideias, conviver com a diferença, negociar, construir consensos, etc. Não se nasce com as capacidades e habilidades da liderança. Não é só questão de vocação. Boa parte é treinamento, aprende-se a fazer, como já ensinou a Grécia clássica.
O RenovaBR foi fundado em outubro de 2017. Já em 2018 foram 4 mil inscritos, com 133 alunos formados. Dos participantes, foram 17 eleitos (9 deputados federais, 7 estaduais, 1 senador). Em 2019 o movimento teve 31 mil inscritos, com 1.400 alunos matriculados e 1.170 formados; 40% não tinham filiação partidária e dentre os filiados havia representantes de 30 dos 33 partidos existentes hoje no Brasil. Dada a forte demanda, abrimos no início de janeiro uma turma, com inscrições até este 7 de fevereiro.
“Arte de pensar as mudanças e torná-las efetivas.” O saudoso geógrafo Milton Santos deixou-nos como um de seus mais importantes legados a definitiva conceituação do que seja a política, considerando que a civilização é um projeto em constante movimento, permanentemente desafiado pela conjuntura socioeconômica, tecnológica e político-cultural.
E a política de verdade não se faz sem lideranças capazes de inspirar e mobilizar a cidadania. Segundo o historiador Paul Johnson, a vida de Winston Churchill passa ao menos cinco lições importantes sobre liderança: pense sempre grande, nada substitui o trabalho árduo, nunca deixe que erros e desastres o abatam, não desperdice energia com mesquinharias e, por fim, não deixe que o ódio o domine, anulando o espaço para a alegria na vida.
Pode haver vários caminhos para pôr o País novamente no rumo do desenvolvimento socioeconômico inclusivo e sustentável, mas parece impossível vislumbrar novos horizontes sem a formação de uma nova geração de líderes, algo indispensável à superação da aridez que vem assolando a política nacional. O Brasil não merece e não pode ser refém de uma arcaica vida política baseada em visões estreitas e ultrapassadas, quando não incivilizadas, de mundo (Paulo Hartung, economista, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), foi governador do Espírito Santo; O Estado de S.Paulo, 4/2/20)