09/12/2024

No Piauí, agro acelera corrida pela conectividade em tempo real

No Piauí, agro acelera corrida pela conectividade em tempo real

Conheça o projeto do grupo Sierentz, que fatura R$ 970 milhões por ano, e que investiu R$ 30 milhões para produzir soja e milho com mais precisão.

 

“Um pendrive ficava o dia todo na máquina. No final do dia, a gente tratava no computador, fazia levantamento e mapa. Se eu falhasse, só ia saber no outro dia. Agora aparece em tempo real no aplicativo”, conta Ismael Azevedo, gerente de tecnologia da informação (TI) da Sierentz Agro, empresa agrícola criada em 2017 por ex-traders da francesa Louis Dreyfus Company. A Sierentz Agro arrendou 100 mil hectares nos municípios de Santa Filomena, no Piauí; em Santana do Araguaia, no Pará, e no Alto Parnaíba, na região Gerais de Balsas, no sul do Maranhão.

 

No Piauí, uma região de Cerrado, estão três fazendas, a Serra do Ovo, a Tagy e a Baixo Fechado. Juntas, ocupam uma área de 18 mil hectares e vêm funcionando como uma sala de aula para a empresa. Em área contínua, agora se chamam Fazendas Novas Unificadas. Quem sobrevoa a área pode tirar a prova dos nove sem muita dificuldade. É lá que a Sierentz Agro está implantando as inteligências digitais que estão fazendo a diferença no negócio e chamando a atenção. Instaladas há dois meses, duas grandes antenas dominam o cenário e agora conectam a produção e seus dados em tempo real.

 

Formada em 2023, em uma parceria do tipo “leve e ganhe”, as torres foram um brinde do pacote comercial entre a Case IH, fabricante de máquinas agrícolas que pertence à multinacional CNH Industrial, e a TIM, uma das principais operadoras de telecomunicações no Brasil.

 

A Sierentz Agro investiu R$ 30 milhões em equipamentos, como plantadeiras e colheitadeiras, e recebeu as duas antenas. Até agora, de acordo com a Case IH, 25 produtores já se beneficiaram do acordo e 37 antenas foram entregues. Outras 21 já estão instaladas e a previsão é que ainda neste mês de dezembro elas sejam ativadas, o que deve levar a 1 milhão de hectares, conectados. Cada R$ 15 milhões investidos em máquinas significam 1 antena instalada.

 

“Quando ouvimos a proposta das antenas, pensei ‘vamos ser operadores de telefone?'”, brinca o argelino de nacionalidade francesa, Christophe Akli, engenheiro agrônomo e CEO da Sierentz Agro, que agora, com as torres ativadas, aposta em uma maior produtividade graças à conectividade.

 

“Vamos alavancar a agricultura tecnificada e digitalizar as nossas operações, para produzirmos mais e de maneira ambientalmente mais adequada. Hoje, o grupo fatura US$ 160 milhões (R$ 974 milhões na cotação atual) por ano. A ideia é crescer ainda mais com a conectividade.” Com primeira e segunda safra, o grupo cultiva 100 mil hectares de soja, e 40 mil hectares de milho. Na safra 2024/25, a estimativa é colher 600 mil toneladas de grãos. A empresa ainda planta algodão em fase de testes e possui cerca de 13 mil bovinos corte, criados em sistema de Integração Lavoura Pecuária (ILPF).

 

Viagem sem Volta e Fora da Curva

 

No caso da fazenda do Piauí, o que começa a ocorrer é transformador e fora da curva. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que o valor da produção do estado cresceu 384% de 2015 para 2023, sendo que o município de Santa Filomena está entre os seis responsáveis por 72% do cultivo de grãos piauienses. No entanto, a conectividade nunca foi o forte da região.

 

Porém, com as antenas, a história começa a mudar. Em setembro do ano passado, o ICR do município era de 0,08. Hoje, ele é de 0,20. Explicando: ICR significa Índice de Conectividade Rural. Ele é feito pela ConectarAGRO, organização de fomento à expansão do acesso à internet nas áreas rurais do país, a partir de dados da Anatel. O ICR varia de 0 a 1, sendo que 1 indica o maior nível de conectividade rural.

 

As antenas da TIM foram equipadas com as redes 4G, que conecta dispositivos eletrônicos com uma frequência de 700 MHz, e com Narrowband IoT (NB-IoT), que oferece uma cobertura que pode ser três vezes maior que o 4G. Juntas, as soluções conectam celulares, máquinas agrícolas e ambientes indoor e outdoor. Atualmente no país existem cerca de 18 milhões de hectares cobertos pelo 4G e 38 milhões com a rede NB-IoT da TIM.

 

“A conectividade está viabilizando soluções tecnológicas no agro, como a Inteligência Artificial (IA), que foram desenhadas há muito tempo, mas faltava internet”, diz Leonardo Belotti, diretor comercial IoT & 5G da TIM. A conectividade que a Sierentz Agro e outras empresas estão experimentando hoje começou em 2018, quando a empresa de telefonia decidiu calçar as botas e ir a campo. Além dos benefícios para a produção, Belotti destaca o ganho social. “Um colaborador me disse que agora, com a internet, ele pode estudar e falar com a família. As escolas e as comunidades que ficam nos arredores de propriedades conectadas também ganham”, diz ele.

 

Paola Campiello, gerente de novos negócios, com expertise em soluções de conectividade da CNH, e que idealizou o projeto “compre máquinas e leve antenas”, explica que tudo está dando certo porque a Case IH também queria levar internet e conectividade às comunidades, além da produção. “Nossas máquinas saem conectadas de fábrica, mas muitas vezes chegam em fazendas que não têm internet. Por isso que não adianta ter só tecnologias. Precisamos de conectividade para usufruí-las e melhorar a vida do produtor, dos funcionários e das comunidades locais”, explica.

 

Ela ainda destaca que as torres e seu monitoramento foi a estratégia para conectar as máquinas da empresa e levar o produtor rural a se acostumar com as análises preditivas como algo natural na sua lida diária. “Apesar de saber a importância da internet, o produtor prefere máquinas às antenas. Então unimos uma coisa à outra”.

 

Para Denny Perez, diretor Comercial da Case IH Brasil, “não adianta ter tecnologia se ela não for capaz de aumentar a produção, reduzir aplicação e consumo de combustível. Tudo isso pode ser analisado nos dados coletados das máquinas conectadas”. Ele diz que monitorar o funcionamento dos equipamentos é fundamental. “Para nós foi um ganho, porque máquinas conectadas são máquinas monitoradas. Com isso, coletamos dados e vemos o que podemos melhorar”.

 

Inoã Medeiros, coordenador de agricultura digital da Sierentz Agro, diz que é fácil controlar toda a produção por meio do aplicativo Case IH Fields Ops, com acesso a dados e percepções em tempo real, localização precisa do equipamento, status de serviço e tempo estimado de conclusão do trabalho. “Pelo aplicativo, temos acesso à informações sobre as sementes e se elas estão no disco correto, para garantir que cada metro vai ser cultivado. Sem esses dados, não íamos saber sobre falha de plantio, por exemplo. Isso nos ajuda a gastar menos e ter uma operação mais eficiente”, diz ele.

 

Produção em Tempo Real

 

Acompanhar as etapas da produção de ponta a ponta é só uma das vantagens do tempo real. Paola, da ConectarAGRO, destaca como as máquinas conectadas oferecem resultados melhores. “Com dados em tempo real, o produtor consegue tomar decisão imediata, melhorar a produção, tornando-a mais produtiva e precisa”, diz ela.

 

Com dois meses de uso do tempo real, o engenheiro agrônomo Paulo Bonifácio, que é gestor de operação da regional do Alto Parnaíba da Sierentz Agro, já consegue perceber os ganhos e dá exemplo do que vê. “Com o tablet na minha mão, por exemplo, eu consigo monitorar o gerenciamento de eficiência de mão de obra. No caso do combustível, podemos ver quanto poderíamos economizar. Se reduzirmos 1 litro por hectare da nossa área de 18 mil, já economizamos R$ 100 mil”, diz ele. Os dados em tempo real também começaram a responder a duas outras questões importantes: chuvas e janela de plantio.

 

Sobre a primeira, ele pode ver com clareza as áreas mais afetadas pelo tempo. “Antes, a gente quebrava a cabeça para entender porque a produção em um determinado talhão não foi boa e onde faltou chuva. Com os dados, vemos exatamente o que provocou isso com precisão”, diz Bonifácio. No caso da janela de plantio, “para a próxima safra de soja, já sabemos que se plantarmos em áreas mais novas, mas no final da janela, a produtividade cai em torno de 20%. Então vamos colocar essas áreas no início” (Forbes, 6/12/24)