26/05/2020

No setor de cana, crise afeta mais usina que só produz etanol

No setor de cana, crise afeta mais usina que só produz etanol

Das 213 unidades que entraram em operação, cerca de 80 são apenas destilarias e estão vendendo a preços inferiores ao de custo.

A pandemia do novo coronavírus fez a venda de etanol despencar nas usinas do centro-sul, e muitas passaram a produzir mais açúcar, em vez do combustível derivado da cana, numa safra que começa muito afetada pela Covid-19.

No setor, que é altamente mecanizado, o protocolo sanitário devido à doença envolve cuidados desde o transporte até o refeitório, passando por esterilização de equipamentos, desinfecção de máquinas em trocas de turnos e de ambientes e redução na capacidade de passageiros nos ônibus.

Só que, se medidas de saúde foram tomadas, faltam medidas econômicas, segundo o setor. Das 213 unidades que entraram em operação até a primeira quinzena do mês, conforme a consultoria Datagro, cerca de 80 são apenas destilarias, ou seja, produzem só etanol e estão vendendo a preços inferiores ao de custo. O cenário geral fez a Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar) procurar ajuda federal.

Sem a pandemia, o ano seria de bons preços para açúcar e previsão de demanda recorde para o etanol, segundo o presidente da Unica, Evandro Gussi. E agora? “Impossível saber. Quem disser que sabe está mentindo”, afirmou.

 

Os preços do etanol despencaram desde março. O litro do hidratado —vendido diretamente nas bombas— ao produtor estava cotado a R$ 2,16, sem impostos, e chegou a cair para R$ 1,28 no intervalo de 30 dias. Na semana passada, estava em R$ 1,43.

O etanol é o produto que gera capital de giro para as usinas iniciarem a safra, período em que mais têm gastos.

“Como elas não têm a flexibilidade para fazer açúcar, ficam expostas a esse choque duplo que é queda de preço e de consumo. Aí, quando olha o setor agropecuário como um todo, talvez seja o único afetado. Porque a soja, embora o preço em dólares tenha caído, por causa da desvalorização do real estamos vendo preços perto de R$ 110 a saca. O milho, em Campinas, está em R$ 47, excelente também. A arroba do boi gordo, que já chegou a R$ 220, está se mantendo em R$ 200”, disse Plinio Nastari, presidente da Datagro.

Gussi disse que o cenário é assustador. “No ano em que a gente esperava uma safra entre as maiores, vemos uma retração da demanda, acompanhada de redução tão drástica do preço da gasolina. Isso é muito preocupante”, disse. Segundo ele, além da pandemia, a disputa entre árabes e russos em razão da produção de petróleo fez a gasolina despencar, prejudicando o etanol.

O setor pediu um programa para financiamento de estoques, além de reequilíbrio na Cide (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), incidente na gasolina. Mas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que não iria aumentá-la, o que gerou frustração.

“É cada dia mais preocupante o que acontece nas usinas. É matemático: estão vendendo etanol abaixo do custo de produção e muito menos do que se esperava vender.”

Já o açúcar, apesar da queda em dólares em sua cotação, foi beneficiado pela desvalorização do real. Do total de cana processada nas usinas em abril, 45,76% viraram açúcar. Em 2019, no mesmo período, o índice era de 30,87%.

“Fabricar álcool significa deixar no tanque a produção e imobilizar capital de giro, no momento que tem maior demanda de capital de giro no setor. Para evitar isso, o produtor pode e está fazendo açúcar, já que o preço se mantém, devido ao dólar”, disse Nastari.

Um alento para o setor é que, com a alta recente nos preços do petróleo, a Petrobras passou a reajustar a gasolina. Em três semanas, o preço acumula alta de 38% nas refinarias. Com isso, o etanol recupera parte da competitividade perdida (Folha de S.Paulo, 25/5/20)