Nobel para Paolinelli? Seu legado para a agricultura sustentável brasileira
Discutimos anteriormente neste fórum como o Brasil deixou de ser um país importador de alimentos na década de 1970 para ocupar hoje um lugar de destaque como uma superpotência agrícola, entre os maiores produtores e exportadores mundiais de alimentos.
Nessa revolução agrícola tropical sustentável, merece destaque especial o legado do ex-ministro Alysson Paolinelli, que iniciou esta revolução e deu prosseguimento até os dias de hoje, tendo sido recentemente indicado pela ESALQ/USP ao prêmio Nobel da Paz.
Você pode estar se perguntando: Prêmio Nobel da Paz? Sim. Repetindo o que sempre diz o nosso ex-ministro Roberto Rodrigues: “Agro é paz, a partir do começo deste século, a ONU, instituição multilateral destinada a preservar a paz mundial passou a se preocupar com segurança alimentar. Percebeu que não haverá paz onde houver fome.”
Vislumbramos um futuro brilhante para nossa agropecuária. Somos considerados o celeiro do mundo. Ainda de acordo com a ONU, a população mundial será de 9,5 bilhões de habitantes em 2050, havendo a necessidade de aumento na produção de alimentos de mais de 60% para que haja segurança alimentar no mundo. De acordo com um estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) de 2017, o Brasil tem a missão de aumentar em 40% a sua produção de alimentos de maneira sustentável. A título de comparação, o crescimento previsto para a produção de alimentos na China seria de 15%, seguido por União Europeia (12%), Estados Unidos (10%), Canadá (9%), Oceania (9%) e Rússia (7%). Nosso país poderá realizar esta missão, pois hoje dispomos da tecnologia tropical sustentável adaptada a nossa realidade, com terras agricultáveis, regime de chuvas e agricultores competentes nos mais diversos setores da cadeia produtiva.
Mas nem sempre foi assim. Parafraseando Steve Jobs, só é possível juntar os pontos olhando para trás. Só será possível ter um olhar sobre o futuro da produção agropecuária para atingir esta meta se compreendermos de onde partimos.
Tudo começou a mudar na década de 1970, quando o Brasil, um país em desenvolvimento, que dependia do mercado internacional para comprar até alimentos básicos, teve o desafio de equilibrar a nossa balança comercial, mudando do modelo industrial. A melhor solução a curto prazo foi o desenvolvimento do setor agrícola, entretanto, não havia o conhecimento para produzir os alimentos que o país necessitava, pois as tecnologias existentes na época só serviam para as regiões temperadas.
É aí que Alysson Paolinelli, um dos maiores líderes brasileiros, mudou tudo, revolucionando a agricultura brasileira, contribuindo para o desenvolvimento da agricultura sustentável no Cerrado e desta maneira, auxiliando na preservação do meio ambiente. Tive a grata satisfação de conviver recentemente com o ex-ministro Paolinelli, o que me fez refletir sobre o que temos de mais rico na nossa agropecuária: as pessoas que trabalharam para todo o sucesso do agro brasileiro que se vê hoje.
O caminho percorrido para chegarmos ao patamar de um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo foi baseado em ciência. Houve um enorme investimento em pesquisa e tecnologia para adaptar os cultivares e técnicas às condições tropicais. Paolinelli como professor, secretário de Estado, ministro da Agricultura, membro do Congresso Nacional e líder rural, estruturou um sistema de pesquisa agropecuária tropical único no mundo, fomentando a implantação da EMBRAPA, a maior empresa de tecnologia agropecuária do mundo tropical, hoje com 2.400 pesquisadores e 42 unidades descentralizadas de pesquisa.
Para realizar a transferência das inovações para o produtor rural, foi criada a Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural). Outro ponto da estratégia foi uma política pública que estimula os produtores, como programas de desenvolvimento regional, como o Polocentro, que buscava incorporar parte do Cerrado à produção agropecuária brasileira em cinco anos. Paolinelli comandou a transformação do bioma com a construção da fertilidade do solo, transformações químicas e biológicas.
O Brasil se tornou líder na agricultura sustentável tropical, exportando técnicas e tecnologia para outros países do cinturão tropical. Os índices de produtividade do Brasil não pararam de crescer: de 1975 a 2020, a produção cresceu 384% e a produtividade, 500%. Já na década de 1980, o Brasil atingiu a autossuficiência alimentar e, como consequência, a redução do peso da alimentação nos gastos de consumo das famílias. Em meados de 1970, produzíamos 47 milhões de toneladas de grãos, e hoje, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estima safra de grãos 2021/2022 em 289,6 milhões de toneladas.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), atualmente mais de mil cidades situadas no Cerrado produzem 46% da safra de soja do país, 49% do milho, 93% do algodão e 25% do café. A pecuária é responsável por 32% do rebanho de bovinos, 22% dos frangos e 22% dos suínos. O Brasil também se transformou em destaque da segurança alimentar mundial, com quase 20% do comércio internacional de alimentos básicos.
A revolução agrícola tropical sustentável proporcionou aumento de produtividade sem a necessidade de aumento de área, poupando 128 milhões de hectares, que seria a área necessária para atingir a nossa produção atual de cereais e oleaginosas, sem os ganhos de produtividade. De suma importância pontuar que o Cerrado brasileiro conserva 54% de área com cobertura vegetal natural, sendo que 35% é protegido por lei e vedado à exploração econômica.
Termino com a declaração de Norman Borlaug, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1970, considerado o pai da revolução verde, sobre o trabalho de Paolinelli: “O Cerrado brasileiro está sendo palco da segunda ‘Revolução Verde’ da humanidade. Os pesquisadores brasileiros desenvolveram técnicas que há 20 anos tornaram uma área improdutiva na maior reserva de alimentos do mundo” (Helen Jacintho é engenheira de alimentos por formação e trabalha há mais de 15 anos na Fazenda Continental, na Fazenda Regalito e no setor de seleção genética na Brahmânia Continental. Fez Business for Entrepreneurs na Universidade do Colorado e é juíza de morfologia pela ABCZ. Também estudou marketing e carreira no agronegócio. E-mail: helen@