Novo capitalismo dará resposta a desafios ambientais e sociais
Grandes empresas deveriam compreender que elas são partes muito interessadas em nosso futuro comum.
Por Klaus Schwab
Que tipo de capitalismo desejamos? Essa pode ser a questão definitiva de nossa era. Se desejamos sustentar nosso sistema econômico para as gerações futuras, é preciso que a respondamos corretamente.
Em termos gerais, temos três modelos entre os quais escolher. O primeiro é o “capitalismo de acionistas”, adotado pela maior parte das grandes empresas ocidentais, que propõe que o objetivo de uma companhia deve ser a maximização dos lucros.
O segundo é o “capitalismo de Estado”, que confia ao governo a tarefa de estabelecer a direção da economia e ganhou proeminência em muitos países emergentes, entre os quais se destaca a China.
Mas, comparada a essas duas opções, a terceira é a que tem mais a recomendá-la. O capitalismo de “stakeholders” [partes interessadas], modelo que propus inicialmente meio século atrás, posiciona as empresas privadas como curadoras dos interesses sociais e claramente representa a melhor resposta aos atuais desafios sociais e ambientais.
O capitalismo de acionistas, o modelo hoje dominante, começou a ganhar terreno nos EUA na década de 1970 e expandiu sua influência em todo o mundo nas décadas seguintes. Sua ascensão não deixa de ter méritos. Durante seu período de maior influência, centenas de milhões prosperaram em todo o mundo, à medida que empresas abriam novo mercados e criavam novos empregos, em busca do lucro.
Mas essa não é toda a história. Os defensores do capitalismo de acionistas, entre os quais Milton Friedman e a Escola de Chicago, negligenciaram o fato de que uma empresa de capital aberto não é apenas uma entidade que busca lucros, mas também um organismo social. Somado às pressões do setor financeiro por resultados melhores em curto prazo, o foco obsessivo no lucro levou o capitalismo de acionistas a se desconectar mais e mais da economia real.
Muitos percebem que essa forma de capitalismo já não é sustentável. A questão é por que as atitudes quanto a ele só começaram a mudar agora.
Um provável motivo é o efeito “Greta Thunberg”. A jovem ativista sueca da causa do clima nos fez recordar que a adesão ao atual sistema econômico representa uma traição às futuras gerações, por sua falta de sustentabilidade ambiental.
Outro motivo (correlato) é que os membros da geração milênio e da geração Z já não querem trabalhar para, investir em, ou comprar de companhias cujos valores se limitem a pregar a maximização do valor para os acionistas.
E, por fim, executivos e investidores começaram a reconhecer que seu sucesso em longo prazo está estreitamente ligado ao de seus clientes, empregados e fornecedores.
O resultado é que o capitalismo de “stakeholders” vem ganhando terreno rapidamente. A mudança de direção era necessária havia muito tempo. Descrevi o conceito inicialmente em 1971, ao criar o Fórum Econômico Mundial com o objetivo de ajudar líderes empresariais e políticos a implementá-lo. Dois anos mais tarde, os participantes da reunião anual do fórum assinaram o “manifesto de Davos”, que descreve as responsabilidades dos dirigentes de uma empresa para com todas as partes interessadas.
Deveríamos aproveitar o momento para garantir que o capitalismo de “stakeholders” se mantenha como novo modelo dominante. Para esse fim, o Fórum Econômico Mundial está lançando um novo “Manifesto de Davos”, que diz que as empresas devem pagar seu justo quinhão de impostos, mostrar tolerância zero à corrupção, sustentar os direitos humanos em toda a extensão de suas cadeias mundiais de suprimento e defender a igualdade de condições para concorrência, especialmente na “economia de plataformas”.
Mas, para defender os princípios do capitalismo de “stakeholders”, as empresas precisarão de novos indicadores. Para começar, um novo indicador de “criação de valor compartilhado” deveria incluir metas “ecológicas, sociais e de governança” (ESG) como complemento aos indicadores financeiros padronizados. Felizmente, uma iniciativa para o desenvolvimento de um novo padrão que atenda essa necessidade já está em curso, com apoio das “quatro grandes” companhias de auditoria e liderada por Brian Moynihan, presidente do Conselho Internacional de Negócios e do Bank of America.
O segundo indicador que precisava ser reajustado se refere à remuneração dos executivos. Da década de 1970 para cá, a remuneração dos executivos disparou, em geral para “alinhar” a tomada de decisões pelos gestores aos interesses dos acionistas. No novo paradigma do capitalismo de “stakeholders”, os salários deveriam se alinhar, em lugar disso, com o novo indicador referente à criação de valor compartilhado em longo prazo.
Por fim, as grandes empresas deveriam compreender que elas são partes muito interessadas em nosso futuro comum. Elas deveriam trabalhar com outras partes interessadas a fim de melhorar a situação do mundo em que operam. Na verdade, esse deveria ser seu propósito definitivo.
Os líderes empresariais têm uma oportunidade incrível. Ao dar significado concreto ao capitalismo de “stakeholders”, podem ir além de suas obrigações legais e cumprir seu dever para com a sociedade. Eles têm a capacidade de aproximar o mundo da realização de metas compartilhadas, como as delineadas sob o Acordo de Paris quanto ao clima e na Agenda de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Se eles realmente desejam deixar sua marca no planeta, não existe alternativa (Este texto foi distribuído pelo Project Syndicate; Folha de S.Paulo, 30/11/19)