07/11/2019

Novos ventos para a energia – Editorial O Estado de S.Paulo

Novos ventos para a energia – Editorial O Estado de S.Paulo

Segundo a ONU, até 2050 energias renováveis como a solar, a eólica, a geotérmica, a marítima e outras poderão abastecer 80% da demanda mundial.

A substituição de energias poluentes, como carvão, petróleo ou gás, por fontes renováveis é um processo irreversível e global. Há até um termo forjado no mundo das finanças para se referir ao capital investido nas fontes tradicionais: “stranded fossil fuel assets” (ativos encalhados de combustíveis fósseis). Enquanto as fontes fósseis são geograficamente restritas a alguns países, as renováveis podem ser desenvolvidas por todos. Segundo a ONU, até 2050 energias renováveis como a solar, a eólica, a geotérmica, a marítima e outras poderão abastecer 80% da demanda mundial.

Assim, descobertas como a do pré-sal precisam ser intensamente exploradas, porque, a longo prazo, por mais rentáveis que sejam, estão com os dias contados. O Brasil já tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, menos por consciência ambiental do que por fatores geográficos e históricos. O petróleo e o carvão, principais comburentes da revolução industrial, eram recursos escassos no território nacional, que, por outro lado, foi abençoado com caudalosas bacias hidrográficas. O desenvolvimento das grandes usinas conseguiu literalmente “eletrizar” o País, gerando empregos, mobilizando setores como o da construção e oferecendo energia a preços competitivos. Mas mesmo esse modelo dá sinais de esgotamento. As melhores oportunidades estão na Amazônia, porém os riscos de impacto ambiental têm imposto um freio prudente à sua expansão indiscriminada.

Segundo estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) sobre pesquisa e inovação no Brasil, as melhores perspectivas estão em áreas nas quais as empresas nacionais já estão na fronteira tecnológica, como biocombustíveis e “química verde”. Mas há um imenso potencial nas energias eólica e solar, ainda que Europa e China estejam bem à frente, de modo que num futuro próximo as perspectivas são mais de adaptação de novas tecnologias do que de criação. Até pouco tempo, dois obstáculos minavam este potencial, relegando estas fontes a uma posição acessória: um natural, a sua intermitência, e outro político, a governança precária. Nos últimos anos, ambos vêm sendo vencidos, respectivamente com tecnologias de estocagem e novas regras, com ganhos imediatos não só ambientais, como econômicos.

No caso específico da energia solar, como mostrou reportagem do Estado, em três anos os sistemas de geração de energia solar se multiplicaram de 8,7 mil para 111 mil, um avanço de 1.181%. O apelo aos painéis solares começou com as mudanças nas regras do setor de energia, em 2012, que deram mais liberdade ao consumidor para eleger suas fontes de eletricidade. No mesmo período, enquanto as tarifas de eletricidade subiam quase 90%, mais que o dobro da inflação, o preço dos painéis solares caía cerca de 40%. Isso atraiu, primeiro, os clientes residenciais e, mais recentemente, as empresas. Para estas, além da redução na conta de luz, o modelo sustentável traz retornos à marca – facilitando inclusive o acesso a linhas de crédito.

Agora, o País chega a um momento importante de definições na regulamentação do setor. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propõe que os proprietários de um sistema fotovoltaico passem a pagar encargos e custos da rede de distribuição, o que não acontece hoje. É uma faca de dois gumes. Segundo a Agência, isso desoneraria os demais consumidores da rede. Mas representantes do setor e usuários afirmam que isso poderia aumentar em 60% os custos de quem investe em geração solar, sufocando na raiz um mercado promissor, mas ainda incipiente. É uma posição consistente, afinal, no mundo inteiro a energia solar tem subsídios durante o desenvolvimento da fonte. A proposta da Aneel está em consulta pública desde o dia 18 de outubro. Merece toda a atenção de especialistas e autoridades, que precisarão desenhar políticas e estratégias para o setor. A vantagem é que, se os possíveis caminhos são muitos, o destino é inexorável: a energia do futuro virá cada vez menos do ventre da terra e cada vez mais do céu aberto – dos ventos e do sol (O Estado de S.Paulo, 7/11/19)