Num mundo em aquecimento, o agro deve estar no centro da ação climática

COP 30-Foto Reprodução Blog The Conversation - AP Photo - Sergei Grits
Por Martina Otto e Kaveh Zahedi
Focar nos superpoluentes pode ser uma das ações mais eficazes que podemos tomar para garantir nosso futuro imediato.
O mundo precisa tomar medidas urgentes e coordenadas para cumprir as agendas de clima e de qualidade do ar. Com a reunião de representantes de governos, organizações intergovernamentais e não governamentais no Brasil para a Conferência sobre Clima e Qualidade do Ar nesta semana, seguimos confiantes de que existem soluções para reduzir o aquecimento global e limpar a poluição dos nossos céus no curto prazo. A agricultura está no centro dessas soluções. Mas todas as nações precisam se unir para agir com determinação e ambição agora. Qualquer atraso, e correremos o risco de trilhar um caminho tortuoso.
Pela primeira vez na história, em 2024, a temperatura média global superou 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. A poluição do ar contribuiu para a morte prematura de aproximadamente 8 milhões de pessoas. O setor agroalimentar e aqueles que dele dependem estão sofrendo com extremos de temperatura induzidos pelo clima e com a poluição do ar, perdendo quase um terço das colheitas em regiões-chave, como a soja na América Latina e o trigo e o milho na Europa e Ásia. No mundo todo, 10% das terras aráveis podem se tornar inférteis até 2050 e até 80 milhões de pessoas podem passar fome. Precisamos de ações que funcionem de forma rápida e justa.
Reduzir as emissões dos chamados “super poluentes”, incluindo poluentes climáticos de curta duração (SLCPs) como metano, carbono negro, hidrofluorocarbonetos e ozônio troposférico, bem como o óxido nitroso, que tem vida mais longa, é a resposta.
Esses agentes de aquecimento, muito mais potentes do que o dióxido de carbono (CO₂) por tonelada, aceleram a elevação global das temperaturas. Muitos reduzem a fertilidade do solo e a produtividade das colheitas, além de contribuírem para doenças respiratórias, incluindo asma e câncer de pulmão.
Mas a maioria deles tem uma vida útil curta na atmosfera, variando de dias a décadas. Ou seja, cortar as emissões desses superpoluentes, em paralelo à mitigação contínua do CO₂, é a maneira mais rápida de conter a crise climática. Isso trará benefícios para a qualidade do ar, a saúde humana e dos ecossistemas e para a segurança alimentar.
A agricultura é um setor crucial para a ação sobre os super poluentes. Ela é a maior fonte de emissões de metano de origem humana (40%), sendo 32% provenientes da pecuária (devido à fermentação entérica e ao manejo do esterco) e 8% da produção de arroz. Globalmente, a queima a céu aberto de resíduos agrícolas também é responsável por cerca de 5% das emissões de carbono negro.
Em algumas regiões, esse porcentual pode chegar a 30%. Além disso, a agricultura representa 75% das emissões de óxido nitroso devido ao uso de fertilizantes e ao manejo do esterco. O desperdício de alimentos – que chega a um terço da comida produzida – adiciona mais emissões de metano se deixarmos que ele apodreça em lixões ou aterros.
Por outro lado, a agricultura também oferece muitas soluções para lidar com os super poluentes. Práticas sustentáveis, sistemas mais eficientes e alternativas mais limpas podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a poluição do ar, ao mesmo tempo em que melhoram a produtividade, a qualidade de vida e os meios de subsistência. Utilizar resíduos agrícolas para bioenergia, biomateriais inovadores ou incorporá-los de volta ao solo, em vez de queimá-los, reduz as emissões de carbono negro e cria valor para os agricultores.
Alternar os períodos de alagamento e secagem das lavouras de arroz, em vez de mantê-las permanentemente inundadas, reduz as emissões de metano e torna a produção mais resiliente às crescentes pressões sobre os recursos hídricos. O manejo sustentável do nitrogênio, incluindo um melhor processamento do esterco e a aplicação mais precisa de fertilizantes, reduz o ozônio troposférico e as partículas finas no ar – além de diminuir os custos de produção diretamente na propriedade rural. O cultivo seletivo de variedades de culturas resistentes ao ozônio também reduz as perdas agrícolas.
O Brasil já está dando passos decisivos nessa direção. Como copresidente da Coalizão Clima e Ar Limpo (CCAC), o País fortaleceu seu engajamento multilateral e expandiu seus esforços em 22 ministérios, refletindo uma abordagem transversal à política ambiental. Com um portfólio apoiado pela CCAC, o Brasil está avançando em estratégias de redução do metano nos setores de gestão de resíduos e agricultura – dois setores-chave para a ação.
O Plano ABC, que está em vigor há 15 anos, promove práticas sustentáveis na pecuária, incluindo terminação intensiva de bovinos e melhor manejo do esterco, ajudando a reduzir as emissões da fermentação entérica. Enquanto isso, os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente estão trabalhando para aprimorar os inventários nacionais e, assim, informar melhor as medidas de mitigação direcionadas.
Esses esforços podem posicionar o Brasil como um líder no combate aos superpoluentes, demonstrando que uma ação climática ambiciosa é tanto viável quanto necessária.
A colaboração é essencial, envolvendo academia, instituições de pesquisa, setor privado, ONGs e sociedade civil. A FAO e a CCAC estão implementando um projeto no Camboja para investigar o uso de sensoriamento remoto inovador no monitoramento de emissões de metano da rizicultura. Em Ruanda, estamos desenvolvendo uma estratégia de redução de metano no setor pecuário e uma proposta de financiamento para expandir a digestão anaeróbica do esterco para bioenergia.
Na Colômbia, um plano está sendo elaborado para reduzir os superpoluentes, especialmente o carbono negro, proveniente da queima de resíduos agrícolas como arroz, milho e cana-de-açúcar. Agricultores na Índia estão explorando a melhor forma de produzir energia sustentável a partir dos resíduos da palha de arroz, seja na forma de briquetes ou biogás comprimido, como alternativa à queima a céu aberto.
Novos conhecimentos científicos serão divulgados ainda este ano com o Relatório Global sobre o Estado do Metano e uma Avaliação Integrada dos Sistemas Agroalimentares para a Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP-30).
Mas essa é apenas a ponta de um iceberg que está derretendo. Precisamos ampliar a implementação dessas soluções para reduzir os superpoluentes. O setor agrícola precisa de apoio para adotar essas práticas, que moldarão o futuro do clima e da segurança alimentar e nutricional. Menos de 5% do financiamento climático é direcionado a soluções para os sistemas agroalimentares, apesar de serem um dos melhores investimentos para reduzir superpoluentes e tornar o setor mais resiliente.
Agricultores e outros produtores precisam de mais orientação sobre técnicas adequadas, treinamento para usá-las, financiamento para implementá-las e apoio de associações que compartilhem os mesmos objetivos. Agora é o momento de dobrar a aposta em políticas públicas de suporte, mais investimentos públicos e privados e mais estudos sobre caminhos para sistemas alimentares mais resilientes, equitativos e sustentáveis.
Para destravar o financiamento, há algo que as nações podem fazer agora: aumentar as medidas ambiciosas para lidar com os superpoluentes, especialmente da agricultura e dos sistemas alimentares, em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), além das medidas de mitigação de CO₂, antes da COP-30 em novembro. Elevar essas metas atrairá recursos financeiros, tecnológicos e de capacitação, tanto de fontes públicas quanto privadas. Isso ajudará os países a alcançar a mitigação climática enquanto garantem a saúde, a segurança alimentar e os meios de vida de milhões de pessoas sob sua responsabilidade.
No caminho para Belém, no Brasil, neste ano, focar nos superpoluentes pode ser uma das ações mais eficazes que podemos tomar para garantir nosso futuro imediato. Não há tempo a perder, nem desculpa para adiar. Os benefícios são inúmeros. Temos medidas disponíveis e de custo relativamente baixo que já se provaram eficazes. Ação direcionada para reduzir as emissões dos superpoluentes climáticos de curta duração pode literalmente salvar nosso futuro (Martina Otto, chefe do Secretariado da Coalizão Clima e Ar Limpo (CCAC); Kaveh Zahedi, diretor do Escritório de Mudança Climática, Biodiversidade e Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); Estadão, 27/3/25)