10/04/2025

Número 2 do MEC atua dos dois lados do balcão de entidade no governo Lula

Número 2 do MEC atua dos dois lados do balcão de entidade no governo Lula

Leonardo Barchini em foto com a primeira-dama Janja • 01.11.2023 - OEI

Número 2 do MEC - Leonardo Osvaldo Barchini Rosa ao lado da 1ª dama Janja Lula da Silva -  atua dos dois lados do balcão em expansão de entidade internacional no governo Lula

 

Ex-chefe da OEI no Brasil, Leonardo Barchini entrou, saiu e entrou de novo no alto escalão do MEC enquanto organização ampliou contratos e recebimentos no governo Lula; Ministério da Educação e OEI afirmam que não há conflito de interesses

 

O crescimento da influência da organização internacional que firmou mais de R$ 710 milhões em contratos e acordos com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e foi beneficiada por incrementos de taxas definidas por decretos presidenciais, contou com a atuação de um executivo que aparece dos dois lados do “balcão de negociações”.

 

Leonardo Osvaldo Barchini Rosa estava no alto escalão do governo Lula, que celebrou acordo com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Em seguida, passou a ser o principal nome da entidade no Brasil e assinou contratos em nome dela com o governo Lula. Barchini ocupa, hoje, o segundo cargo mais alto do Ministério da Educação (MEC), o de secretário-executivo do ministro Camilo Santana.

 

Barchini foi procurado pela reportagem, via Ministério da Educação. Em nota, o Ministério da Educação e a OEI afirmaram que não há que se falar em conflito de interesses “quando um servidor federal vai para cargo de representação diplomática em organismo internacional de caráter público do qual o Brasil faz parte” (leia mais abaixo).

 

Em uma decisão sobre a atuação da OEI em processo no Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro Bruno Dantas se refere à organização como “entidade privada internacional”.

 

Como mostrou o Estadão, a OEI gere R$ 710 milhões em contratos, acordos e convênios com o governo federal. Só com taxas de administração, alargadas por decreto presidencial de Lula, deve arrecadar cerca de R$ 42 milhões. Um raio-x da presença da entidade mostra relações com 19 órgãos e ministérios e um aumento significativo de pagamentos e contribuições, na comparação com outros governos.

 

Barchini entrou, saiu e entrou de novo no governo sem passar por qualquer quarentena. As datas de nomeação, de exoneração e de assinaturas em nome da organização internacional se atropelam. Em um procedimento incomum, a publicação de um projeto de cooperação com a Casa Civil, assinado por ele como OEI, ocorreu dias após a nomeação dele no governo.

 

Em outro episódio em que “trocou de camisa” rapidamente, ele teve a exoneração do governo publicada em um dia e, no outro, ele estava em Nova York recebendo ex-colegas de Esplanada para “trabalhar uma nova agenda de cooperação com o governo brasileiro”, ao qual ele está ligado desde a transição, em 2022.

 

Barchini é o secretário-executivo do MEC desde agosto de 2024. Mas só na semana passada formalizou uma consulta à Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República sobre um possível conflito de interesses.

 

A informação foi confirmada pelo presidente da comissão, Manoel Caetano Ferreira Filho. O caso deve ser apreciado na reunião do colegiado prevista para o dia 28 de abril.

 

Membro do grupo de trabalho da Educação no governo de transição em 2022, Barchini foi nomeado adjunto da secretaria-executiva do MEC logo nos primeiros dias da gestão, em janeiro de 2023. Servidor de carreira da Educação, ele é considerado uma referência nessa área.

 

Oito meses depois da nomeação, em setembro, foi exonerado e imediatamente anunciado como chefe da OEI no Brasil, quando passou a trabalhar pela entidade privada internacional em uma “nova agenda de cooperação com o governo”.

Leonardo Barchini (de gravata azul), em fevereiro, com o atual chefe, o ministro Camilo Santana (gravata dourada), o ex-chefe, o secretário-geral da OEI, Mariano Jabonero (terno cinza), durante reunião em Brasília, em fevereiro. Foto Reprodução/OEI

 

Em maio de 2024, o MEC contratou a OEI por R$ 3,5 milhões para um projeto paralelo do G20. Outros contratos com órgãos governamentais foram assinados pela entidade, até que em julho de 2024 Leonarod Barchini foi novamente nomeado como secretário-executivo do MEC. No mês seguinte, a pasta assinou termo de contribuição voluntária de R$ 35 milhões para a OEI.

 

Como número 2 da pasta do ministro Camilo Santana, Barchini circula na Esplanada e no Palácio do Planalto. Como diretor e chefe da OEI no Brasil, também fazia. Nos primeiros dois anos de governo, acumulou agendas com o chefe de gabinete de Lula, Marco Aurélio Santana Ribeiro, o Marcola, ora com um cartão de visitas, ora com outro.

 

Enquanto isso, contratos, convênios e doações à OEI neste governo chegaram a patamares inéditos. Os R$ 710 milhões celebrados são puxados por acordos para a realização de grandes eventos, como o G-20 e a COP-30, mas também houve ampliação de repasses do governo pela modalidade de “contribuições voluntárias”.

 

Apesar de a OEI existir desde 1949 e atuar no Brasil há duas décadas, a atuação dela ganhou contornos diferentes no atual governo Lula. Os acordos firmados por ela se pulverizaram por diferentes órgãos e ministérios, principalmente controlados por ministros do PT, e houve uma aproximação com a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, que tem buscado uma atuação política em favor do governo e do marido no campo social.

 

A organização é uma entidade privada internacional. Apesar da nomenclatura, não é braço de organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC).

 

O Brasil é um dos 23 países integrantes da OEI. Um decreto presidencial de 2004, no primeiro governo Lula, estabeleceu condições do acordo do governo com a organização. A única obrigação de transferência financeira do decreto é a de proporcionar “espaço físico necessário para o normal e eficaz desenvolvimento da missão, ou uma contribuição equivalente à quantia necessária para arrendar o mesmo”.

 

Secretário já foi chefe de gabinete de Haddad, que nega indicação

 

O secretário-executivo do MEC, Leonardo Barchini, de 49 anos, é próximo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, há mais de 20 anos. Na gestão de Haddad na Prefeitura de São Paulo, foi chefe de gabinete e secretário de Relações Internacionais e Federativas, a partir de 2013.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com Leonardo Barchini, em janeiro de 2024; na época, Barchini era chefe da OEI no Brasil, hoje é secretário-executivo do MEC. Foto: Reprodução/oei.int

 

Quando Haddad foi ministro da Educação, Barchini atuou como chefe da Assessoria Internacional, como chefe de gabinete do ministro e como diretor de Programas. Ele é servidor de carreira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 

Barchini trabalhou na campanha eleitoral de 2018, quando Fernando Haddad disputou a presidência da República. Pelos serviços de assessoria, recebeu R$ 37,5 mil. A informação está na prestação de contas do candidato apresentada à Justiça Eleitoral.

 

A assessoria de imprensa de Fernando Haddad afirma que o ministro não indicou Barchini para a OEI nem para a gestão de Camilo Santana no MEC.

 

Tribunal de Contas da União (TCU) analisa pedido de afastamento de Barchini do governo formulado por parlamentares da oposição. Em uma decisão preliminar, o ministro Bruno Dantas negou a solicitação. O caso ainda será analisado pelo plenário.

 

Em nota, o MEC afirmou que “não há que se falar em conflito de interesses quando um servidor público federal concursado assume cargo de representação diplomática em organismo internacional de caráter público do qual o Brasil faz parte”.

 

A OEI informou que “não há qualquer conflito ou impedimento legal no período em que o servidor Leonardo Barchini esteve cedido à OEI” e que durante a gestão como chefe da entidade ele “firmou acordos com governos de diferentes esferas e orientações políticas, sempre com foco em projetos públicos, republicanos e de interesse coletivo”.

 

Questionados sobre a consulta à Comissão de Ética feita oito meses após a nomeação, o MEC, onde Barchini trabalha atualmente, reiterou que “não há conflito de interesse, uma vez que Barchini assumiu um cargo de representação diplomática em organismo internacional de caráter público do qual o Brasil faz parte”. A OEI não comentou a consulta feita à CEP.

 

Sobre a assinatura em nome da OEI após a nomeação, o MEC justificou desta forma: “é preciso considerar que nomeação é diferente de posse e de exercício. Depois da nomeação, o servidor tem até 30 dias para tomar posse. Tal prazo visa atender eventuais necessidades de deslocamento ou de encerramento de outros vínculos. Leonardo Barchini foi nomeado em 31 de julho de 2023, mas só tomou posse e entrou em exercício dia 7 de agosto do mesmo ano, a partir de quando ele efetivamente assumiu o cargo e as funções de secretário-executivo do MEC.”

 

Linha do tempo do vaivém de Barchini no governo e na OEI:

 

  • 1º de dezembro de 2022: nomeado membro do Grupo de Trabalho de Educação da equipe de transição de Lula.
  • 10 de janeiro de 2023: nomeado adjunto da secretaria-executiva do MEC
  • 11 de setembro de 2023: publicada autorização para assumir OEI, com afastamento do cargo concursado na Capes
  • 12 de setembro de 2023: é é anunciado como diretor da OEI Brasil
  • 22 de setembro de 2023: publicada exoneração a partir de 12 de setembro
  • 23 de setembro de 2023: recebe integrantes do governo em Nova York para “trabalhar uma nova agenda de cooperação com o governo brasileiro”
  • 12 de março de 2024: Lula edita decreto para flexibilizar contratação de organismo internacional.
  • 19 de março de 2024: é criada a Secretaria da COP-30, ligada à Casa Civil
  • 20 de maio de 2024: MEC contrata OEI por 3,5 milhões para projeto do G20 Educacional
  • 19 de julho de 2024: MEC anuncia Barchini na secretaria-executiva.
  • 31 de julho de 2024: é publicada nomeação de Barchini
  • 5 de agosto de 2024: é publicado acordo de R$ 20 milhões com a Casa Civil e Barchini assina como OEI
  • 29 de agosto de 2024: MEC faz contribuição voluntária de R$ 35 milhões para a OEI
  • 5 de setembro de 2024: Lula publica decreto que permite OEI subcontratar empresas (Estadão, 10/4/25)