O agro é tech e expande os serviços – Por Celso Ming*
Com o setor aquecido pela demanda externa e em expansão das suas fronteiras produtivas, o agronegócio tem se consolidado como um celeiro de criação de novos negócios no País.
Muita gente ainda olha o agronegócio como um setor que gera pouca atividade da porteira para fora. Mais ainda, que é um negócio ligado a mentalidades quase sempre conservadoras, que gera pouco emprego e está excessivamente voltado para as exportações.
Quem ainda pensa assim precisa se atualizar. Uma das consequências da boa fase do agronegócio no Brasil é a grande expansão de toda uma rede de serviços a ele ligada. Tem a ver com tecnologia avançada, consultoria, armazenamento, transportes modais, serviços de informática, de mecânica e manutenção, biotecnologia, construção civil e por aí vai.
A principal mudança nessa área não pode ser medida. É a mudança de mentalidade. O agricultor e o pecuarista se deram conta de que o futuro dele e de seu negócio depende de incorporação de tecnologia, adoção de novos métodos em áreas como de preparo da terra, seleção de sementes, adubação, irrigação, manejo, armazenamento e escoamento da produção.
O agricultor e o pecuarista passaram a entender que não podem parar de inovar, que precisam investir em si próprios, em busca de mais conhecimentos. A apropriação de tecnologias digitais modifica a dinâmica produtiva convencional e favorece o desenvolvimento de atividades satélites.
Há um enorme atraso a tirar quando se fala em inovação. Pesquisa da consultoria McKinsey & Company mostrou que apenas 23% dos agricultores brasileiros contam com acesso à internet em suas operações agrícolas. É um campo aberto para grande número de empresas e de redes de apoio.
Embora tenha apresentado bons números em geração de emprego nos últimos trimestres de 2020, o agronegócio fechou o último ano com recuo em postos de trabalho de 5,2%, em comparação com 2019, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP. Essa queda foi considerada atípica e atrelada, em parte, aos efeitos da pandemia, principalmente entre os meses de abril e junho. Mas, em 2020, além de uma safra recorde, o PIB do agronegócio brasileiro acusou crescimento recorde de 24,31%, de acordo com cálculos do Cepea.
Felippe Serigati, professor e pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, chama a atenção para um dos impactos da boa fase do setor: “Bons momentos como foram os do agronegócio no ano passado geram desdobramentos positivos tanto na geração de postos de trabalho como na adoção de novas tecnologias”.
A expansão das fronteiras agrícolas apresenta desafios logísticos e de produção e cria ambiente propício para formação de cadeias especializadas no atendimento dessas novas exigências. É que produzir mais longe implica enfrentar maiores custos a serem reduzidos com aumento da produtividade. É uma situação que gera oportunidades para novas empresas, novas profissões, novas especialidades, mais empregos.
A inovação não acontece apenas com máquinas modernas, drones e chips, mas com processos de produção e compartilhamento de novas ferramentas de gestão. São coisas que o produtor não aprende só com experiência, exigem instrução.
“A demanda por esse tipo de tecnologia acaba gerando oportunidades de trabalho e criação de novos negócios. Embora não estejam diretamente ligados à produção, são esses agentes que darão suporte para que os avanços aconteçam”, pontua Serigati.
A seguir, dois exemplos. No município de Luís Eduardo Magalhães, oeste baiano, conhecido como a capital do Matopiba – nova fronteira agrícola do País que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – , a aceleradora de startups Cyklo Agritech, lançada em setembro de 2019, atua em soluções de problemas numa região que ainda opera com limitações de logística.
A Dioxd, uma das empresas que passaram pela aceleração da Cyklo Agritech, trabalha com aumento da produtividade a partir do tratamento de sementes, como soja e feijão, com gás carbônico.
Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) mostra especial entusiasmo por essa área. As oportunidades de investimentos e de aceleração das agtechs – como são conhecidas as startups focadas em soluções para o agronegócio – tendem a se intensificar neste ano. “O agro é um dos setores que vêm crescendo e isso chama a atenção dos investidores. A pandemia forçou a digitalização. O potencial de desenvolvimento dessa área é muito grande” (*Celso Ming com Pablo Santana; O Estado de S.Paulo, 21/3/21)