O crepúsculo do demiurgo – Editorial O Estado de S.Paulo

Pesquisa mostra que Lula é desaprovado por 57% e que, na eleição, terá dificuldades até contra adversários mais fracos, o que sugere que os eleitores não se encantam mais com sua parolagem.
O presidente Lula da Silva bem que tentou aplacar o tremendo mal-estar nas hostes petistas com a mais recente pesquisa de popularidade de seu governo, convocando às pressas, de véspera, uma entrevista coletiva para exercitar a vanglória e malhar adversários. Debalde.
Por mais competente que Lula seja como encantador de serpentes e de eleitores, não foi possível minimizar o impacto da sondagem da Genial/Quaest divulgada nos últimos dias. Não só porque Lula aparece como desaprovado por 57% dos entrevistados, o pior nível desde o início de seu mandato, como começa a ter dificuldades para liderar a corrida eleitoral na hipótese de concorrer à reeleição.
Como mostrou o levantamento, o petista hoje empata até mesmo com nomes de menor musculatura eleitoral, como os governadores do Paraná, Ratinho Junior (PSD), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), e como a novata Michelle Bolsonaro (PL). Nas pesquisas anteriores, o único capaz de lhe fazer frente era seu antípoda Jair Bolsonaro, que está inelegível.
Isso não significa, é claro, que o destino de Lula esteja selado, especialmente considerando-se que ele desmoralizou até aqui todos os atestados de óbito político que lhe foram expedidos. Mas parece claro que o demiurgo petista, que protagoniza a vida nacional desde o final dos anos 1980, está em seu crepúsculo – não só pela idade, mas sobretudo porque parece ter perdido sua capacidade de enfeitiçar os brasileiros com sua parolagem.
A pesquisa mostra isso com clareza. Quase 80% dos entrevistados acham que a economia piorou ou ficou do mesmo jeito com o atual governo, e 45% acreditam que o terceiro mandato lulista é pior do que se esperava inicialmente. Também não se pode ignorar outro desconforto: apenas 32% da população considera que o Brasil está indo na direção correta, contra os 61% que acham que o País está no mau caminho.
O curioso é que entre a última pesquisa, há dois meses, e esta, muita coisa aconteceu: obcecado com a impopularidade, inconformado com a desaprovação e ansioso com as eleições do ano que vem, o presidente Lula anunciou no período uma leva de benefícios, entre os quais isenções para motoristas de aplicativos, linha de crédito para reforma de casas do programa Minha Casa Minha Vida, o novo vale-gás, o projeto que isenta de IR quem ganha até R$ 5 mil e outras medidas clássicas da cartilha populista do lulopetismo.
Nesses dois meses, Lula também não parou de falar, em geral com um triunfalismo totalmente dissociado da realidade, apostando na mitologia que foi criada em torno de suas qualidades como animador de comícios. Petistas sempre festejaram seus improvisos como um instrumento político poderoso, capaz de impulsionar o governo e reverter conjunturas políticas desfavoráveis.
Os métodos do ex-líder sindical, no entanto, se mostram cada vez menos eficazes. O resultado é que seu governo está produzindo frustração nos brasileiros, em vez de incutir-lhes esperança de prosperar. Mesmo ante uma avaliação popular mais favorável da economia, há uma clara quebra de expectativa. A prometida sensação de bem-estar, simbolizada na “picanha com cerveja” anunciada por Lula em 2022, foi substituída pela convicção de que a vida não melhorou nem vai melhorar.
Ao mesmo tempo em que está claro que o repertório de Lula não é mais suficiente para convencer os incautos sobre as qualidades de uma gestão desde sempre prisioneira da demagogia de seu presidente, escândalos como o da roubalheira no INSS contribuem para acentuar a malaise popular em relação ao governo petista. Para quem se considera enviado de Deus para levar água ao sertão, deve ser uma frustração e tanto.
Daqui até as eleições, é claro, muita coisa pode acontecer, mas já é possível afirmar que Lula é, cada vez mais, apenas uma sombra melancólica do que já foi. “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”, diz a atriz decadente Norma Desmond no filme Crepúsculo dos Deuses. Como Norma, Lula pode dizer que é um gigante numa política liliputiana, no que talvez tenha razão. Mas, em seu crepúsculo, só lhe resta a nostalgia (Estadão, 7/6/25)