18/01/2022

O desafio da seca – Editorial O Estado de S.Paulo

O desafio da seca – Editorial O Estado de S.Paulo

Chuva escassa e muito calor prejudicam o setor mais eficiente da economia. A ministra da Agricultura promete socorro.

 Principal fonte de receita comercial do Brasil, com exportações de US$ 129,59 bilhões em 2021, o agronegócio tem sido afetado severamente pela seca e pelo intenso calor em Estados do Sul e do Centro-Oeste. Perdas de R$ 45 bilhões foram estimadas por fontes oficiais e do setor privado citadas em reportagem do Estadão publicada no dia 14 passado. Mas esse é um balanço preliminar. O Ministério da Agricultura poderá, a partir de um levantamento mais detalhado e sistemático, oferecer uma estimativa mais precisa dos danos e de seus efeitos prováveis na economia nacional. É arriscado, neste momento, especular sobre a evolução das exportações em 2022 e dos preços no mercado interno. Mais urgente e muito mais produtivo é cuidar do socorro aos agricultores e apoiar o próximo plantio, como promete a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul foram visitados até o dia 13 por uma equipe liderada pela ministra. Áreas afetadas pela seca foram sobrevoadas e produtores foram ouvidos. Informações foram coletadas para avaliação das medidas necessárias e para discussões com outras áreas do governo, como o Ministério da Economia. Um passo óbvio e já definido é um amplo apoio ao plantio da chamada safrinha de milho, uma segunda safra muito mais importante, de fato, do que parece indicar a forma diminutiva. As ações deverão incluir medidas especiais de crédito e cobertura de perdas por meio do seguro rural.

A ação do Ministério da Agricultura contrasta, mais uma vez, com os padrões observados em outras áreas da administração federal. Lentidão, desarticulação, ineficiência e até erros desastrosos marcaram – para citar só alguns dos eventos mais conhecidos – o enfrentamento da pandemia de covid-19 e o socorro às populações atingidas por enchentes neste verão. No caso da pandemia, pode-se falar de uma coleção de erros, omissões e desastres. Dificilmente será esquecido, por exemplo, o episódio dos pacientes morrendo em Manaus sem oxigênio, no começo do ano passado, enquanto o Ministério da Saúde preparava a distribuição de material para um ineficiente “tratamento precoce”.

A próxima estimativa da safra de grãos e oleaginosas deverá mostrar, quase certamente, um quadro menos favorável que aquele indicado pelo levantamento de dezembro. Segundo esse levantamento, divulgado há poucos dias, a produção dessas lavouras deverá atingir 284,4 milhões de toneladas, superando em 12,5% a obtida na temporada anterior. Com 140,5 milhões de toneladas, a soja deve manter-se como o principal produto, mesmo com redução de 2,3% em relação à colheita da safra 2020/2021. A produção de milho, a segunda maior, foi prevista em 112,9 milhões de toneladas, incluídos os três plantios anuais.

Com a seca, o balanço definitivo poderá apontar números menores, embora as perdas do verão possam ser pelo menos parcialmente compensadas, ainda em 2022, com os plantios seguintes do milho e de alguns outros produtos.

A ministra Tereza Cristina deverá esforçar-se para garantir a compensação, nas lavouras com mais de um plantio, das perdas causadas pela seca. Talvez tenha de batalhar para obter recursos adicionais, disputando verbas orçamentárias até com parlamentares do Centrão apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A obtenção do dinheiro poderá depender do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, elevado pelo presidente ao posto de supervisor da execução orçamentária, acima, portanto, do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Convém torcer pelo êxito da ministra Tereza Cristina. A agropecuária, no Brasil, é especialmente relevante por três circunstâncias: 1) a alimentação tem grande peso no orçamento dos consumidores, bem maior que em países de renda familiar mais alta; 2) o campo garante uma parcela muito importante das exportações; e 3) as lavouras e as criações têm sido precioso fator de sustentação da economia, num cenário de retrocesso industrial. Falta conferir se o presidente Jair Bolsonaro chegará a entender esses pontos (O Estado de S.Paulo, 18/1/22)