21/10/2019

O futuro das energias renováveis no Brasil – José Goldemberg

O futuro das energias renováveis no Brasil – José Goldemberg

É essencial construir hidrelétricas com reservatório, prática que está sendo abandonada.

O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou recentemente a publicação do Plano de Expansão de Energia para o decênio 2019-2029, que consiste de estudos e projeções realizadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do próprio ministério, e contém estimativas de custos das obras, mas não especifica as fontes desses recursos.

No passado distante os planos da Eletrobrás – onde eles eram preparados – tinham relação direta com os recursos da empresa ou dos aportes do Tesouro. Isso acabou, não só porque essas fontes de recursos “secaram”, mas porque as obras são agora licenciadas pelas agências reguladoras de eletricidade (Anel) e petróleo (ANP) e postas em leilão.

Apesar dessas limitações o Plano de Expansão tem influência em orientar os investidores privados e as próprias estatais como a Eletrobrás, a Cemig, a Copel e outras que podem competir nos leilões, que são diferenciados para os diferentes tipos de energia. Esse procedimento garante espaço para as diferentes fontes – energia hidrelétrica, térmica a gás e carvão, eólica, biomassa e solar fotovoltaica.

Uma novidade anunciada pelo governo é que pretende incluir nos planos de expansão seis usinas nucleares (de 1 milhão de quilowatts) do tipo da de Angra-2, a um custo estimado de US$ 30 bilhões, a serem instaladas até 2050. O custo por quilowatt seria, então, de US$ 5 mil por quilowatt, muito mais elevado do que outras opções, como energia hidrelétrica ou eólica.

A instalação de um grande parque nuclear no Brasil – mesmo no horizonte de 2050 – implica também outros investimentos, porque seria necessário garantir a produção do combustível para esses reatores nucleares. A intenção do Ministério de Minas e Energia é retomar a mineração – que se encontra praticamente paralisada – e ampliar a usina de enriquecimento de urânio. A justificativa para essas propostas é a de garantir a autonomia energética numa área considerada estratégica e tornar o País um exportador de urânio enriquecido.

Essas ideias podem ser questionadas tanto do ponto de vista político como econômico. Há um excesso de produção de urânio enriquecido no mundo e seu preço está caindo, porque as perspectivas de expansão da energia nuclear estão se reduzindo. Eletricidade nuclear, que chegou a representar mais de 15% da produção mundial de eletricidade, caiu para menos de 11% em 2019.

Planos de um “Brasil grande” produtor e exportador de urânio enriquecido existem desde o período militar e persistiram nos governos Lula-Dilma, mas, ao que parece, jamais foram analisados do ponto de vista de sua viabilidade econômica.

O mais sensato seria garantir apenas o combustível necessário para os reatores instalados no País e abandonar sonhos fantasiosos de grande potência nessa área. Urânio enriquecido pode ser comprado no exterior, como está sendo feito até hoje para suprir as necessidades dos reatores de Angra dos Reis (RJ). O Brasil pode fazê-lo porque deixou de ser suspeito de pretender fabricar armas nucleares quando assinou acordos internacionais com a Agencia Internacional de Viena e um acordo bilateral com a Argentina de inspeções mútuas.

Além disso é tempo de o governo abrir uma discussão séria sobre o que seria melhor para garantir a independência energética na produção de eletricidade no País, já que a de petróleo e gás está assegurada com a produção do pré-sal.

A verdade é que existe ainda um grande potencial inexplorado para a instalação de hidrelétricas no País, principalmente na Região Amazônica, mas os planos do governo federal mostram que ele praticamente desistiu de implementar grandes projetos hidrológicos na Amazônia por causa dos problemas que foram encontrados na construção da Usina de Belo Monte. O próximo leilão de energia a ser realizado será dominado por energia eólica, solar e térmica. Hidrelétricas, só de pequeno porte.

Esse é um grave equívoco, que terá fortes consequências no futuro.

Argumenta-se que hidrelétricas se tornaram inviáveis porque inundam grandes áreas da floresta e afetam as populações ribeirinhas e populações indígenas. Esses impactos são reais, mas, frequentemente, exagerados. Em Belo Monte a construção da usina causou o deslocamento de 22 mil pessoas que viviam às margens do Rio Xingu e na cidade de Altamira e tiveram que ser realocadas. No entretanto, a eletricidade produzida pela usina ilumina cerca de 5 milhões de residências nos grandes centros urbanos do País, que foi a razão para construir a hidrelétrica. Os danos causados pela construção devem e podem ser reparados, como é feito de forma satisfatória em muitas outras usinas, como Itaipu.

Mesmo a área da floresta inundada, de cerca de 500 quilômetros quadrados, em Belo Monte é pequena (e ocorreu apenas uma vez) se comparada com o desmatamento ilegal que é perpetrado todos os anos na Amazônia, que é de cerca de 7 mil quilômetros quadrados.

Argumenta-se, incorretamente, que outras energias renováveis, como a eólica e a solar, também produzem energia limpa e renovável, como as hidrelétricas, tornando estas desnecessárias. Contudo essas energias são intermitentes, isto é, não são disponíveis quando ventos não sopram e o sol não brilha. Elas precisam ser usadas em conjunto com energia estável, que vem das hidrelétricas (ou de reatores nucleares), economizando água nos reservatórios para ser usada quando não houver vento ou sol. Sem isso não será possível ampliar muito a contribuição das fontes intermitentes. 

É por essa razão que é essencial construir usinas com reservatórios, que é uma prática que está sendo abandonada no Brasil. Se ela não for revertida, usinas nucleares ou térmicas usando combustíveis fósseis serão as alternativas (José Goldemberg é Professor Emérito da USP, foi presidente da Companhia Energética de São Paulo (CESP); O Estado de S.Paulo, 21/10/19)