27/06/2025

O governo está grogue – Editorial O Estado de S.Paulo

O governo está grogue – Editorial O Estado de S.Paulo

Mesmo com derrubada acachapante do decreto do IOF, Lula parece superestimar poder do Executivo e não perceber que maior prejudicado pelo desgaste na relação com o Congresso tende a ser ele próprio

 

A derrubada acachapante do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso evidenciou a extrema fraqueza política do governo Lula da Silva. Por mais que seja confortável votar contra um aumento de impostos, o fato é que Câmara e Senado cruzaram o Rubicão ao desautorizar uma ordem presidencial pela primeira vez desde 1992.

 

Tecnicalidades são meros pretextos para justificar o que ocorreu nesta semana. Se é verdade que o IOF é um imposto regulatório, ou seja, não deveria ser utilizado para aumentar a arrecadação, como argumentam os parlamentares, também é fato que o Congresso só poderia sustar um decreto com base na eventual ilegalidade da norma, e não em seu mérito, como defende o Executivo.

 

Apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir se o governo exorbitou seu poder regulamentar e distorceu os objetivos do IOF tende a piorar aquilo que já está bastante ruim. Boa parte do mal-estar entre o governo e o Congresso está no uso recorrente e descarado do Judiciário, e em particular do ministro Flávio Dino, para mediar o imbróglio das emendas parlamentares.

 

A versão segundo a qual Dino age de maneira independente ao exigir mais transparência das emendas, algumas vezes à revelia do governo, jamais convenceu ninguém. Até meados de junho, menos de 2% do volume total havia sido pago – o que, segundo o governo, ocorreu em razão do atraso na apreciação do Orçamento deste ano, aprovado apenas em março.

 

Fato é que, com o Congresso cada vez mais insatisfeito com tanta delonga, o cronograma de pagamento das emendas foi acelerado. Mas já era tarde demais, e a derrubada dos vetos presidenciais foi um aperitivo do que ocorreria nesta semana. A diferença é que, na briga entre governo e Congresso em torno dos jabutis do setor elétrico, quem apanhou foi o consumidor e, desta vez, quem foi surrado foi o Executivo.

 

A retomada da estratégia de opor “nós” contra “eles” por parte do governo não ajudou em nada. Ao responsabilizar o Congresso pelo tarifaço nas contas de luz fingindo não ter feito parte do acordo sobre a derrubada dos vetos, o Executivo enfureceu o Congresso, e a derrubada do decreto do IOF, que parecia mais um ato simbólico do que uma alternativa concreta, foi vista como uma chance de os parlamentares se redimirem perante o eleitorado.

 

Nesse debate pueril, todos brigam e ninguém tem razão. Enquanto o Congresso investe na tese de que a sociedade não aguenta mais aumento de impostos, Lula e o ministro Fernando Haddad têm cada vez mais apostado na narrativa de que os parlamentares se recusam a taxar o “andar de cima”.

 

A única solução para esse impasse é o corte estrutural de gastos, algo que nem o Executivo nem o Legislativo querem fazer. Pelo contrário: ambos os Poderes trabalham diuturnamente para inviabilizar o Orçamento, seja mantendo ou ampliando as renúncias fiscais, seja aumentando as despesas para financiar programas sociais e repasses para suas bases eleitorais.

 

A menos de um ano e meio da disputa presidencial, não se deve esperar maturidade de nenhuma das partes. Desesperado para recuperar sua popularidade, Lula prepara um arsenal de medidas populistas a serem lançadas até a eleição. Já o Congresso vê no avanço de Tarcísio de Freitas e de outros possíveis candidatos do campo da direita nas pesquisas uma chance de cobrar mais caro para assegurar uma governabilidade mínima, ainda que capenga, para o petista.

 

Por mais que o governo tente encontrar motivos para o que ocorreu e culpados a quem responsabilizar, o problema não está no presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), nem no do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Lidar com um Legislativo que nunca lhe deu maioria já é bastante desafiador, mas governar com o apoio de somente 98 deputados e de dez senadores, que votaram pela manutenção do IOF, será impossível.

 

Lula parece superestimar o poder do Executivo e não perceber que o maior prejudicado pelo crescente e perigoso desgaste na relação com o Congresso tende a ser ele próprio. O governo está grogue, nas cordas, e deveria estar buscando maneiras de evitar o nocaute (Estadão, 27/6/25)