17/01/2022

O mico da fábrica de fertilizantes – Por Elio Gaspari

Legenda: Obra de R$ 3,1 bilhões começou em 2011 e está parada desde 2014. Foto: Ascom/ MP- MS

Unidade de Fertilizantes Nitrogenados - TRES LAGOAS -Obra de R$ 3,1 bilhões começou em 2011 e está parada desde 2014. Foto Ascom MP- MS

Bolsonaro acha que o problema vem dos índios.

O atual governo é amigo do agronegócio, a Petrobras é administrada como uma empresa, o ministro da Economia é um campeão da iniciativa privada e na cidade de Três Lagoas (MS) há um elefante branco, candidato a fóssil.

Com nome de vírus, é a UFN3, ou Unidade de Fertilizantes Nitrogenados, projetada pela Petrobras para produzir ureia e amônia suficientes para reduzir o gargalo das importações. Sua história completou 12 anos e retrata a bagunça da administração pública nacional, onde todos têm razão mas produzem maluquices.

As obras da UFN3, em terreno doado à prefeitura, começaram em 2011, a cargo da empreiteira Queiroz Galvão e de um consórcio chinês. A obra chegou a ter 7.000 trabalhadores, mas os seus responsáveis começaram a calotear fornecedores e operários, provocando greves e até mesmo desordens. Em 2014 a Petrobras rescindiu o contrato com os empreiteiros e a obra parou, com 83% do serviço já concluído. Àquela altura, a UFN3 já havia consumido cerca de R$ 3 bilhões.

Passaram-se três anos e, em 2017, a Petrobras anunciou que venderia a fábrica. Faltou combinar com o Supremo Tribunal Federal e, no ano seguinte, o ministro Ricardo Lewandowski bloqueou o feirão das privatizações da petroleira. Em 2019 esse bloqueio foi levantado e começou a caça a um comprador, com uma novidade: a Petrobras anunciou que sairia do mercado de fertilizantes.

Quem quiser conhecer esse assunto saberá que todas as partes tomaram as decisões certas e que todos tiveram suas razões, mas a fábrica continuará lá, 84% concluída e inoperante.

Apenas por curiosidade, o general Silva e Luna poderia mandar uma equipe de arqueólogos para pesquisar o caso da UFN3 para responder a algumas perguntas óbvias.

Por que não aparece comprador?

O preço está alto? Como ensinou o Conde Francisco Matarazzo, preço de mercado é o que o freguês quer pagar.

Quando a Petrobras resolveu sair do mercado de fertilizantes e vender a UFN3 usou a linda palavra "desinvestimento" para justificar sua política. No entanto, desinvestir é uma coisa, fabricar micos é outra.

Com sua paixão por afirmações apocalípticas e pela transferência de responsabilidades, o presidente Bolsonaro disse em novembro que "o governo está se virando atrás de fertilizantes" para evitar uma crise de abastecimento e emendou:

"O que é pior disso tudo, né: nós temos aqui potencial para isso tudo, mas o potássio que está lá na foz no rio Amazonas, aquela grande área está demarcada como terra indígena."

Os índios da foz do Amazonas têm pouco a ver com isso. O mico da UFN3 está a 684 quilômetros de Brasília (Folha de S.Paulo, 16/1/22)