22/05/2024

‘O modelo de substituir floresta por gado é um desastre, temos de mudá-lo’

‘O modelo de substituir floresta por gado é um desastre, temos de mudá-lo’

José Alexandre Scheinkman, professor na Columbia University - DIVULGAÇÃO - FOTO ESTADÃO

Entrevista com José Alexandre Scheinkman, professor na Columbia University

Professor da Universidade Columbia e um dos economistas brasileiros mais respeitados no mundo, ele afirma que Marina Silva melhorou a imagem do País no exterior e diz que os riscos para investir no Brasil diminuíram.

Com mais de 50 anos de carreira acadêmica, José Alexandre Scheinkman já realizou pesquisas sobre crescimento econômico, finanças e organização industrial, entre diversos outros assuntos. Mais recentemente, tem se concentrado na Amazônia e em alternativas para promover o desenvolvimento da região. “O modelo atual, que é desmatar e substituir a floresta por gado, não gera desenvolvimento sustentável. É um desastre. Precisamos mudá-lo”, diz ele.

Scheinkman, um dos economistas brasileiros mais respeitados internacionalmente, passou a estudar o assunto após o documentarista, editor e ambientalista João Moreira Salles convidá-lo para participar do projeto Amazônia 2030.

 

A iniciativa reúne pesquisadores do País para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a região.

Com passagem pelas universidades americanas de Chicago e Princeton, o hoje professor de Columbia destaca que o País tem de encontrar um modo para aumentar a produtividade dos trabalhadores das cidades amazônicas, além de melhorar a comercialização de itens produzidos na região. “O Brasil tem de fazer muito melhor na comercialização de produtos locais. Por exemplo, o Brasil é um grande produtor de castanha do Pará, mas toda a parte de beneficiamento é feita na Bolívia. A gente tem de se perguntar por que os bolivianos são melhores em fazer isso do que nós.”

 

Preocupado com o rumo que a política ambiental brasileira havia tomado durante o governo de Jair Bolsonaro, Scheinkman afirma que a imagem do País no exterior mudou desde que Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente, sob a gestão de Lula, e que os riscos para se investir aqui também diminuíram. “Os projetos no Brasil hoje correm menos riscos do que corriam antigamente.”

A seguir, trechos da entrevista:

O sr. vinha expressando preocupação com as políticas adotadas pelo governo Bolsonaro com a Amazônia. Como vê a postura do governo Lula? A imagem do Brasil no exterior mudou, ainda que haja apoio à exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas?

A presença da (ministra do Meio AmbienteMarina Silva no governo dá uma imagem muito diferente para o Brasil. Ela é uma pessoa incrivelmente respeitada no exterior. Além disso, o Brasil tem tido um certo protagonismo nesse assunto. Isso é muito positivo. Sobre a questão do petróleo na foz, a primeira coisa que a gente tem de se perguntar é se isso é um bom negócio. A gente tem de pensar: quando o petróleo da margem equatorial estiver pronto para ser explorado, qual vai ser o preço do petróleo no resto do mundo, dado que as pessoas vão começar a colocar impostos de importação e taxas sobre uso de carbono. Isso vai eventualmente diminuir o uso de petróleo. Além disso, temos de internalizar os custos que isso vai representar para o Brasil em termos de impacto no meio ambiente.

O sr. é membro da National Academy of Sciences, que tem um fundo de investimentos que não aprova projetos prejudiciais ao meio ambiente. O sr. comentou outras vezes que tudo que aparecia o nome do Brasil vinha sendo olhado com muito cuidado por causa da política ambiental. Algo mudou?

Temos um norte de US$ 500 milhões para investimentos e temos um mandato para que se olhe para a pegada de carbono. Acho que isso (o modo reticente de se olhar para o Brasil para investir) está mudando. Mas tem questões como a produção de carne na Amazônia que ainda preocupam. Há companhias brasileiras que são consideradas com uma pegada de carbono ruim, mas, em geral, a atitude em relação ao País mudou. Os projetos no Brasil hoje correm menos riscos do que corriam antigamente.

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O sr. tem estudado a região amazônica. Como promover o desenvolvimento sustentável em uma área tão heterogênea?

O modelo atual, que é desmatar e substituir a floresta por gado, não gera desenvolvimento sustentável. Se você pegar o salário médio de um trabalhador do setor agrícola, ele é 85% do salário mínimo, que já é baixo. Mais de 80% desses trabalhadores estão no setor informal. Então, o modelo atual é um desastre. Precisamos mudá-lo. Se for feito o reflorestamento ativo nessa região, vai empregar uma certa porcentagem da população. O problema é que o restante vai ter de mudar para cidades. As cidades amazônicas estão entre as menos atrativas no Brasil para o imigrante. Na maioria das cidades brasileiras, quando o imigrante chega, o salário dele não é tão bom. Mas esse salário tem uma taxa de crescimento elevada. Isso acontece porque os imigrantes adquirem capital humano. Ele vai se tornando um trabalhador mais eficiente e ganhando salários melhores. Nas cidades amazônicas, isso não acontece. O Brasil precisa pensar por que as cidades da Amazônia são tão ruins em aumentar a produtividade das pessoas que migram para lá. Essa é uma questão que eu estou olhando, mas ainda de forma muito preliminar.

E quais seriam os modelos que poderiam promover um desenvolvimento sustentável na região?

O Brasil tem de fazer muito melhor na comercialização de produtos locais. Por exemplo, o Brasil é um grande produtor de castanha do Pará, mas toda a parte de beneficiamento é feita na Bolívia. A gente tem de se perguntar por que os bolivianos são melhores de fazer isso do que nós. Outro exemplo é o do chocolate. Houve um trabalho no Peru de criar uma marca de chocolate amazônico, para dar aos produtores locais o conhecimento para produzir um cacau de maior qualidade. É um pouco como alguns países fazem com o vinho. Estão conseguindo uma marca.

O sr. publicou, no ano passado, um estudo que aponta que um preço de US$ 20 por tonelada de carbono capturado na Amazônia faria com que o restauro florestal se tornasse mais rentável do que a pecuária em praticamente toda a região…

Esse número pode ser refinado. Hoje acho que é mais perto de US$ 25. Quando você olha o preço do carbono nos mercados que transacionam mais, como o europeu, está acima de US$ 90. Nos Estados Unidos, há um mercado de captura de carbono feito por máquinas, não por árvores. Eles capturam em geral em lugares que têm muita emissão de carbono. Os mais comuns são no refino e na produção de petróleo. O governo americano paga US$ 60 por tonelada dessa captura, que é bruta. Levando em consideração a questão de que o aquecimento é global, não é claro que a gente deveria privilegiar as produções que têm um custo menor?

Empresas brasileiras que têm produzido crédito via reflorestamento falam que conseguem comercializar créditos de carbono de bons projetos por US$ 45 dólares. Esses projetos demandam grandes investimentos, porque são reconstruídas florestas do zero. Como impulsionar um maior número de projetos?

Tem projetos com valores bem abaixo. Tem muita desconfiança em projetos cujo crédito custa menos de US$ 15, porque muitos não acreditam que esse reflorestamento vai ser protegido. É preciso um nível de comprometimento (com a manutenção da floresta) que o setor privado tem uma certa dificuldade de dar. O que acontece se, de repente, o projeto para? Aí você tem de saber como é que os investidores iniciais vão ser indenizados. Tudo isso é mais possível se a autoridade do governo estiver lá.

A chave para isso acontecer seria, então, essa questão de segurança…

É preciso pensar em como você cria um incentivo do governo brasileiro que, de repente, se aparecer um Bolsonaro, ele não possa parar tudo. A ideia é que, uma vez que acordos tenham sido feitos com o resto do mundo, seja muito caro para um governo parar isso. Tem várias maneiras de se fazer isso. Mas realmente tem de ficar muito caro para o Brasil parar de fazer, porque a ideia é comprometer governos futuros (Estadão, 22/5/24)