18/02/2025

O perigo de um Judiciário sob suspeita – Editorial O Estado de S.Paulo

O perigo de um Judiciário sob suspeita – Editorial O Estado de S.Paulo

A se confirmarem as múltiplas suspeitas de corrupção no Judiciário vindas à tona no último ano, o sistema de Justiça, já cronicamente disfuncional, poderá entrar numa crise aguda.

 

A Polícia Federal indiciou 23 pessoas no Maranhão, entre elas três desembargadores, dois juízes e sete advogados, por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Evidentemente, é preciso máxima cautela para um caso em que ainda não houve sequer denúncia. Os indiciados ainda não são réus, e terão a oportunidade de se manifestar dentro do devido processo legal. Mas os indícios são robustos e, se confirmadas, as suspeitas abrirão uma chaga profunda na já combalida credibilidade do Judiciário.

 

Historicamente, a corrupção é um mal muito mais associado ao Legislativo e ao Executivo. A descrença no Judiciário tem razões de ordem estrutural: a percepção de uma casta de privilegiados; o dissabor com uma Justiça custosa, lenta e labiríntica; a desconfiança de sua parcialidade e, cada vez mais – especialmente em relação às cortes superiores –, de seu ativismo e partidarismo.

 

O impacto dessa descrença é multifacetado e incomensurável. A desconfiança dos cidadãos no sistema judicial como um meio legítimo e eficaz de solucionar disputas degrada o Estado de Direito, incentiva a instabilidade política e institucional, fragiliza a coesão social, encoraja a violação das leis e afasta investimentos. Em um corpo judiciário já cronicamente disfuncional, os escândalos de corrupção têm o potencial de precipitar uma crise aguda e possivelmente letal.

 

O ano de 2024 foi marcado por sucessivas denúncias de corrupção. Segundo apuração do Estadão, além do Maranhão, pelo menos cinco Tribunais de Justiça estaduais são alvo de investigações relacionadas à corrupção, em especial à venda de sentenças judiciais: Mato Grosso do Sul, São Paulo, Tocantins, Espírito Santo e Bahia. Ainda em 2024, o Conselho Nacional de Justiça afastou dois juízes, no Espírito Santo e no Amapá, suspeitos de atuarem a serviço de facções criminosas. O próprio Superior Tribunal de Justiça é investigado por um esquema de venda de sentenças que envolve funcionários de quatro gabinetes e possivelmente um ministro.

 

O inquérito no Maranhão sugere que os magistrados persuadiam pessoas a ajuizar ações contra empresas, fraudavam a distribuição dos processos, decidiam favoravelmente aos autores das ações e inflavam valores de correção monetária. Suspeita-se que o esquema tenha gerado quase R$ 18 milhões na forma de honorários advocatícios distribuídos entre os envolvidos.

 

“A presente investigação identificou a existência de uma organização criminosa formada pelos núcleos judicial, causídico e operacional, em que magistrados, advogados e terceiros atuavam de forma estruturalmente ordenada, com clara divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagens de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, dentre as quais, corrupção e lavagem de dinheiro”, afirmou a Polícia Federal.

 

O caso é especialmente alarmante porque, a se confirmarem as suspeitas, revelará magistrados que já não são mais simplesmente cooptados por organizações criminosas, mas que formam eles mesmos uma organização criminosa.

 

Entre tantas más notícias, a boa notícia é justamente que as suspeitas estão sendo investigadas. Em tese, os anticorpos da Justiça estão agindo. Sob os holofotes públicos, espera-se em todos esses casos a observância rigorosa dos ritos legais e, se confirmados os crimes, uma punição exemplar. Mas se, ao contrário, esses ritos forem manipulados para afastar a punição dos eventuais criminosos, a desmoralização será redobrada e, ao menos a curto prazo, irreversível.

 

A mera punição dos eventuais culpados, contudo, não será suficiente para revigorar a integridade do sistema de Justiça. O Judiciário precisará mostrar empenho em implementar reformas estruturais que corrijam fragilidades, ampliem a transparência e criem mecanismos de controle que garantam melhores condições de responsabilização e prestação de contas perante a sociedade. Muito mais do que a reputação da magistratura, o que está em jogo é a saúde do Estado Democrático de Direito nacional (Estadão, 18/2/25)